Phillip Gil França (PR)
Controle da atividade do Estado nacional demanda prestar contas a alguém e cobrar contas de alguém sobre o que se faz, como se faz e as consequências do que foi feito no ambiente do exercício do constitucional ônus público estatal. Ou seja, além da capacidade de limitar a atuação de outrem, e da submissão dessa limitação por alguém, faz-se necessário estabelecer o elemento confiança entre quem controla para com aquele que recebe a conta do controle exercido. Dessa forma, a atividade de controle do Estado ideal poderá, efetivamente, trazer o esperado desenvolvimento intersubjetivo propugnado pelo art. 3º da CF/88.
Entretanto, a lógica do atual controle do Estado, aparentemente, segue o caminho da desconfiança, tendo em vista a erupção continua de atos de corrupção, escancarados e debatidos pela realidade de multi-informação vivida nos dias de hoje.
Vale lembrar que controle do Estado é, de forma geral, exercício de poder decorrente do dever de proteção do cidadão, na condição de titular do poder originário que viabiliza a existência e a manutenção do Estado.
Logo, controle do Estado é uma forma de se estabelecer a viabilidade sustentável da atividade estatal em prol do cidadão, sem a qual perderia sentido conceder-lhe poder para realização das tarefas públicas.
Nesse mesmo trilho, vale lembrar que o controle do Estado precisa ser exercido mediante um determinando objetivo de verificação de adequação entre os meios empregados e os fins esperados, com a conclusão de concretização de uma determinado interesse público. Nesse sentido, controla-se o Estado em nome do cidadão, inclusive, para promoção do interesse público.
No entanto, em um ambiente de desconfiança da atividade estatal, pode-se imaginar o interesse público sempre presente nos planos dos governantes? Será que é possível visualizar nessa realidade as lições de Rui Barbosa: “nas almas dominadas pelo senso de responsabilidade, a consciência de um poder pesa como um fardo, e atua como freio”?
É certo que o aperfeiçoamento dos meios de controle do Estado representa, inclusive, uma importante ferramenta de combate à corrupção. Destarte, faz-se necessário o aprimoramento consistente dos mecanismos de contenção da atividade administrativa estatal para que atos de corrupção, que tantas atrocidades trazem consigo, sejam reduzidos e, até mesmo, extintos da prática executiva do Estado.
Assim, estudar o controle estatal é, antes de mais nada, contribuir para que o Estado se desenvolva de modo a atender a todos e a cada um de forma necessária e proporcional. Para tanto, identificar e aprimorar habilidades para lutar contra a corrupção que atrasa esse esperado desenvolvimento é dever de todos os partícipes do Estado, em especial, o cidadão.
Nessa esteira, parte-se da premissa de que não há no Estado algo que não possa e não deva ser controlado em sua legitimidade formal e material. O fortalecimento desta importante afirmação para o republicano Estado nacional democrático de direito é crucial para uma nova realidade afastada da daninha atividade divorciada da legalidade substancial administrativa.
A realidade hodiernamente vivida, de informação rápida e dividida entre os mais altos graus hierárquicos institucionais e o mais comum do povo, traz ao direito a necessidade de revisão da ideia de democracia e de controle estatal. Consequentemente, esse contexto induz à reconsideração do entendimento sobre a proposta de um Estado minimamente ordenado e promotor de um responsável desenvolvimento de sua estrutura.
Efetivamente, para o exercício da democracia idealizada no texto constitucional, não se pode fugir da concepção de compartilhamento social de informação. Esse é o caminho que as pessoas possuem para a construção do seu discernimento relativamente livre. Desta maneira, exercitam a capacidade de escolha que possuem de acordo com sua racionalidade (logicamente, influenciada pelas externalidades do ambiente social em que vivem).
Nessa linha, o cidadão, conforme suas convicções, preferências e interesses, aproxima esta liberdade de autogerência da informação da ideia do ser livre e soberano de si. Contudo, não possui soberania esse homem social detentor de deveres e direitos perante si e os outros que compõem este ambiente social.
Necessariamente, o homem social divide suas experiências com seus semelhantes, pois a liberdade conquistada com o acúmulo e a capacidade de gerenciamento das informações interpessoais o torna mais próximo da sua autonomia como um ativo elemento social. Essa liberdade limitada (autônoma, logo, decorrente – não originária) é concedida pelo Estado – ente criado pelo mesmo homem para gerir as inúmeras liberdades intersubjetivas que se entrelaçam em uma determinada sociedade.
É dever irrenunciável do Estado viabilizar o exercício de cada liberdade autônoma da melhor forma e para o maior número de pessoas possível, mesmo que seja necessário limitá-la de forma mais contundente sob um determinado aspecto (ou pessoas), ou sob outro, em prol do exercício e da realização do constitucional Estado Democrático de Direito.
