Rodrigo Kanayama (PR)
Não são poucos os entes federativos que sofrem com descontrole de despesas e excesso de despesas com pessoal. Os Estados são foco dos maiores problemas. Mas isso não significa que os Municípios não correm riscos, sobretudo porque 2016 é ano eleitoral e último ano do mandato do Prefeito Municipal.
São muitas as limitações às ações municipais nessa época. Não obstante às propagadas vedações em ano de eleição pela Lei Eleitoral (Lei 9.504/97), que procuram impedir desequilíbrios no pleito, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – Lei Complementar 101/2000) e a Lei 4.320/64 proíbem algumas condutas no tocante às finanças públicas, evitando que o Prefeito deixe obrigações impagáveis para seu sucessor. Ressalta-se que as normas financeiras são aplicáveis, ainda que o agente político seja reeleito.
Observem-se algumas das vedações financeiras em final de mandato. A análise concentrar-se-á nas despesas públicas em geral e nas despesas com pessoal.
Despesas públicas e final do mandato do Prefeito
(a) no último mês do mandato do Prefeito é vedado o empenho de mais do que o duodécimo (1/12) da despesa prevista no orçamento vigente (art. 59, §1º, L. 4.320/64). A norma refere-se, ao dizer despesa, à dotação orçamentária, não ao conjunto das despesas fixadas em Lei Orçamentária Anual.
Além do mais, não se confunde essa disposição com aquela do art. 42, LRF. Nesta, proíbe-se "contratação de obrigação de despesa" e exige-se "disponibilidade de caixa", enquanto que na L. 4.320/64 a vedação é para o empenho (o ato administrativo inicial da execução da despesa).
O desrespeito à norma leva à possível responsabilização do Prefeito Municipal (art. 1º, V, Decreto-Lei 201/67, sobre crimes de responsabilidade: ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes).
(b) nos últimos dois quadrimestres é vedado ao Prefeito Municipal contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro do mandato, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito (art. 42, LRF).
Pela simples leitura do dispositivo legal, a proibição inicia-se no início de maio do último ano do mandato do Prefeito. Sua seca leitura não resolve, contudo, os problemas fáticos enfrentados nos Municípios. O Tribunal de Contas do Estado do Paraná, por exemplo, em seu Prejulgado 15, compreende que celebrações de contratos administrativos nos últimos dois quadrimestres do mandato, e que estejam entre as hipóteses previstas nos incisos I, II e IV do art. 57 da Lei 8.666/93, não poderiam, em princípio, permanecer sob as amarras do art. 42 da LRF, já que são contratos que podem ultrapassar a vigência dos créditos orçamentários. Basta, segundo o Tribunal, suficiente disponibilidade de caixa para o exercício que se finda, não se fazendo a mesma exigência para toda a duração do contrato nos exercícios vindouros. Da mesma forma são os aditivos celebrados no período, devendo haver avaliação do caso concreto.
E mais: parece ilógico que o Município afetado por um fato inesperado (calamidade pública ou comoção social, entre outras situações) esteja absolutamente defeso de contratar obrigação de despesa que produza reflexos no mandato subsequente, ainda que sem disponibilidade de caixa. Necessária, contudo, justificativa compatível, com comprovação robusta.
O desrespeito à norma enseja a aplicação do art. 359-C, do Código Penal, ao agente público, além do art. 1º, V, do Decreto-Lei 201/67.
(c) O excesso de despesas com pessoal é controlado rigorosamente pela LRF. Sobretudo no último ano de mandato, a fim de impedir a entrega do governo com defeitos irremediáveis.
A LRF definiu limites claros – e outros nem tanto – para as despesas públicas, principalmente as que são obrigatórias, continuadas e que possam causar dívida. No caso das despesas com pessoal, de difícil contenção e diminuição, a LRF cunhou o termo Despesa Total com Pessoal (DTP), que serve como parâmetro de controle. O termo DTP representa a soma das despesas públicas de quaisquer espécies com pessoal (art. 18, LRF), inclusive com terceirizações para substituição de servidores e empregados públicos, bastando, para calcular a DTP, considerar a despesa de 12 meses (mês em referência mais os 11 meses anteriores, adotando-se regime de competência).
Calculada, verifica-se a obediência aos limites. A LRF fixou os seguintes limites absolutos da DTP dos Municípios: (i) DTP máxima é de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL); (ii) desses 60%, 54% são do Poder Executivo, 6% para o Legislativo (incluindo o Tribunal de Contas, onde existir). Há limites prudenciais menores, que procuram evitar a aproximação aos limites absolutos.
Entretanto, se excedido o limite absoluto (caso o Executivo ultrapasse os seus 54% da RCL, por exemplo) no 1º quadrimestre do último ano do mandato, a LRF impede, imediatamente, o recebimento de transferências voluntárias, a obtenção de garantia, direta ou indireta, de outro ente, para operações de crédito, a contratação de operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal (art. 23, §4º, LRF).
A finalidade da imposição de sanções drásticas é conter, rapidamente, o excesso das despesas com pessoal, pois não se quer deixar herança ao próximo governo.
(d) A LRF tem como mote o controle do equilíbrio das despesas e receitas. Além dos diversos limites definidos pela LRF, na matéria ora estudada tem-se que é nulo o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato (art. 21, parágrafo único, LRF), ou a partir de 5 de julho (1º de julho, para fins contábeis).
A LRF padece de problemas na consistência de sua redação. Há alguns descuidos nos termos jurídicos adotados. Nesse caso, ao dizer "despesa com pessoal", surge a dúvida: o legislador refere-se à Despesa Total com Pessoal (DTP) ou a simples despesa com pessoal? Ou, ainda, refere-se à relação da DTP com a RCL, exigindo a manutenção do percentual da RCL? Existem posições diversas da doutrina e dos tribunais de contas, com compreensão para todos os lados.
Aqui, entender-se-á que o aumento se refere à DTP. Então, nos últimos 180 dias, não é permitida a prática de ato que eleve a DTP (é autorizado ato que promova aumento pontual da despesa com pessoal, mas que não majore a DTP). Claramente, a norma da LRF vai além da prescrição da Lei 9.504/97 (sobre nomeações e contratações).
A revisão geral anual dos servidores (art. 37, X, Constituição) não pode ser limitada por essa disposição legal (LRF), ainda que haja aumento da DTP. É direito previsto na Constituição e que supera a LRF. Entretanto, não se autoriza a revisão geral que exceda a recomposição da perda do poder aquisitivo dos servidores públicos ao longo do ano da eleição, 180 dias antecedentes ao pleito eleitoral até a posse dos eleitos (art. 73, VIII, Lei 9.504/97, Resolução 22.252/2006 – TSE e Resolução 23.450/2015 – TSE – este fixou a data de 5 de abril de 2016).
Os descumprimentos dos limites para despesas com pessoal previstos na LRF resultam crime comum, conforme art. 359-G do Código Penal.
Não se esgota o assunto aqui. São apenas alguns exemplos de limites financeiros impostos aos Prefeitos Municipais em final de mandato. A observância da LRF é fundamental ao bom funcionamento da Administração Pública. Infelizmente, nem todo Município publica dados financeiros compreensíveis em páginas da internet (portais da transparência), dificultando o controle social. Espera-se, pois, o funcionamento correto dos órgãos de controle.
A finalidade da LRF, portanto, é impedir o excessivo endividamento e que as gerações futuras tenham que arcar com as consequências das ações impensadas e eleitoreiras.