Rodrigo Kanayama (PR)
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Antes rara, a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria orçamentária tornou-se relativamente comum. Atualmente, são muitas as questões que tocam o orçamento público e a autonomia da Defensoria Pública, que abordam a abertura dos créditos extraordinários do governo federal, que analisam a separação dos poderes e a participação do Judiciário na feitura da proposta orçamentária. Há, pois, uma dezena de processos com matéria orçamentária pautados no Supremo para o início de 2017.
Agora, algumas decisões do STF cujo assunto central é a crise fiscal dos Estados vêm chamando a atenção dos juristas e da imprensa. Numa delas (ACO 2972), na qual se debate a suspensão da “execução de cláusulas de contragarantia firmados entre a União e o Estado do Rio de Janeiro”, entendeu a Ministra Relatora que “a complexidade da matéria posta na presente ação e a notória gravidade da situação financeira e orçamentária experimentada pelos entes federados recomendam a busca de uma solução consensual para o conflito apresentado” (Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=333552>, acesso em janeiro de 2017, sublinhas nossas)
A irresponsabilidade fiscal unida à redução da atividade econômica e mais a queda da arrecadação (todas interdependentes) levam o Poder Judiciário a decidir casos particulares diferentemente de seus precedentes, proferindo julgados (quase) inovadores.
O julgamento que se sobressaiu, recentemente, no Supremo Tribunal Federal, e que está diretamente interligado à “solução consensual”, trata da execução do orçamento público: a entrega dos duodécimos pelo Poder Executivo aos demais poderes e órgãos (Ministério Público e Defensoria Pública), como regula o art. 168, Constituição. Define o Art. 168:
“os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º”.
Sob essa regra, a não entrega ou entrega parcial dos duodécimos em desconformidade com a Lei Orçamentária Anual (LOA) viola a Constituição. Entende o STF pela inconstitucionalidade do não repasse (ou redução dos valores repassados) dos valores definidos na LOA, em razão de violação ao princípio da separação dos poderes.
Essa posição foi repetidamente aplicada pelo STF. Importante precedente é o Mandado de Segurança 21.450, cujo Relator foi o Min. Octavio Gallotti:
Repasse duodecimal determinado no art. 168 da Constituição. Garantia de independência, que não está sujeita a programação financeira e ao fluxo da arrecadação. Configura, ao invés, uma ordem de distribuição prioritária (não somente equitativa) de satisfação das dotações orçamentárias, consignadas ao Poder Judiciário. Mandado de segurança deferido, para determinar a efetivação dos repasses, com exclusão dos atrasados relativos ao passado exercício de 1991 (Súmula 271). (STF. MS 21450, Relator: Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, julgado em 08 de abril de 1992)
Num julgamento de 18 de maio de 2016, por exemplo, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 339 (Rel. Min. Luiz Fux), julgou-se:
“É dever constitucional do Poder Executivo o repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês (art. 168 da CRFB/88), da integralidade dos recursos orçamentários destinados a outros Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, conforme previsão da respectiva Lei Orçamentária Anual.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 339. Rel. Min. Luiz Fux. Julgamento em 18 de maio de 2016).
Entretanto, e diversamente à compreensão pretérita, a 2ª Turma do STF, citando um isolado precedente, entendeu ser desnecessária a manutenção do valor previsto na Lei Orçamentária Anual, em seus exatos termos. Acaso se frustre a execução da receita pública, é adequada à Constituição o desconto uniforme do repasse de acordo com o desempenho concreto do orçamento, mas ressalvada futura compensação. Decidiu nos seguintes termos:
“A Turma, por votação unânime, deferiu parcialmente a medida liminar, assegurando-se ao Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro o direito de receber, até o dia 20 (vinte) de cada mês, em duodécimos, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, sendo facultado ao Poder Executivo do referido Estado-membro proceder ao desconto uniforme de 19,6% (dezenove inteiros e seis décimos por cento) da Receita Corrente Líquida prevista na Lei estadual nº 7.210/2016 (LOA) em sua própria receita e na dos demais Poderes e órgãos autônomos, ficando ressalvada, além da possibilidade de eventual compensação futura, a revisão desse provimento cautelar caso i) não se demonstre o decesso na arrecadação no “relatório detalhado com todos os recursos que compõem a Receita Corrente Líquida” – o qual o Poder Executivo se comprometeu a encaminhar à ALERJ no prazo de até 30 (trinta) dias da publicação da Lei estadual nº 7.483/2016 -; ou ii) não se confirme o decesso no percentual projetado de 19,6% (dezenove inteiros e seis décimos por cento) em dezembro/2016, também mediante “relatório detalhado com todos os recursos que compõem a Receita Corrente Líquida”, ao qual, em todos os casos, deve ser conferida a mais ampla transparência e publicidade, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 22.11.2016”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança 34.483/RJ (MS 34483-MC/RJ). Rel. Min. Dias Toffoli. Julgamento em 22 de novembro de 2016).
Crê-se que o STF, a despeito deste último julgamento (da 2ª Turma), mantém-se na posição anterior (pela inconstitucionalidade). Não obstante, justificada a impossibilidade de repasse integral dos duodécimos, o STF, ao mesmo tempo em que postula por consenso pacífico entre os poderes, compreendeu possível o desconto uniforme para todos os poderes e órgãos com autonomia orçamentária e financeira, pois todos devem pugnar pelo equilíbrio orçamentário e pelo retorno à normalidade fiscal.
Trata-se do entendimento de que a arrecadação de receitas do Estado é sempre flutuante, e os números que constam na Lei Orçamentária Anual representam, somente, previsão (que pode ser superada ou não, a depender da atividade econômica, do funcionamento da máquina de arrecadação, etc.). Ainda assim, nenhum ato de redução de repasse de duodécimos deve ser imposto pelo Poder Executivo, unilateralmente, sendo requeridos o consenso e o respeito à separação e independência dos poderes.
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