Dessa maneira, parte-se da ideia de que o efetivo esclarecimento, para um ´relativo livre discernimento´, é pressuposto democrático e, consequentemente, do controle do Estado, em razão de seu papel para a racional atuação do homem social, como cidadão.
Posta essa noção acerca da informação, a qual velozmente está a dominar a vida de todos no mundo, a informação privilegiada, no sentido daquela de que poucos sabem (ou também, a retenção de tal informação), passou a obter um valor maior e mais cobiçado, tendo em vista o fato de que o acesso a informações, como mencionado, foi geometricamente ampliado nos últimos anos.
Esse fenômeno se destaca principalmente na via das Funções Executiva e Legislativa do Estado, nas quais a atividade política se desenrola com legitimidade. E nesses ambientes a produção, o gerenciamento e a transmissão de boas informações (aquelas processadas e utilizadas no momento, na hora e no ambiente correto) ganharam peso econômico jamais visto.
Entretanto, existe um outro lado dessa moeda. Quando tais atividades estatais se desenrolam sem a esperada legitimidade pública, a batalha pela informação privilegiada abre espaço para ilegalidade, em regra, envolta na busca de vantagens pessoais divorciadas de adequação constitucional. Assim se cultiva a nefasta corrupção no exercício da atividade pública.
Dentre tantas deformidades jurídicas passíveis de indicação na ocorrência de corrupção no Estado, uma das principais está ligada à quebra de impessoalidade administrativa. Impessoalidade, como determina expressamente o caput do art. 37 da Constituição é postura obrigatória para qualquer gestor público. Logo, atos de corrupção, obviamente, estabelecem uma quebra da relação de não beneficiar – ou prejudicar – a si ou a outrem em detrimento da tarefa de atingir o interesse público. Destarte, o alcance de vantagens ilegítimas, pois disformes aos valores que conformam o Direito, estabelece a presença de corrupção estatal, bem como, falha de respectivos sistemas de controle da Administração Pública.
Ao tratar de corrupção, é válido lembrar que o que torna ilegal a atividade administrativa é o uso do tempo público e da energia estatal para a não realização de benefícios reais para o cidadão. Isso torna o que é público, privado, acompanhado de interesse diverso da busca do desenvolvimento intersubjetivo, sempre obrigatória para o Estado.
Essa é a essência da corrupção. Atuar com a energia e o tempo pertencentes ao cidadão contra esse mesmo cidadão. O que está em perigo em razão da corrupção é a fonte do Poder Público, qual seja, a vontade popular que deve ser gerida em prol do seu titular, o povo. Assim estabelecido, atos de corrupção atingem a nascente do Poder Público, podendo chegar à drenagem completa dessa fonte de energia estatal, caso não combatida arduamente e com instrumentos adequados.
O estancamento total da fonte de energia da atividade pública, proveniente de fazer o bem ao cidadão, para que possa continuar a confiar na existência de um Estado necessário e, assim, continuar a conceder parte de sua liberdade como energia propulsora de atuação estatal, furtará de forma integral e definitiva o bem mais escasso que o cidadão possui: tempo. Tempo para desenvolver-se, tempo para gozar de uma vida digna, tempo para buscar sua felicidade.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) identifica os principais fatores que deixam o Estado vulnerável à corrupção, mediante evidente ineficiência de práticas de controle da Administração Pública. De forma exemplificativa, o estudo indica como ações que contribuem para ocorrência de corrupção o “alto grau de discricionariedade política; a frequente confusão entre o interesse público, o dos acionistas e os interesses pessoais; o cenário de competição limitada a algumas poucas empresas, ocasionando comportamentos cúmplices; e a estruturas financeiras complexas, que dificultam o controle. Segundo o estudo, a corrupção ocorre a partir de negociações enviesadas entre agentes públicos e privados, implicando decisões equivocadas na seleção de empresas e no planejamento de investimentos”.
De igual forma, na mesma análise, “no setor de serviços públicos e infraestrutura, a OCDE considera que a frequente situação de monopólio e a necessidade de regulamentação estatal propiciam muitas ocasiões para abuso de poder e pedidos de suborno. O estudo descobriu falhas similares e constantes em todas as regiões do mundo, que são um convite à corrupção: deficiências de planejamento, descontrole nos gastos e estimativas de demanda inflacionadas”.
