Wallace Paiva Martins Junior (SP)
O Congresso Nacional superou o veto da Presidência da República e foi promulgada a Lei Complementar n. 152, de 03 de dezembro de 2015, que dispõe sobre a aposentadoria compulsória por idade, com proventos proporcionais, nos termos do inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal na redação da Emenda Constitucional n. 88, de 07 de maio de 2015. Antes dessa emenda, a Constituição de 1988 estabelecia a aposentadoria compulsória por idade aos 70 anos.
Na Constituição de 1934, a aposentadoria compulsória por idade dos magistrados era de 75 anos (art. 64, a), mas, admitia-se a redução para 60 anos em relação aos juízes estaduais (art. 104, § 5º). Todavia, a regra era a aposentadoria compulsória dos servidores públicos aos 68 anos de idade (art. 170, § 3º).
Esta foi a faixa etária adotada para a aposentadoria obrigatória dos magistrados e demais agentes públicos na Constituição de 1937 (arts. 91, a, e 156, d), que, por sinal, permitia à lei reduzir o limite de idade para categorias especiais de funcionários, de acordo com a natureza do serviço.
A Constituição de 1946 optou pela idade de 70 anos (arts. 95, § 1º e 191, I), escolha preservada pela de 1967 com a possibilidade de redução do patamar de acordo com lei federal atendendo à natureza especial do serviço (art. 100, II e § 2º) – conservada pela Emenda n. 01/69 (arts. 101, II e 113, § 1º). Esta também foi a tônica da Constituição de 1988.
A Emenda n. 88, de 2015, à Constituição vigente, aumentou a faixa etária da aposentadoria compulsória por idade. A norma do inciso II do art. 40 adotou fórmula alternativa: “aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar”.
Esta parte final da norma constitucional caracteriza norma de eficácia limitada, pois, somente essa lei complementar futura poderia estabelecer os casos, as condições e os requisitos para tanto. A regra, autoaplicável, contida na primeira parte do preceito, continuou sendo 70 anos de idade.
É certo, ainda, que a carência de autoaplicabilidade da norma restou manifestada pelo próprio art. 2º da Emenda Constitucional n. 88 na medida em que ressalvou expressa e taxativamente a situação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União que, independentemente do advento da lei complementar, se aposentariam compulsoriamente por idade aos 75 anos desde então, conforme o art. 100 acrescido ao Ato das Disposições Transitórias.
Curioso é que não muito antes foi editada a Lei Complementar n. 144, de 15 de maio de 2014, que disciplina a aposentadoria dos servidores públicos policiais alterando a Lei Complementar n. 51, de 20 de dezembro de 1985. Referida lei prevê além das regras próprias de aposentadoria voluntária dos servidores públicos policiais a jubilação compulsória “com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, qualquer que seja a natureza dos serviços prestados”, como consta do inciso I do art. 1º da Lei Complementar n. 51/85 na redação dada pelo art. 2º da Lei da Complementar n. 144/14. Essa lei veio a lume com lastro no § 4º do art. 40 da Constituição de 1988 e, paradoxalmente, reduziu a idade-limite de aposentadoria compulsória de certa categoria de agentes públicos, enquanto a Lei Complementar n. 152/15 ampliou. De qualquer modo, o art. 3º da Lei Complementar n. 152/15 revogou o inciso I do art. 1º da Lei Complementar n. 144/14.
A Lei Complementar n. 152/15 se aplica nas esferas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, como esclarece seu art. 1º, ampliando indistinta e incondicionalmente para 75 anos a aposentadoria compulsória por ancianidade em favor de servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (incluídas suas autarquias e fundações), magistrados e membros do Ministério Público, das Defensorias Públicas, e dos Tribunais e dos Conselhos de Contas (art. 2º).
Ela é resultante de projeto de lei de iniciativa parlamentar. Bem por isso, foi vetado por inconstitucionalidade, estampando as respectivas razões que “por tratar da aposentadoria de servidores públicos da União, tema de iniciativa privativa do Presidente da República, o projeto contraria o disposto no art. 61, § 1º, inciso II, da Constituição”. O veto, como se sabe, foi derrubado pelo Parlamento.
No entanto, a iniciativa parlamentar tisna a constitucionalidade da Lei Complementar n. 152/15.
Antes de seu advento o Supremo Tribunal Federal visitou o tema a propósito da edição de emenda à Constituição de Estado-membro que aumentou a idade para aposentadoria compulsória por pertencer à disposição do tema à esfera constitucional federal (ADI 5.298-DF, Rel. Min. Luiz Fux, 15-04-2015, DJe 17-04-2015), certo, ainda, que a restrição etária para balizar a aposentadoria vinculada e obrigatória não se aplica a servidor público exclusivamente ocupante de cargo em provimento em comissão, como deliberado pelo Superior Tribunal de Justiça (RMS 36.950-RO, Rel. Min. Castro Meira, DJe 26-04-2013, Informativo STJ 523).
