Rafael Lima Daudt DOliveira (RJ)
A crise sanitária gerada pelo novo coronavírus (ou COVID-19) vem desafiando os governos e a sociedade quanto às medidas que devem ser tomadas para o combate desta pandemia. Já são inúmeros infectados e milhares de mortos em todo mundo. Os mais afetados pelos sintomas da doença são os idosos e as pessoas que têm certos problemas de saúde pré-existentes (diabete, câncer, asma etc), mas há registros até de morte de pessoas jovens e saudáveis. Trata-se de um vírus altamente contagioso, que se transmite facilmente pelo contato social (p.e., apertos de mão, beijos, abraços).
A OMS, especialistas em saúde e muitos governos têm defendido e adotado um discurso de isolamento social radical (o chamado isolamento horizontal). A ideia é “achatar a curva da doença” e, despois, gradativamente retomar as atividades sociais e empresariais. A OMS recomenda também a realização de testes em massa, o que nem sempre é possível em razão da escassez de recursos. Todo esse aparato tem por objetivo evitar a disseminação da doença e a sobrecarga ou o possível colapso do sistema de saúde, por conta da possibilidade de aumentar consideravelmente o número de infectados num curto espaço de tempo (como ocorreu na Itália e Espanha).
Por outro lado, há o receio relativo à crise econômica que virá, rápida e violentamente, em virtude da pandemia e do necessário isolamento social e fechamento de empresas. Isso vai impactar drasticamente os trabalhadores e os negócios. Por isso, algumas vozes vêm defendendo o abrandamento do isolamento social (isolamento vertical, apenas de idosos e doentes) e até mesmo o fim imediato da quarentena.
No Brasil, os casos e as mortes aumentam a cada dia. O país ainda apresenta como agravante o fato de possuir diversas comunidades onde pessoas vivem aglomeradas e sem saneamento, o que pode levar à explosão descontrolada da pandemia. Precisamos agir rapidamente e com medidas efetivas para resguardar a saúde da população e combater o coronavírus. Contudo, o país encontra-se politicamente dividido entre o isolamento horizontal e o isolamento vertical, entre saúde e economia. Os governos federal, estaduais e municipais vêm divergindo em torno de qual estratégia seria a mais apropriada e efetiva ao combate da pandemia, bem como na proteção da economia, renda e empregos.
No entanto, pensamos que não é hora de dividir a nação, mas sim de conciliação, união e consensualidade. Existe razoável consenso no sentido da necessidade de algum tipo de isolamento social e distanciamento e da adoção de medidas de higiene. Importante que os governos e a sociedade empenhem esforços conjuntos em torno dos objetivos em comum e apresentem propostas para a superação da pandemia. Nesses tempos de crise, o direito administrativo é convocado para apresentar soluções para o problema.
Uma delas é a regulação de comando e controle, na qual se insere o exercício do poder de polícia. É aquela que se vale de instrumentos coercitivos (ou impositivos) e unilaterais, que se aplicam aos seus destinatários independentemente da sua vontade. É concretizada por meio de normas prescritivas de condutas, fiscalização e sanção. Entre os exemplos de medidas de comando e controle no combate à pandemia, podemos citar o fechamento de lugares públicos (pontos turísticos, praias, parques etc) e estabelecimentos comerciais, restrições à utilização de transportes públicos, isolamento social, quarentena, entre outros (Lei federal 13.979/20 e Decreto 46.970/20 do Estado do Rio de Janeiro). Esta regulação é extremamente importante na disciplina social e mostra-se também apropriada para obter os resultados almejados na contenção do coronavírus.
No entanto, isso não exclui outros tipos de regulação que podem ser adotados concomitantemente. Então, uma proposta que talvez possa auxiliar no combate à pandemia, válida tanto para o isolamento horizontal como para o vertical, é a utilização da medida de simplificação administrativa conhecida como o uso de nudges, concebidos originalmente por Richard Thaler e Cass Sunstein (Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness, Penguin Books, 2009)
A simplificação administrativa refere-se ao conjunto de medidas postas à disposição da Administração Pública com o objetivo de facilitar e aperfeiçoar a sua atuação e as suas relações com os cidadãos e empresas, racionalizar controles e procedimentos e gerar maior celeridade e efetividade na salvaguarda e promoção dos direitos individuais e coletivos, como o direito à saúde da população (Cf. o nosso: A Simplificação no Direito Administrativo e Ambiental, Lumen Juris, 2020). Dentre essas medidas, a utilização de nudges pode ser efetiva e de baixo custo para combater o coronavírus. O tema relacionado ao uso dessas ferramentas para o combate à pandemia foi pioneiramente elaborado pelo jurista Flávio Amaral Garcia, em recente e ótimo artigo (“Covid-19 e os nudges”, JOTA, em 25/03/2020).
