Rita Tourinho (BA)
1. O Terceiro Setor no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Denomina-se Terceiro Setor as entidades não estatais sem fins lucrativos, que desenvolvem atividades de interesse público. Assim, o Estado seria o Primeiro Setor, a iniciativa privada, voltada à exploração de atividade econômica, o Segundo Setor e o Terceiro Setor seria composto por organizações privadas que se comprometem à realização de interesses coletivos.
A terminologia “Terceiro Setor” é de origem sociológica, não se encontrando positivada no nosso ordenamento, razão pela qual são utilizadas outras expressões, dentre as quais “entes de cooperação”, “organizações não governamentais” e “entidades de caridade”.
Nos países centrais surge em virtude da crise do Estado-Providência, capaz de cumprir melhor que o Estado a dimensão social, com a promessa de eficiência gerencial semelhante ao setor privado. Por outro lado, a ausência de fins lucrativos o aproxima do Estado, voltado a satisfazer interesses gerais de forma igualitária, assente em valores humanos e não em valores de capital.
Verifica-se, então, um crescente movimento estatal em direção ao setor público não estatal. Assim, a execução de serviços que não possuem conteúdo econômico e que não envolvem exercício de poder de Estado vem sendo transferida aos entes do Terceiro Setor, subsidiados pelo Estado. No Brasil, Implementa-se o Programa Nacional de Publicização, veiculado por meio da Medida Provisória n. 1.591/97, convertida na Lei Federal n. 9.637/98, que instituiu no nosso ordenamento as Organizações Sociais (OS). Referido programa teve por finalidade transferir serviços públicos não exclusivos ao setor público não-estatal, financiados pelo Estado. Como vantagens, apresenta-se a atuação com maior autonomia e flexibilidade, garantindo uma maior eficiência na prestação de tais serviços, com ênfase nos resultados.
No ano de 1999, edita-se a Lei n. 9.790 com o propósito de fomentar atividade particular de interesse público, criando as Organizações de Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Viabiliza-se, através deste instituto legal, a cooperação pública às iniciativas particulares que satisfazem demandas sociais, sem qualquer renúncia estatal ao dever de prestar serviços públicos.
Intensifica-se, assim, a atividade de fomento do Estado, cujo principal destinatário é o Terceiro Setor.
Com o incremento do Terceiro Setor, passando a exercer diversos serviços públicos sociais em parcerias firmadas com variados setores da Administração Pública, envolvendo repasse de recursos públicos, surgem diversas preocupações, tais como: critérios de seleção das entidades beneficiadas, delimitação clara quanto às atividades repassadas, transparência e controle dos gastos efetivados com os recursos repassados, eficiência e eficácia da parceria, dentre tantas outras.
Proporcionalmente ao crescimento das parcerias estabelecidas entre o Poder Público com entes do Terceiro Setor, aumentam também as críticas a esse modelo de atuação do Estado, decorrentes de constantes denúncias quanto a existência de entidades que se utilizam desse arranjo constitucional para a prática de ilegalidades, com objetivos bastantes distanciados do interesse público. Falsas transações comerciais com empresas fantasmas, nepotismo indireto, lavagem de dinheiro ilícito, uso político-eleitoreiro de recursos públicos repassados, favorecimentos pessoais, burla das exigências de licitação e de concurso público, contratação irregular de pessoal, são apenas algumas das inúmeras irregularidades constatadas.
Apesar das leis nº 9.637/98 e nº 9.790/99, o ordenamento jurídico brasileiro ressentia-se da ausência de um diploma legal, de aplicação nacional, estabelecendo normas gerais voltadas à normatização das parcerias estabelecidas entre a Administração Pública e os entes qualificados como pertencentes ao Terceiro Setor.
2. A Lei nº 13.019: Avanços ou Retrocessos?
Em julho de 2014 foi publicada a Lei nº 13.019, alterada antes da sua entrada em vigor pela Medida Provisória nº 684, de 21 de julho de 2015, transformada na Lei nº 13.204/15, estabelecendo o regime jurídico das parcerias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; definindo diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e alterando as Leis nos 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999. Tal diploma legal já se encontra em vigor para a União, os Estados e o Distrito Federal, tendo sua vigência a partir de 01 de janeiro de 2017 para os Municípios.
O regime estabelecido pela Lei não se aplica às parcerias já regidas por leis específicas. Desta forma, destaca-se a sua inaplicabilidade aos contratos de gestão firmados com organizações sociais, aos termos de parceria estabelecidos com organizações de sociedade civil de interesse público, aos convênios firmados com as entidades filantrópicas, nos termos do art. 199, parágrafo 2º da CF e às parcerias entre a Administração e os serviços sociais autônomos.
