A aprovação pelo Senado da PEC 8, que valoriza a colegialidade das decisões do STF, não viola a separação de poderes ou ameaça a democracia. A legitimidade da Corte é corroída por decisões individuais precárias que se eternizam e a proposta em debate não subtrai da Corte competência institucional alguma. O STF não perde qualquer atribuição ou tem suas decisões limitadas. Limita-se a desenvoltura individual de ministros, mas o colegiado é preservado integralmente. Exemplo de caso a revelar a necessidade da medida proposta foi a decisão deste ano sobre a lei das estatais (depois de mais de uma década de vigência da lei) de um ministro às vésperas da aposentadoria. Não esquecer que a própria lei original das ações diretas de inconstitucionalidade prescreve enfaticamente que liminares devem ser adotadas pelo Colegiado, salvo no recesso, mas a exceção da decisão individual foi convertida em algo completamente diverso e fluido. Apoio e aprecio o trabalho do STF, mas vejo que o debate deseja transformar o regimento interno da Corte em algo mais do que uma norma processual. Fortalecer o colegiado é fortalecer, não enfraquecer, o STF.
Respeito a divergência de quem defende como inerente à jurisdição o poder de cautela concedido aos Ministros individualmente, mas estamos falando de controle objetivo de validade e eficácia das leis. O poder de cautela do colegiado não foi tolhido. O poder de cautela individual de cada ministro, em ações diretas, não pode ter a desinibição que encontramos no Brasil. No resto do mundo não há nada semelhante, que eu tenha conhecimento. Se fosse algo inerente à jurisdição no controle concentrado medidas de suspensão geral de normas isoladamente por Ministros ou, pior ainda, decisões manipulativas tomadas solitariamente por ministros fora do recesso, esse tipo de decisão seria algo comum na jurisdição constitucional comparada. E não há nada disso na jurisdição comparada. Se é algo inerente à jurisdição constitucional não pode ser exclusivo do Brasil. Insegurança jurídica é o nome para decisões individuais surpreendentes que duram anos, sem análise do Colegiado, tornando inútil a decisão do Presidente e do Congresso. Não por acaso o Art. 97, da Constituição, prescreve: "Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público." Essa norma é uma ode à Colegialidade.
A importância do STF depende de competências exercidas e atribuídas à Corte e da legitimidade que a Corte alcança na sociedade brasileira. Se esta sociedade assistir seguidas decisões singulares surpreendentes e a omissão do Colegiado em julgá-las essa legitimidade é corroída. Isso é indiscutível, lamentavelmente. Apoio o STF em muita coisa, quase sempre, mas esse festival de liminares individuais dos últimos anos é duro de apoiar em nome da agenda carregada da Corte. Quando a Corte deseja decidir, decide em duas semanas. Há limites para o pragmatismo e agenda carregada alguma justifica o risco de conceder poder individual aos Ministros para suspender normas por anos, sem deliberação do Colegiado (ex. lei royalties do Petróleo, lei das estatais, suspensão de Emenda Constitucional 73, de criação de tribunais regionais federais, entre muitas outras decisões). O Pleno pode agir estrategicamente e decidir rápido o que é urgente e com vagar o que pode esperar. Deixar esse juízo para cada ministro é muito inseguro e excessivo, especialmente em sede de controle objetivo de normas.
Prof. Paulo Modesto (UFBA)
(PS. Esse texto resume manifestações que fiz em grupo fechado de professores de direito público sobre o tema, razão de sua evidente oralidade).
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