Phillip Gil França (PR)
A regulação não deixa de ser uma expressão de força de um sujeito (ou grupo), que acompanha sofisticados meios de efetividade (variáveis em cada forma regulatória), voltada à organização de atuação de um sujeito (ou grupo) com um específico desiderato. Tal determinação de se fazer (ou deixar de fazer), realizada por meio de determinações específicas e pontuais levam – voluntária ou involuntariamente – um sujeito a seguir agindo conforme essas fixadas demarcações.
Conforme estabelecido, no ambiente do Estado, em atuação executiva estatal, quando se depreende um sujeito executor de atividade regulatória a Administração Pública em um lado e, do outro lado, os particulares de forma geral, tem-se a aplicação do Poder de Polícia estatal. Já quando se volta aos sujeitos internos da Administração, compreende-se tal atividade como manifestação do Poder Disciplinar estatal.
Isto é, a regulação estatal se apresenta como a capacidade de imprimir determinações e limitações externas a partir de determinações e limitações internas da Administração Pública, seja aos sujeitos que estão além dos muros da Administração (os particulares), seja aos sujeitos que estão vinculados à Administração Pública (servidores, parceiros da Administração Pública via contratos públicos específicos, etc.).
Logo, em princípio, o que auxilia na caracterização da atividade regulatória estatal é a sofisticação dos meios empregados e a tecnicidade temática da atividade administrativa necessária para o alcance de determinado interesse público estabelecido como objetivo a ser realizado por tal atividade estatal.
Sem se esquecer das atividades que acompanham a expressão “regulação”, tais como: orientação dos envolvidos para uma atuação sinérgica voltada ao alcance dos objetivos propostos; o fomento do sistema regulado (de todos os envolvidos) para atingir o fim definido; fiscalização do atendimento destas delimitações; bem como correição de eventuais distorções da atuação conforme tais impressões de conduta.
A atividade regulatória, lato sensu, nada mais é do que um conjunto de sofisticadas ações voltado à orientação, determinação, fomento, fiscalização e correição de planos (ou políticas, quando se tratar do Estado) destinados à delimitação da atuação de um sujeito, ou determinado grupo de sujeitos. Frise-se que a mencionada sofisticação se refere a novos instrumentos, ou a uma nova utilização de instrumentos antigos, conforme a natural adaptação axiológica – temporal e espacial – que os executores regulatórios precisam alcançar.
Menciona-se ‘ação sofisticada’ como requisito de verificação de regulação quando se pressupõe essa mencionada adaptação ao atual contexto de tempo e lugar que a regulação se expressa. Isto é, trata-se da atividade decorrente do Poder de Polícia administrativo, entretanto, não se conforma apenas sob a dimensão da atuação negativa do Estado ante a autonomia – ou autodeterminação – dos particulares. Encontra-se na atividade regulatória estatal também a dimensão positiva, na forma de fomento, promoção da atividade particular para a realização de concretizável interesse público.
Como bem lembra Vasco Pereira da Silva, “as transformações do Direito Administrativo dizem igualmente respeito à importância renovada do papel dos particulares, não apenas enquanto destinatários e comparticipantes da actuação administrativa, mas também enquanto autônomos sujeitos de um verdadeiro relacionamento jurídico com a Administração Pública. O que tem como consequência que, de ora em diante, o Direito Administrativo deixa de ser o direito de uma Administração toda-poderosa, para passar a ser o direito dos particulares nas suas relações com a Administração” (Silva, Vasco Pereira da. Em busca do ato administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 2003. p. 126).
As diretrizes consubstanciadas na atual noção de regulação estatal, que aqui se expressa, muito se aproximam ao ideal pós-social mencionado pelo autor.
Nessa perspectiva, a regulação aqui tratada indica a atuação do Estado na vida humana e alguns dos seus reflexos para busca do correspondente desenvolvimento intersubjetivo. Desse modo, parte-se do pressuposto que o Estado concretamente imprime força contra o cidadão para que este se adapte ao conjunto de determinações que exprime. Força voltada ao alcance de um claro objetivo e à realização de valores fundamentais criado pelo próprio homem para o alcance do seu pleno bem estar e harmônico convívio intersubjetivo.