Finalmente, ainda como exemplo das consequências negativas da corrupção no desenvolvimento do Estado, no setor de saúde, a citada pesquisa indicou os seis tipos de abuso mais frequentes relacionados à viabilidade da corrupção estatal: “suborno na prestação de serviços médicos, corrupção nos contratos, relações de marketing antiéticas, abuso de poder em cargos de alto escalão, pedidos de reembolso indevidos, além de fraudes e desvios de medicamentos e serviços médicos. Na saúde, a OCDE conclui que a corrupção distorce especialmente as decisões sobre a alocação de recursos públicos”.
Como se depreende dos exemplos destacados acima, a corrupção seca a energia estatal, extingue o tempo essencial para o desenvolvimento intersubjetivo do povo e aumenta a fenda da desigualdade econômica entre os que usufruem do tempo furtado e dos que sofrem pelo tempo furtado. Corrupção, nesse sentir, torna o Estado árido, estabelecido em um não tempo, sem respeito ao passado, sem perspectivas de presente produtivo e sem esperanças de um futuro melhor.
Mesmo com todas as notórias mazelas que o Estado nacional sofre com a corrupção generalizada descortinada nos últimos anos, parece que luzes de seriedade e responsabilidade no trato com os mecanismos de controle estatal surgem nas três esferas de Funções do Estado, quais sejam, a Legislativa, a Executiva e a Judicial.
Nessa perspectiva otimista, existem meios concretos de se vivenciar um Estado sem o câncer da corrupção e afastado de atuações administrativas subjetivas voltadas ao bem de poucos em detrimento de muitos, como se depreende nos seguintes exemplos.
No ambiente Legislativo, recentemente, a chamada ´lei anticorrupção´ foi promulgada. A lei 12.846, de 1º de agosto de 2013, estabelece a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, independentemente das pessoas naturais envolvidas em atos de corrupção. Desde a lei de improbidade administrativa (nº 8429/92), nos trilhos da lei anticorrupção, observa-se um combate mais contundente contra ações que agridem o sistema jurídico e administrativo do Estado.
No cenário Executivo estatal, órgãos como a Controladoria Geral da União e o desenvolvimento de sistemas de controle interno das Administrações estaduais e municipais representam, também, um avanço no combate à corrupção. E assim indicam esse vetor, pois determinam que a obrigação de autotutela administrativa, zelo, revisão e controle interno precisam de constante sofisticação para efetividade do combate à corrupção.
Já no Judiciário, também se verifica a tendência de ampliação do combate à corrupção. Além da emblemática “operação lava jato”, que demonstra uma atuação pró ativa da Justiça Federal pátria, ao lado do Ministério Público, como protagonistas da maior e mais representativa reação estatal aos atos de corrupção lesivas à Administração Pública, julgados que reforçam o caminho de combate à corrupção crescem exponencialmente, conforme os exemplos que seguem:
- “Repetida ausência de punição em casos notórios de corrupção e malversação do bem público que vem provocando, na história recente do país a mobilização de multidões exigindo justiça. Administradores públicos que, ao assumir suas funções, devem estar cientes da responsabilidade a elas vinculada, arcando com as consequências de seus atos”. (TJ-RJ – 9ª Câmara Cível - AP: 00011608220058190001 RJ 0001160-82.2005.8.19.0001 - Rel: Des. Gilberto Dutra Moreira - Data de Julgamento: 13/01/2015 – Dje:15/01/2015).
- “A declaração de inidoneidade imputada à impetrante resulta de condutas difusas de corrupção praticadas ao longo de três anos (presentes a servidores públicos: passagens aéreas, estadas em hotéis, refeições a servidores públicos). Razoabilidade e proporcionalidade da punição. A promiscuidade de servidores públicos com empresas cujas obras devem fiscalizar constitui um método sórdido de cooptação, de difícil apuração. Sempre que esta for constatada, deve ser severamente punida porque a lealdade que deve haver entre os servidores e a Administração Pública é substituída pela lealdade dos servidores para com a empresa que lhes dá vantagens. Ordem denegada, insubsistência da medida liminar, prejudicado o agravo regimental”. (STJ – Primeira Seção – MS 19269 DF – Rel.: Min. Ari Pargendler – Julgado em: 14/05/2014 – Dje: 05/12/2014).