De logo, critica-se a precoce alteração da Lei nº 13.019/14 pela Lei nº 13.204/15, que acabou por dificultar o controle das parcerias e facilitar a violação dos princípios acolhidos pela própria legislação no seu art. 5º.
Inegável os avanços trazidos pela norma legal em comento, dentre os quais se tem: a uniformização da qualificação das entidades sujeitas à lei como organização de sociedade civil (art. 1º, I, a), a uniformização dos instrumentos para a efetivação dos ajustes, tendo-se, então, o termo de colaboração (art.1º, VII), o termo de fomento (art. 1º, VIII) e o acordo de cooperação (art. 1º, VIII-A), o regime jurídico das parcerias sujeitos aos princípios da legalidade, da legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência e da eficácia (art. 5º), a implementação da gestão pública democrática e da participação popular, a partir da instituição do Procedimento de Manifestação de Interesse (art. 18 a art. 21) e a previsão do chamamento público, antecedendo as parcerias estabelecidas com as organizações da sociedade civil, com fixação de cláusulas de observância obrigatória nos editais (art. 23).
Por outro lado, alguns aspectos constantes da Lei nº 13.019/14 comprometem a implementação do princípio da impessoalidade e trazem questionamentos quanto à forma de controle adotada, pois parece que o novo diploma legal preferiu prestigiar o cumprimento das metas estabelecidas, desprezando, em alguns casos, a prestação de contas nos moldes tradicionais.
Assim, abordar-se-á o chamamento público, como instrumento implementador do princípio da impessoalidade, um dos fundamentos do regime jurídico das parcerias, e as hipóteses de dispensa, cuja ampliação do rol em virtude da lei nº 13.204/15 comprometeu a aplicação do mencionado princípio.
3. Do Chamamento Público na Lei nº 13.019/14 e Ajustes Diretos: Um Passo em Frente e Dois Passos Atrás?
A utilização do chamamento público foi trazida como regra n art. 23, da Lei nº 13.019/14, segundo o qual, “a administração pública deverá adotar procedimentos claros, objetivos e simplificados que orientem os interessados e facilitem o acesso direto aos seus órgãos e instâncias decisórias, independentemente da modalidade de parceria prevista nesta Lei”.
O chamamento público espelha um procedimento seletivo, no qual se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (art. 2º, XII).
Por outro lado, o chamamento deve adotar procedimento claro, objetivo e simplificado, para orientação dos interessados e maior facilidade de acesso às instâncias administrativas (art. 23, caput).
Diante de tal regra, causa, de imediato, perplexidade a introdução do art. 29 à Lei nº 13.204/15, de acordo com o qual “Os termos de colaboração ou de fomento que envolvam recursos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais e os acordos de cooperação serão celebrados sem chamamento público, exceto, em relação aos acordos de cooperação, quando o objeto envolver a celebração de comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial, hipótese em que o respectivo chamamento público observará o disposto nesta Lei.”. Assim, sem qualquer justificativa plausível, o chamamento público deixa de incidir em ajustes firmados com recursos decorrentes de emendas parlamentares às leis orçamentárias anuais.
Perece um verdadeiro paradoxo que uma lei supostamente fundamentada em princípios administrativos, dentre os quais o da impessoalidade e o da moralidade, exclua a incidência do instrumento voltado à efetivação de tais princípios aos ajustes firmados com recursos decorrentes de emendas parlamentares, cujas denúncias de desvios e prática de crimes, infelizmente, já fazem parte do cotidiano, gerando questionamentos quanto a real destinação de tais verbas. Somente a título de exemplo, tem-se o suposto esquema de corrupção no Ministério do Turismo, no ano de 2011, originado por desvios de verbas de convênios com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), para atuação no estado do Amapá, relacionados com duas emendas parlamentares. Este é apenas um dos milhares de casos facilmente encontrados em pesquisas realizadas em sites de notícias. A exceção trazida pela Lei garantirá que os autores das emendas parlamentares continuem a indicar o ente que pretende ter como gestor do recurso repassado.
O texto original da lei, também coerente com os princípios administrativos acolhidos, trouxe como hipóteses de dispensa de chamamento público apenas:
Art. 30.(....)I - no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público realizadas no âmbito de parceria já celebrada, limitada a vigência da nova parceria ao prazo do termo original, desde que atendida a ordem de classificação do chamamento público, mantidas e aceitas as mesmas condições oferecidas pela organização da sociedade civil vencedora do certame;
II - nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem pública, para firmar parceria com organizações da sociedade civil que desenvolvam atividades de natureza continuada nas áreas de assistência social, saúde ou educação, que prestem atendimento direto ao público e que tenham certificação de entidade beneficente de assistência social, nos termos da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009;
III - quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança;
IV - (VETADO);
V - (VETADO).