Entretanto, também o Supremo Tribunal Federal esclareceu em aresto prolatado em torno da Emenda Constitucional n. 88/15 que:
“A aposentadoria compulsória de magistrados é tema reservado à lei complementar nacional, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, nos termos da regra expressa contida no artigo 93, VI, da Constituição da República, não havendo que se falar em interesse local, ou mesmo qualquer singularidade que justifique a atuação legiferante estadual em detrimento da uniformização. 4. A unidade do Poder Judiciário nacional e o princípio da isonomia são compatíveis com a existência de regra de aposentadoria específica para integrantes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, cujos cargos também apresentam peculiaridades para o seu provimento. 5. É inconstitucional todo pronunciamento judicial ou administrativo que afaste, amplie ou reduza a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, com base em neste fundamento, assegure a qualquer agente público o exercício das funções relativas a cargo efetivo ou vitalício após ter completado setenta anos de idade” (ADI 5.316-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 21-05-2015, m.v., DJe 06-08-2015).
Não bastasse essa desconformidade em relação aos magistrados, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade de normas de iniciativa parlamentar que regram a aposentadoria dos servidores públicos, enunciando que:
“O § 1º do art. 61 da Lei Republicana confere ao Chefe do Poder Executivo a privativa competência para iniciar os processos de elaboração de diplomas legislativos que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração Direta e Autárquica, o aumento da respectiva remuneração, bem como os referentes a servidores públicos da União e dos Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (alíneas ‘a’ e ‘c’ do inciso II do art. 61)” (ADI 3.061-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 05-04-2006, v.u., DJ 09-06-2006, p. 04, RTJ 199/622).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 9.868, de 28/04/93, do Estado do Rio Grande do Sul. Lei de iniciativa parlamentar versando sobre servidores públicos, regime jurídico e aposentadoria. Impossibilidade. Artigos 2º, 25, caput e 61, § 1º, II, c da Constituição Federal. Firmou a jurisprudência deste Supremo Tribunal o entendimento no sentido ‘de ser de observância compulsória pelos Estados as regras básicas do processo legislativo federal, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes’ (ADI nº 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. 26.02.99), incluindo-se as regras de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre remuneração dos servidores, seu regime jurídico único e sua aposentadoria. Precedentes: ADI nº 2.115, Rel. Min. Ilmar Galvão e ADI nº 700, Rel. Min. Maurício Corrêa” (ADI 872-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 28-08-2002, v.u., DJ 20-09-2002, p. 87).
Assente que o conteúdo normativo inerente ao regime jurídico dos servidores públicos – incluindo sua aposentadoria – se submete à iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo ut art. 61, § 1º, II, c, da Constituição de 1988 - regra que encontra reminiscência no art. 57, V, da Constituição de 1967 na redação dada pela Emenda n. 01/69.
Tratando-se de inconstitucionalidade formal, ela não admite convalidação, pois, significa usurpação das prerrogativas do Poder Executivo no processo legislativo, situação que retrata ofensa ao princípio da divisão funcional do poder.
A emergência da Lei Complementar n. 152/15 também fomenta outra matiz no debate.
A lei simplesmente repetiu a Emenda Constitucional n. 88, estendendo a exceção do art. 100 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de maneira genérica, incondicionada e indiscriminada a todos os agentes públicos.
Ora, não pareceu ser este o intento do constituinte quando admitiu a aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade “na forma de lei complementar”. Corolário era que a lei deveria estabelecer casos, condições e requisitos para a excepcional adoção dessa faixa etária superior para a jubilação (v.g., natureza da atividade, constatação médica da capacidade).
A regra na Constituição Federal de 1988 mesmo com a Emenda n. 88 continuou sendo a idade de 70 anos para a aposentadoria compulsória, correndo as exceções pelo disposto em lei complementar. Carente de razoabilidade e proporcionalidade a lei porque a aposentadoria compulsória aos 75 anos de idade é excepcional. Em outras palavras, a lei tornou a exceção em regra, evidenciando inconstitucionalidade material.
A última das considerações reputadas convenientes é a respeito da eficácia temporal da lei. Ela entrou em vigor na data de sua publicação (art. 4º) e, portanto, não retroage, até porque não contém qualquer cláusula explícita nesse sentido.
Ela não pode alcançar atos jurídicos perfeitos, consumados sob o império do antigo regramento. Tampouco será possível àqueles aposentados antes de seu advento vindicar reversão. Com efeito, das espécies de reentrada de servidor público inativo a única admissível é a reversão ex officio por ilegalidade na concessão da aposentadoria, uma vez que a reversão voluntária foi banida pela Constituição de 1988, como julgaram o Supremo Tribunal Federal (RTJ 194/540) e o Superior Tribunal de Justiça (RMS 6.426-RJ, 5ª Turma, Rel. Min. José Dantas, 02-04-1996, v.u., DJ 06-05-1996, p. 14.435) na trilha de alvitres da literatura especializada (Celso Antonio Bandeira de Mello. Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, 2ª ed., p. 44; Edmir Netto de Araújo. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2007, 3ª ed., p. 327; José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9ª ed., pp. 489-490) - porque a jubilação implica a extinção do vínculo funcional e a vacância do cargo. Assim, por exemplo, se colhe que “salvo a hipótese de reversão ex officio, na qual cessaram os efeitos que levaram à aposentadoria por invalidez, não é mais permitida pela Constituição” (Paulo Magalhães da Costa Coelho. Manual de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 117).
De qualquer modo, descabe cogitar de reversão ex officio porque não houve qualquer ilegalidade na concessão de aposentadoria antes da edição da Lei Complementar n. 152/15 em razão de sua superveniência, e não é dado à lei nova retroagir em desfavor do ato jurídico perfeito.
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