E, conforme os critérios gerais de regulação supramencionados, como se verifica a regulação estatal? Isto é, como o Estado orienta, determina, fomenta, fiscaliza e corrige a atuação humana para o alcance de seus constitucionais objetivos? As respostas chegam a partir dos seguintes elementos da regulação do Estado ao promover:
i) a “orientação” do indivíduo, concedendo avisos de adaptação do seu sistema para que, assim, providencie conformações ao novo sistema ofertado. Por exemplo, propagação de informações elucidativas (com fito de guiar o cidadão) quando da configuração de novas normas que respondem aos anseios sociais de adaptação, pois, desse modo, pode manter e viabilizar um maior e melhor processo de desenvolvimento dos participes do Estado regulado;
ii) a “determinação” da atuação do cidadão, imprimindo novas especificações de conduta, delimitando o que se deve e não se deve fazer em face de situações que dependem de uma interação intersubjetiva. Destarte, conclui-se que da regulação estatal partem sofisticados comandos de limitação da atividade humana voltados ao estrito objetivo de promoção do desenvolvimento intersubjetivo, o que fundamenta a estrutura constitucional estabelecida – com uma clara determinação do interesse público a ser buscado;
iii) o “fomento” de atividades voltadas ao bem-estar do cidadão, visto sob as diversas dimensões possíveis (como indivíduo, como parte de um grupo, como integrante de uma sociedade) para, concretamente, orientá-lo sobre a melhor forma de agir para a realização dos valores fundamentais que o protegem e promovem seu desenvolvimento;
iv) a “fiscalização”, como meio de controle de resultados esperados diante dos objetivos preestabelecidos pelo Estado, via verificação de fatos que alarmam a ocorrência de situações irregulares, pois surgem a partir de uma natural evolução do sistema, por certo, para evitar e identificar concretos danos – quando acionados;
v) a “correição”, como atividade que se exprime por meio de respostas estatais perante a atuação agressiva ao sistema jurídico, indicando a respectiva contraprestação, quando da atuação irregular, que ameaçam o processo de desenvolvimento esperado. Apresentam-se, basicamente, nas consequências jurídicas que ocorrem quando há desequilíbrio do sistema estabelecido. Quando ocorre uma alteração em algum ponto do Estado, o sistema, automaticamente, promove uma adaptação – logicamente, de forma proporcional à alteração verificada, considerando, inclusive, o elemento dissuasório da infração corrigida, visando evitar novas agressões ao sistema.
A regulação estatal – de forma geral – constitui a sobreposição proporcional da vontade do particular pela legítima vontade do Estado, com o fim de proteção e desenvolvimento do bem comum (bem-estar democraticamente usufruível) e a aplicação justa das regras previamente impostas no sentido de evitar abusos quando do exercício do seu livre (e legal) agir.
Isto sem ultrapassar os limites de sua função executiva, pois deve conservar a característica de atividade não jurisdicional (não tem força de decisão final, não faz coisa julgada) e não legislativa (não pode inovar ou contrariar lei), como bem lembra Ruy Cirne Lima, a regulação estatal aos moldes nacionais, em sentido amplo, manifesta-se no exercício de Poder de Polícia do Estado (Lima, Ruy Cirne. Princípios do direito administrativo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 1954. p. 106).
Hartmut Maurer afirma que a expressão regulação (estatal) é anfibológica. Ela se relaciona, por um lado, à atividade, a promulgação do ato administrativo, por outro, ao produto dessa atividade, o ato administrativo promulgado e, com isso, o resultado jurídico produzido. Isto é, a atividade de regulação estatal deve ser vista – e controlada – desde como a Administração age quando da criação do ato até na observação de quais são os efeitos (consequências) da atuação reguladora administrativa Maurer, Hartmut. Direito administrativo geral. Manole, 2006p. 208).
Logo, como se pode notar, no Estado brasileiro contemporâneo, trata-se de direito fundamental do indivíduo a possibilidade de recorrer ao Estado Regulador, como ente capaz de concretizar políticas reguladoras para o desenvolvimento intersubjetivo de seus partícipes, para assim receber uma efetiva resposta apaziguadora de suas relações intersubjetivas, tendo em vista a ideia da existência do Estado voltado ao indivíduo e à garantia de sua dignidade como ser humano.
Isto é, o Estado Regulador (socioambiental) Democrático de Direito, hoje, é o efetivo tutor dos direitos fundamentais estabelecidos para a proteção do cidadão, em face – inclusive – do próprio Estado. Material a ser considerado na atuação administrativa discricionária estatal, sob a indicada perspectiva consequencialista e que, por suas características, exaltam a relevância da plena e da próxima atividade de controle de tudo o que é feito em nome do ônus público de viabilizar o melhor do que atualmente se vive, a partir da sofisticação da atuação administrativa do Estado.