Quando a lei se reporta às hipóteses de dispensa de chamamento público está se referindo às situações nas quais, embora viável a competição entre os interessados, o chamamento afigura-se objetivamente incompatível com os valores norteadores da atividade administrativa.
Note-se que a lei, no seu texto original, trouxe poucas hipóteses de dispensa do chamamento público. A primeira situação, constante do inciso I, é facilmente justificável, uma vez que ocorrendo uma situação de urgência, não será razoável a realização de processo seletivo, já que a demora na sua efetivação poderá gerar danos irreparáveis. No que concerne à segunda hipótese, além de difícil ocorrência, também parece justificada diante da situação de caos que pode levar à imediata formalização do vínculo. O mesmo se diga quanto à terceira situação que visa resguardar a vida de pessoas que se encontram em programa de proteção.
Ocorre que, a Lei nº 13.204/15 acabou por ampliar demasiadamente as possibilidades de dispensa do processo de chamamento público, ao acrescentar a hipótese do inciso VI, ao art. 30, qual seja, “no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política”.
Assim, sem especificar o sentido conferido ao termo “credenciadas”, a lei permite que haja a formalização de ajuste desprovido de chamamento público, quando a organização de sociedade civil já se encontrar previamente “credenciada” pelo órgão gestor da respectiva política.
Por certo que o credenciamento constante do dispositivo distancia-se do sentido conferido pela doutrina e jurisprudência, que o definem como hipótese de inexigibilidade de licitação, ocorrendo quando a Administração pretende contratar, de forma igualitária, todos os interessados que atendam às condições previamente estabelecidas para a satisfatória prestação do serviço de que necessita o Poder Público. Na hipótese do art. 30, parece que o credenciamento aproxima-se do sentido de cadastramento, trazido no art. 34, da Lei nº 8.666/93.
Ora, sabendo-se que a grande maioria dos vínculos formalizados com entidades do Terceiro Setor está vinculada à saúde, educação e assistência social, e que existindo organizações previamente credenciadas a Administração Pública poderá dispensar o chamamento público, questiona-se, como será efetivado o princípio da impessoalidade na hipótese de existirem diversas entidades credenciadas aptas à formalização do ajuste?
Tentando responder a tal questionamento, pode-se afirmar que o chamamento público em tal caso somente poderá ser dispensado quando a Administração Pública dispuser de recursos suficientes para fomentar a atuação de todas as organizações de sociedade civil previamente credenciadas, que possuam interesse em formalizar determinada parceria.
Saliente-se que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a constitucionalidade da Lei Federal nº 9.637/98, que dispõe sobre as parcerias com organizações sociais (ADI 1923/DF), deixou assente que a celebração de contrato de gestão não se submete à exigência de prévio procedimento licitatório, ante a sua natureza jurídica de convênio em sentido amplo (ajuste de feição cooperativa, em que os partícipes buscam, em regime de mútua colaboração, alcançar um objetivo de interesse comum, convergente, diferentemente dos contratos administrativos). Entretanto, o STF consignou que diante “de um cenário de escassez de bens, recursos e servidores públicos, no qual o contrato de gestão firmado com uma entidade privada termina por excluir, por consequência, a mesma pretensão veiculada pelos demais particulares em idêntica situação, todos almejando a posição subjetiva de parceiro privado, impõe-se que o Poder Público conduza a celebração do contrato de gestão por um procedimento público impessoal e pautado por critérios objetivos, por força da incidência direta dos princípios constitucionais da impessoalidade, da publicidade e da eficiência na Administração Pública (CF, art. 37, caput)”.
Embora tal decisão se refira a contratos de gestão firmados com organizações sociais, a ratio decidendi extraída do acórdão do STF, qual seja, a impossibilidade de a Administração Pública, por motivo de escassez de bens e recursos públicos, formalizar parceria com todas as entidades privadas interessadas, a sua escolha deverá ser realizada a partir de procedimento público impessoal pautado em critérios objetivos, aplica-se a todos os ajustes negociais de natureza similar, a exemplo dos termos de colaboração e termos de fomento instituídos pela Lei Federal nº. 13.019/2014, eis que submetidos ao influxo do princípio constitucional da impessoalidade e da moralidade administrativa. Tal conclusão reforça-se com a leitura do art. 32 da Lei nº 13.019/14, que exige justificativa em caso de ausência do chamamento público, tanto na hipótese de dispensa como em situação de inexigibilidade.
