Sérgio Guerra (RJ)
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O Estado Democrático de Direito estabelece um regime de liberdades fundamentais. Ele assegura aos cidadãos um elenco de direitos individuais, constitucionalmente protegidos, os quais devem ser exercidos com observância e respeito aos direitos dos demais cidadãos.
Por ter o Estado avocado para si a obrigação de manter incólume os direitos individuais, tornou-se indispensável disciplinar os aspectos da vida social e dotar a Administração Pública de funções para restringir o direito e proibir o abuso sem a necessidade de submetê-las ao Poder Judiciário.
Por isso o Estado se vale da função conhecida como Poder de Polícia.
Ela compreende, como consta do art. 78, do Código Tributário Nacional, o conjunto de intervenções do poder público no sentido de disciplinar, negativamente, a ação dos cidadãos, objetivando prevenir ou reprimir perturbações à ordem pública.
Mas, quem pode exercer o Poder de Polícia?
Em tese, será regular o exercício do poder de polícia o desempenhado pelo órgão competente nos limites fixados na lei, sem abuso ou desvio de poder isto é, sempre se levou em conta que o Poder de Polícia deveria ser exercido por autoridade pública a qual a lei atribuiu específica competência.
A premissa, portanto, comumente explorada pela doutrina é de que o exercício do Poder de Polícia depende de autorização legal a determinado órgão ou agente administrativo, que receberá expressa competência para o exercício dessa função.
E o exercício do Poder de Polícia por particulares? É legal?
A doutrina que sustenta que a função de polícia é indelegável vem sendo majoritária só pode ser exercida por agente estatal (servidor público). Algumas vozes, contudo, vinham admitindo a delegação para entidades da administração indireta, a exemplo da Guarda Municipal.
O Superior Tribunal de Justiça - STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 817.534/MG, não havia aprovado essa tese. Havia estabelecido que o Poder de Polícia deve ser compreendido em quatro aspectos: a atividade legislativa, o consentimento (expedição de alvará, habilitação etc.), a fiscalização e o poder de aplicar sanções. Mas só seria possível a delegação do Poder de Polícia para pessoa jurídica de direito privado no que diz respeito às atividades de "fiscalização" e "consentimento".
O caso foi recentemente julgado pelo STF, evoluindo-se a partir do citado caso Bhtrans. Tratou-se de um dos casos mais comentados no meio jurídico. Versou sobre o exercício do Poder de Polícia por Empresa Municipal, constituída sob a forma de sociedade de economia mista. Empresa estatal com natureza de empresa privada a teor do art. 173 da Constituição Federal.
Até então a Suprema Corte adotava a teoria de impossibilidade de delegação do exercício de poder de polícia para os particulares, em geral. Ao julgar a ADI ndeg1.717-DF, o STF havia reconhecido a inconstitucionalidade de dispositivos que conferiam ao particular o exercício da função de "fiscalização de polícia".
Julgando o mérito de ação direta ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B, pelo Partido dos Trabalhadores - PT e pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT, o Tribunal julgou procedente o pedido formulado na ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 58, caput e parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da Lei 9.649/98, que previam a delegação de poder público para o exercício, em caráter privado, dos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas, mediante autorização legislativa.
Reconheceu-se, naquela ocasião, a inconstitucionalidade dos dispositivos atacados sob o fundamento de que uma vez que o mencionado serviço de fiscalização constitui atividade típica de Estado, envolvendo, também, poder de polícia, poder de tributar e de punir, seria insuscetível de delegação a entidades privadas.
Como dito, o STF mudou o tom, ao menos sobre a Guarda Municipal.
O caminho começou a ser trilhado em 22/03/2012 quando o plenário do Supremo Tribunal Federal atribuiu caráter de Repercussão Geral ao Recurso Extraordinário com Agravo 662.186/Minas Gerais, funcionando como Relator o Ministro Luiz Fux. A Recorrente foi a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S/A - BHTRANS.
Na jurisprudência atual o STF (Recurso Extraordinário 658.570) confirmou-se, em apertado placar, a teoria quanto a juridicidade na delegação de poder de polícia à Guarda Municipal. O Ministro Roberto Barroso abriu a divergência e foi o redator do acórdão, ficando vencido o relator Ministro Marco Aurélio.
Basicamente, duas teorias foram postas no debate. Marco Aurélio identificou o "serviço" a ser protegido pelas Guardas Municipais como exercício do poder de polícia administrativa e, neste ponto, afeto à segurança pública e Barroso categorizou a atividade como serviço público em sentido amplo para justificar que as competências das Guardas Municipais podem extrapolar aquelas ligadas exclusivamente à segurança pública.
As conclusões do voto vencedor, constante da ementa, resumem bem a questão: a) o Poder de polícia não se confunde com segurança pública, de modo que o seu exercício não é prerrogativa exclusiva das entidades policiais detentoras das funções de promoção da segurança pública b) a fiscalização do trânsito constitui exercício de poder de polícia, não havendo óbice ao seu exercício por entidades não policiais c) o Código de Trânsito Brasileiro estabeleceu a competência comum dos entes da federação para o exercício da fiscalização de trânsito d) os Municípios podem determinar que o poder de polícia que lhe compete seja exercido pela guarda municipal e) o art. 144, §8º, da CF, não impede que a guarda municipal exerça funções adicionais à de proteção dos bens, serviços e instalações do Município.
Com essas conclusões foi fixada, em repercussão geral, a tese: "é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício de poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas".
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