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O novo regime dos precatórios

ANO 2016 NUM 311
Rodrigo Kanayama (PR)
Doutor em Direito do Estado. Professor Adjunto de Direito Financeiro da UFPR, Advogado em Curitiba.


09/12/2016 | 8310 pessoas já leram esta coluna. | 11 usuário(s) ON-line nesta página

Em 30 de novembro de 2016, quarta-feira, início da noite, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos – com nenhum voto contrário – a PEC 233/2016–C, que "altera o art. 100 da Constituição Federal, para dispor sobre o regime de pagamento de débitos públicos decorrentes de condenações judiciais; e acrescenta dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir regime especial de pagamento para os casos em mora”. Já aprovada no Senado Federal, aguarda-se sua promulgação, que deve ocorrer em breve.

A PEC foi resposta do Congresso Nacional ao julgamento das ADI 4425 e 4357 pelo Supremo Tribunal Federal e seu texto absorveu o conteúdo da decisão (incluindo da Questão de Ordem) que declarou grande parte da Emenda Constitucional 62/2009 inconstitucional.

Com a aprovação da PEC 233, sobrevirão várias alterações no texto constitucional. Apresentarei, sinteticamente, as mudanças:

(1) Alterações no regime ordinário de precatórios

Art. 100, §2º (alterado)

Na redação dada pela Emenda 62 (considerando a decisão do STF), criou-se nova regra de preferências de precatórios, nessa ordem: (i) titulares que possuam 60 anos ou mais ou que sejam portadores de doença grave; (ii) precatórios alimentícios; (iii) precatórios comuns. Com a nova redação trazida pela futura Emenda (resultado da PEC 233), serão beneficiados com a regra da preferência os titulares originários ou por sucessão hereditária, que possuam 60 anos ou mais, ou que sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência. Majorou-se o rol de preferências.

Art. 100, §§17, 18, 19, 20 (acrescentados)

Mensalmente, os entes federativos deverão aferir o comprometimento de suas respectivas receitas correntes líquidas, adotando-se base anual (cálculo semelhante ao da Lei de Responsabilidade Fiscal para a receita corrente líquida).

Se o montante total de precatórios e requisições de pequeno valor, considerando a base anual (no período de 12 meses), ultrapassar a média do comprometimento percentual da receita corrente líquida dos 5 anos anteriores, a parcela excedente ao percentual poderá ser financiada, excetuando-se o financiamento dos limites de endividamento (art. 52, VI e VII da Constituição). É possível, para honrar com o financiamento, vincular receita de impostos.

Caso se apresente um precatório (um ofício-precatório) em valor superior a 15% de todos os precatórios apresentados no respectivo exercício financeiro, 15% daquele precatório serão pagos até o final do exercício seguinte e o restante em parcelas iguais nos 5 exercícios subsequentes (com juros de mora e correção monetária), ou, ainda, em acordos diretos com deságio máximo de 40% do valor atualizado. É a primeira vez que surge norma de pagamento diferido no art. 100 da Constituição.

(2) Novo regime especial de precatórios

A futura Emenda acrescenta os arts. 101 a 105 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, criando um novo regime especial (no modelo da Emenda 62). Os entes que, em 25 de março de 2015 (data da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em Questão de Ordem nas ADI 4425 e 4357), estiverem em mora com o pagamento de seus precatórios, deverão quitá-los até 31 de dezembro de 2020 (todos os precatórios, novos e velhos).

Para tanto, depositarão, mensalmente e em duodécimos, em conta especial do Tribunal de Justiça local, percentuais das receitas correntes líquidas, “apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, em percentual suficiente para a quitação de seus débitos e, ainda que variável, nunca inferior, em cada exercício, à média do comprometimento percentual da receita corrente líquida no período de 2012 a 2014, em conformidade com plano de pagamento a ser anualmente apresentado ao Tribunal de Justiça local”. Dar-se-á transparência aos pagamentos e depósitos, constrangendo o Poder Executivo a fazê-los.

As receitas necessárias ao pagamento poderão ser: (i) recursos orçamentários; (ii) 75% dos depósitos judiciais e depósitos administrativos, tributários ou não tributários, nos quais Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, ou suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, sejam parte; (iii) até 20% dos demais depósitos judiciais (exceto alimentícios) da localidade (no caso, do Estado), criando-se fundo garantidor com os recursos restantes; (iv) empréstimos, os quais serão excetuados dos limites ao endividamento. Quanto a essa última fonte (empréstimos), necessária a regulamentação, a fim de impedir que a nova dívida supere a dívida judicial, em valores e juros.

Na vigência do regime especial, 50% dos recursos para pagamento dos precatórios em mora serão utilizados para pagá-los em ordem cronológica (respeitadas as preferências dos alimentícios) e o restante, a critério do ente federativo, será aplicado para acordos diretos (com deságio máximo de 40%). Ainda, na vigência do regime não haverá sequestro, “exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos”.

No último caso (se não houver liberação tempestiva dos recursos), o chefe do Poder Executivo responderá por improbidade administrativa e na forma das normas de responsabilidade fiscal. Para sanar o problema financeiro, os recursos dos Fundos de Participação (FPM e FPE), os quais são regularmente transferidos pela União aos entes federativos, serão utilizados para a finalidade de pagar as dívidas com precatórios. E, na esfera dos Estados, a repartição dos impostos aos Municípios será utilizada para a mesma finalidade. E, enquanto perdurar a omissão, o ente federativo não poderá contrair empréstimos (salvo para cumprir o próprio regime especial) e não receberá transferências voluntárias.

Enfim, será facultada aos credores a compensação de precatórios com débitos de natureza tributária ou de outra natureza que houverem sido inscritos em dívida ativa até 25 de março de 2015. Não há previsão de compensação para débitos posteriores. E as compensações não poderão impactar as vinculações constitucionais (como saúde e educação, pois estas dependem da receita arrecadada).

Essas foram, em síntese e muito rapidamente, as modificações e adições ao texto constitucional. A despeito de seguir a decisão do Supremo Tribunal Federal, há obstáculos. Primeiro, duvida-se da capacidade financeira dos Estados para cumprir o novo regime especial até 2020; segundo, as sanções ao desrespeito às normas são genéricas e de aplicabilidade questionável; terceiro, contrair novas dívidas para pagar dividas judiciais antigas depende de regulamentação e requer muita cautela; quarto, não se atacou o principal problema: a ausência de impositividade no pagamento das dívidas judiciais; e, finalmente, mas não menos importante, é a dúvida que paira sobre a convivência entre o novo regime dos precatórios e o novo regime fiscal (haverá limitação da despesa para pagamento de precatórios?). Esses assuntos serão debatidos em outro momento.



Por Rodrigo Kanayama (PR)

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