No que se reporta à inexigibilidade do processo de chamamento público, determina a lei que:
Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica, especialmente quando:
I - o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato ou compromisso internacional, no qual sejam indicadas as instituições que utilizarão os recursos;
II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar da subvenção prevista no inciso I, do §3º do art. 12 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 200.
De logo, deve-se ressaltar que o caput do art. 31 apresenta função normativa autônoma, uma vez que um ajuste direto poderá nele se fundar, ou seja, não se impõe que a hipótese seja enquadrada em um dos incisos do referido artigo, os quais apresentam natureza exemplificativa. Desta forma, havendo ausência de pluralidade de alternativas caberá o ajuste direto, com fundamento no caput do art. 31.
A primeira hipótese de inexigibilidade, constante do inciso I, não gera maiores debates, uma vez que decorre de compromisso internacional e necessariamente deverá conter a motivação da escolha, em razão do que determina o art. 32 da Lei.
O inciso II, por sua vez, trata da transferência de subvenções sociais para organização de sociedade civil. As subvenções sociais estão previstas no art. 12, parágrafo 3º, I, da Lei nº 4320/64, segundo o qual:
Art. 12. [...] § 3º Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:
I - subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa.
Verifica-se que as subvenções, sociais se prestam exclusivamente à realização de despesas de custeio da entidade, ou seja, com sua manutenção, portanto, vedada a utilização para despesas de capital (investimentos).
A Lei nº 4.320/64 estabeleceu diretrizes a serem seguidas quando da realização de transferência de recursos pelo Poder Público a entidades privadas. No artigo 16 da citada Lei, determinou-se que as subvenções sociais, que devem atender despesas de manutenção de entidades sem fins lucrativos, visam à prestação de serviços nas áreas de assistência social, médica e educacional e ainda, mostrar-se mais econômica do que a atuação direta do ente federado, portanto, este procedimento não deve ser regra e sim complementador à atividade estatal. O parágrafo único do citado artigo, trata a base de cálculo dos valores a serem transferidos, qual seja, unidade de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados, obedecidos os padrões mínimos de eficiência previamente fixados
Em sintonia com a Lei 4.320/64, a Lei Complementar 101/2000, também abordou a matéria sobre a transferência de recursos públicos ao setor privado, determinando que a destinação pode se dar quando devidamente autorizada por lei específica, atender condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e se consignada na lei orçamentária ou em créditos adicionais, de acordo com o artigo 26 e parágrafos.
Vê-se, então, que a incidência da referida hipótese de inexigibilidade de chamamento público perpassa pelo preenchimento de diversos requisitos.
4. A Interpretação Sistemática da Lei nº 13.019
Conforme já afirmado, a Lei nº 13.019/14 trouxe incontestáveis avanços aos ajustes a serem estabelecidos com os entes do Terceiro Setor, a começar pela possibilidade de uniformização das tratativas. Por outro lado, inegável a existência de dispositivos, dentre os quais os que tratam da dispensa e inexigibilidade do chamamento público, que analisados individualmente geram questionamentos quanto à efetivação dos princípios acolhidos no art. 5º da Lei. No entanto, a interpretação da lei pressupõe a análise dos seus dispositivos em conjunto.
No que se refere à utilização das situações de dispensa e inexigibilidade de chamamento público, constantes dos arts. 30 e 31 antes referidos, necessário de faz a análise da regra contida no art. 32, segundo a qual “Nas hipóteses dos arts. 30 e 31 desta Lei, a ausência de realização de chamamento público será justificada pelo administrador público”. Tal dispositivo exige ainda a publicação do extrato da justificativa que poderá ser impugnada, no prazo de cinco dias, com possibilidade de revogação do ato que declarou a dispensa ou considerou inexigível o chamamento público, e consequente instauração de processo de chamamento.
Visando uma melhor implementação da regra em comento, poder-se-ia fazer um paralelo com o art. 26, da Lei nº 8.666/93, exigindo-se que a justificativa apresentada seja acompanhada de elementos que evidenciem não apenas a caracterização da situação de fato ensejadora da formalização direta da parceria e seu enquadramento em qualquer das hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, como também, e especialmente, a razão de escolha da organização da sociedade civil, que deve ser amparada em critérios transparentes e impessoais, em homenagem aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade previstos no art. 5º, e a justificativa do valor previsto para a consecução do objeto ajustado.
Por certo que tal paralelo excluirá qualquer dúvida quanto a um dos objetivos da lei, qual seja, garantir a escolha da organização de sociedade civil pautada em critérios objetivos e em harmonia com o interesse público, resguardando a credibilidade dos ajustes estabelecidas com entes privados sem fins lucrativos, que efetivamente atuam em prol da implementação de direitos sociais.
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