- “Releva-se notar que não resvala em analogia in malam partem o recrudescimento da pena àqueles que desempenham seu ofício nos entes autárquicos, que, em razão do posto de alta responsabilidade, locupletaram-se às custas da Administração, porquanto ocupantes de cargo em comissão ou de chefia ou assessoramento, quando a eles – e sobretudo a eles – cabiam zelar pela coisa pública. E isso constata-se não só a partir da evolução legislativa adrede trazida, mas também pelos inúmeros instrumentos normativos de combate à corrupção de que o Estado lança à mão, ano após ano, e cuja busca permanente na defesa do erário, bem como no proporcional apenamento desses agentes que mancham a carreira pública, devem ser levados em consideração pelo magistrado na interpretação da norma penal, quando da apuração dessas condutas que, infelizmente, ainda grassam em nosso país. 5. O abandono à interpretação literal - e em tudo isolada - da norma penal guarda sua necessidade para hipótese como a dos autos, em que a ora recorrida, quando ocupava cargo de chefia e de direção, em concurso com outras três pessoas, durante 12 anos, desviou, por 78 vezes, a vultosa quantia de R$ 1.649.143,05, do fundo do Instituto de Previdência do Estado do Paraná - IPE, numerário que se torna mais significativo quando se constata o rombo de fundo previdenciário, cujo desfalque tem reflexos diretos na aposentadoria e na saúde de seus beneficiários. 6. Recurso especial provido, para restabelecer a pena cominada em 1º grau, com a causa de aumento do § 2º do art. 327 do Código Penal”. (STJ – Sexta Turma – Resp 1385916 PR – Rel.: Min. Maria Thereza de Assis Moura – Julgado em 20/02/2014 – Dje: 04/09/2014).
- “A probidade administrativa é o mais importante conteúdo do princípio da moralidade pública. Donde o modo particularmente severo com que o Magno Texto reage à sua violação (§ 6º do art. 37 da CF/88). E o fato é que a conduta imputada ao acusado extrapolou o campo da mera irregularidade administrativa para alcançar a esfera da ilicitude penal. Acusado que deliberadamente lançou mão de recursos públicos para atingir finalidade diversa, movido por sentimento exclusivamente pessoal. (...) Daí por que, no caso dos autos, o desvio na aplicação de verbas oriundas de convênio caracteriza crime de responsabilidade, mesmo que revertidos, de outro modo, em favor da comunidade. Pensar em sentido contrário autorizaria que administradores ignorassem os próprios motivos que impulsionaram a celebração dos convênios, para passar a empregar verbas recebidas em políticas públicas outras que, ao seu talante ou vontade pessoal, possam alcançar um maior número de pessoas, gerar uma maior aprovação popular, converter-se num mais adensado apoio eleitoral. O que já implicaria desvio de conduta com propósito secamente eleitoreiro. (...) Réu condenado a uma pena privativa de liberdade fixada em 02 anos e 02 meses de detenção, em regime inicial aberto. Pena, essa, substituída por duas restritivas de direito, a saber: a) prestação pecuniária de 50 salários mínimos, a ser revertida a entidade pública b) prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo da pena substituída”. (STF – Tribunal Pleno – Rel.: Min. Ayres Britto – Julgado em: 30/06/2010 – Dje: 01/07/2010).
Assim estabelecido, denota-se que o inevitável caminho do Estado é de sofisticar seu meios de controle da Administração Pública para fortalecer o combate à corrupção estatal. A tendência é, indubitavelmente, de que novos mecanismos de efetividade do controle da atividade administrativa e aprimoramento dos meios já existentes ocasionem maiores e melhores resultados em prol do descortinamento histórico de promiscuidade administrativa entre Estado e particulares.
Isso porque, como bem lembra Sérgio Buarque de Holanda (“Raízes do Brasil”, p. 145-146), é possível identificar que na realidade histórica brasileira a implantação de uma Administração Pública, fundada em princípios democráticos e republicanos, teve como desafio não apenas buscar a realização desses valores fundamentais, mas, também, lidar com a herança cultural colonial de ver o bem público como uma extensão do privado. Ou seja, ao que tudo indica, o uso do bem público conforme interesses particulares teve, aparentemente, a sua origem nos primórdios da colonização brasileira.
Determinantes administrativos impessoais soam, dessa equivocada maneira de gerir a coisa pública, como algo que atrapalha a gestão estatal, no sentido de que o resultado deveria preponderar frente aos meios utilizados para o alcance do fim pré determinado. Ou, em outros termos, infelizmente a construção de atividade estatal pátria parece ter sido desenvolvida, por muito tempo, com base na ideia de que ´os fins justificam os meios´ - fato repudiado pelo Direito e pelos órgãos de controle da Administração Pública, que cada vez ganham mais espaço e meios de combate à corrupção.
A luta estatal contra a corrupção é batalha a ser travada por todos os partícipes do Estado. Trata-se de dever irrenunciável dos cidadãos e dos organismos públicos agir de forma permanente em prol da irradicação da corrupção administrativa que emperra o pleno desenvolvimento do Estado.
Logo, o estudo do aperfeiçoamento dos mecanismos públicos hábeis a investigar e punir atos de corrupção representa providência urgente de todos que demandam melhores condições de interação social no Estado em que vivem.
Para tanto, a informação ainda é uma arma importantíssima na guerra contra à corrupção.