O uso de nudges é relacionado à estratégia da regulação por incentivos e à economia comportamental. A metodologia da regulação por incentivos propõe-se à adoção de uma abordagem que se destina a influenciar as pessoas em determinadas direções. A economia comportamental é uma área de estudos no campo da economia que busca aprimorar o poder explicativo das teorias econômicas a partir de fundamentos psicológicos. Ela demonstra que diversas variáveis, muitas vezes ignoradas, permitem influenciar decisivamente a forma como fazemos escolhas.
O nudge pode ser conceituado como uma arquitetura de escolha, moldada para alterar e induzir o comportamento das pessoas de forma previsível, conduzindo-as em direções socialmente desejáveis. Os nudges têm por objetivo melhorar a vida dos indivíduos e ajudar a resolver vários dos principais problemas da sociedade, com pouco ou nenhum custo direto e de forma a preservar a autonomia dos cidadãos. A sua utilização se tornou uma ferramenta de políticas públicas em vários países do mundo e em diversas áreas, como saúde, crime, consumo de energia e até de combate às mudanças climáticas.
Dentre os tipos de nudges que seriam importantes na contribuição ao combate à pandemia, podemos listar: (i) o uso de normas sociais para informar às pessoas que a maioria das outras apresenta determinado comportamento; (ii) a utilização de lembretes periódicos para incentivar as pessoas à realização de determinada conduta; e (iii) a utilização de alertas dramáticos ou não que conscientizem o público em geral (como ocorre nas campanhas contrárias à embriaguez na direção de automóveis e ao tabagismo) (iv) a divulgação de dados e informações relevantes.
O uso de normas sociais para informar às pessoas que a maioria das outras apresenta determinado comportamento é bem interessante, tendo em vista que a economia comportamental indica que as pessoas tendem a seguir o que a maioria faz. Seria o caso de informar à população que a maioria das pessoas tem permanecido isoladas em casa, evitando o contato social e saindo apenas para a realização de tarefas indispensáveis (comprar comida, ir à farmácia). Ou ainda, informar que a maioria das pessoas têm seguido recomendações de higiene, como lavar as mãos várias vezes por dia, evitar de levar as mãos ao rosto, tomar banho e colocar a roupa para lavar quando voltar da rua.
Da mesma forma, a utilização de lembretes periódicos para incentivar as pessoas à realização de determinada conduta pode ser uma ferramenta efetiva. A Defesa Civil do Rio de Janeiro, por exemplo, vem incentivando e lembrando a população a adotar determinadas condutas, via mensagens de SMS com as seguintes orientações: “Lave as mãos com água e sabão ou use álcool em gel, cubra o nariz e a boca ao espirrar/tossir, mantenha os ambientes bem ventilados”; e “Evite contatos físicos como apertos de mãos, beijos e abraços. Mantenha a higiene das mãos e evite aglomerações”. Embora a iniciativa seja louvável, não ocorre periodicamente. Uma proposta seria o envio de SMS, ou de whats app, todos os dias à população, incentivando-a a adotar as condutas recomendadas pela OMS e pelos órgãos públicos de saúde para a prevenção e combate ao coronavírus.
A utilização de alertas para a conscientização do público foi utilizado no combate à pandemia pelo Estado do Rio de Janeiro, em relação à frequência das praias (o exemplo consta do artigo de Flávio Amaral já citado). Trata-se de diversos carros da Polícia Militar, Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros espalhados pela orla, com a sirene ligada e com o som em alto volume, pedindo à população que evite aglomeração nas praias e que retornem para as suas casas, para segurança delas, dos seus vizinhos, amigos e familiares. E, ainda, que o momento é de conscientização e que cada cidadão deveria fazer a sua parte na prevenção ao coronavírus. A iniciativa é bem interessante, mas não teve tempo suficiente para ter uma avaliação concreta quanto aos seus efeitos, uma vez que as praias foram interditadas alguns dias depois. Mas, não parece possível assegurar o cumprimento na norma em todas as milhares de praias existentes no litoral brasileiro, razão pela qual é importante que o direito administrativo se valha também dos nudges.
A divulgação de dados e informações relevantes e a utilização de alertas para a conscientização do público poderiam ter sido utilizados e contribuído na prevenção ao coronavírus, no episódio ocorrido em 23/03/20 na Estação de trem de Japeri, no Estado do Rio de Janeiro (o trem é de uso restrito pelos cidadãos que exercem atividades essenciais). A Estação estava superlotada e com impressionante e gigantesca fila. As pessoas se amontoavam e ignoravam o limite de distância recomendado pelas autoridades sanitárias. Muitas delas nem sequer trabalhavam em atividades essenciais. Neste caso, a Administração poderia ter direcionado funcionários para orientar as pessoas a observar o limite de distância, bem como para informar quais profissões são consideradas atividades essenciais (verbalmente ou por meio da distribuição de panfletos informativos).
Por meio do uso de nudges, procura-se orientar, convencer, induzir e incentivar condutas dos cidadãos em determinadas direções para resolver problemas sociais, como o do coronavírus. Trata-se de uma ferramenta importante, de baixo custo, posta à disposição da Administração, e que pode, ao lado das medidas de comando e controle, contribuir na superação da pandemia.