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As Ocupações de Escolas, o ENEM e o Controle Judicial de Atos Administrativos de Repercussão Nacional

ANO 2016 NUM 293
Phillip Gil França (PR)
Pós-doutor (CAPES_PNPD), Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC/RS, com pesquisas em Doutorado Sanduíche - CAPES na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Paraná. Professor da Especialização em Direito Administrativo do IDP - Brasília.


04/11/2016 | 3440 pessoas já leram esta coluna. | 10 usuário(s) ON-line nesta página

Introdução

O Ministério Público Federal do Ceará ajuizou ação civil pública para anular a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio de 2016 (ENEM), em razão de possível quebra de isonomia na sua efetivação, uma vez que as provas serão realizadas em datas diferentes pelo INEP, por conta das ocupações de algumas escolas por estudantes onde seriam aplicadas.

O ENEM de 2016 tem 8.627.195 inscritos em todos o país. Para 97,78% desse total, o exame está agendado para os dias 5 e 6 de novembro. Para 191.494 estudantes, o exame foi remarcado para os dias 3 e 4 de dezembro, por causa das referidas ocupações. 

Sem dúvida, a citada medida proposta pelo MPF do Ceará trata-se de demanda jurisdicional de análise de legalidade de discricionariedade de ato administrativo com repercussão nacional, qual seja, ´agendamento de data para aplicação do ENEM por representante do poder público federal´. Deste modo, considerando casos como esse em destaque, é a proposta que tal juízo jurisdicional seja concentrado no STJ, em razão de sua competência constitucional de controle de legalidade da norma infraconstitucional.

Destarte, o presente texto sugere técnica de Direito, processual-judicial, apta a tratar de ameaças e agressões a direitos provenientes de atos administrativos discricionários de interesse nacional que abalam o sistema estatal legitimamente estabelecido, trazendo instabilidade sistêmica, fato gerador de consequências negativas para o desenvolvimento intersubjetivo dos partícipes do Estado.

Isso porque, a partir da análise da jurisprudência pátria, observa-se a existência de atividades administrativas estatais fora do alcance do constitucional princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, criando, assim, zonas de sombra da atividade administrativa do Estado, disforme aos valores republicanos e democráticos estampados na Constituição, quais sejam, algumas atividades administrativas ditas ´discricionárias´.

Assim, tais atividades discricionárias precisam ser reincorporadas ao constitucional tecido jurídico, em respeito à sua necessária sustentabilidade, visando a objetivação, ao máximo possível, da sindicabilidade do mérito administrativo, com destaque àquelas que tragam relevante abalo sistêmico nacional, como é o caso da análise da citada ação civil pública contra o cronograma do ENEM 2016, como demonstração de que todo e qualquer ato público precisa estar sob a égide do constitucional regime republicano de responsabilidade e de responsabilização da atividade pública.

Isso porque, analisar e controlar o que faz a Administração Pública, especialmente como o faz, é vital para a garantia dos direitos do cidadão e da boa qualidade do regime democrático atualmente vivenciado. Para tanto, é essencial que os instrumentos estatais de realização do interesse público estejam voltados à viabilização do eficiente controle do que é público.

Entretanto, ao se constatar a incapacidade dos instrumentos disponíveis de atendimento das questões perturbadoras das relações intersubjetivas no Estado, urge a necessidade de adaptação do aparelhamento estatal para conformar sua capacidade de resposta aos anseios concretos da sociedade.

Além do dever de a Administração Pública anular seus atos eivados de ilegalidade, conforme preconiza a súmula 473 do STF, subsidiariamente, tal obrigação se recai ao Estado, como compromisso de manutenção e sustentabilidade de seu sistema jurídico sob a perspectiva, principalmente, de legitimidade constitucional de determinar normas de conduta – e controlar seu fiel cumprimento – para os seus integrantes, a partir de valores racionalmente aceitos por todos e, assim, entendidos como adequados a serem seguidos como vetores de bem comum e de desenvolvimento intersubjetivo.

Nesse sentido, destaca-se o seguinte assentamento jurisdicional do STF, "cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do poder público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam" (RE 365.368-AgR, 1.a Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 29/06/2007.) No mesmo sentido: ADI 4.125, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10/06/2010, DJE 15/02/2011).

Para tanto, obrigatoriamente, o Estado precisa criar meios de instrumentalização para efetivação de suas incumbências constitucionais e, se assim não se verificar, resta ao Judiciário o dever de sindicar e impor ao Executivo o cumprimento regular de seu mister público.

Vivencia-se uma limitação do sistema jurídico estatal de conformação legal de determinados atos administrativos – via de regra, aqueles discricionários – em se submeter ao controle jurisdicional de seu conteúdo. Fato que traz, de forma geral, maior insegurança das relações jurídicas e sociais desenvolvidas pelos Estado, maior insegurança dos cidadãos diante dos seus desafios de desenvolvimento, maior insegurança daqueles que confiam e dependem de um Estado Democrático de Direito, pautado no regime republicano de responsabilidade e responsabilização das ações realizadas nos seus limites de competência normativa.

Tal situação de insegurança nas relações intersubjetivas no Estado – em suas multifacetadas dimensões – enfraquece o tecido jurídico do sistema estabelecido, trazendo uma séria ameaça de ruptura insustentável desse mesmo sistema, fato que abre espaço para o retorno de autoritarismos, já vivenciados em outrora.

Extrai-se da lições de Luiz Guilherme Marinoni, que "a segurança jurídica, vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das conseqüências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser 'Estado de Direito'". Inclusive, complementa o autor, "o Estado brasileiro, alem de ter o dever de tutelar a segurança jurídica, deve realizar as suas funções de modo a prestigiá-la, estando proibido de praticar atos que a reneguem (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, 2.ed. RT. São Paulo. 2011. p.120-122).

Destarte, faz-se necessário, urgentemente, estabelecer novos caminhos (ou adaptação daqueles já existentes) para proteção do tecido jurídico do sistema de Estado de Direito estabelecido com fito de manter a razão de existência do próprio Estado e, assim, torná-lo mais próximo possível dos seus objetivos fundamentais estabelecidos no art. 3.o da CF/88 – isto é, alcançar, pelo menos, o mínimo sustentável de sucesso estatal.

Tais caminhos, sob a perspectiva aqui defendida, além da adaptação do direito administrativo material – via nova instrumentalização de requisitos do ato administrativo e formas de interpretação do direito administrativo –, precisam de uma adaptação da técnica de tutela jurisdicional correspondente.

Isto é, a adaptação da atual máquina processual estatal de viabilização do constitucional direito de ação, para a realização do controle judicial da discricionariedade administrativa de interesse nacional, é providência pública que não mais pode ser procrastinada.

Desse modo, sugere-se a operacionalização da ação direta de ilegalidade da discricionariedade administrativa de interesse nacional, com competência originária do STJ, para atender a eventuais ameaças ou agressões a direitos decorrentes de atos administrativos dessa natureza.

Destaca-se a necessidade de criação de determinada tutela jurisdicional apta a não promover a mera substituição da atuação executiva pelo Estado-Juiz, bem como a viabilizar a resposta estatal suficiente – não em demasia, tampouco insuficiente – para provocações realizadas pelos jurisdicionados eventualmente ameaçados ou agredidos pelos efeitos da atuação discricionária administrativa, como é o caso que se apresenta, frente às repercussões decorrentes das ocupações das escolas e do anunciado adiamento das provas do ENEM pelo INEP.

1. Adequada tutela jurisdicional da discricionariedade administrativa de interesse nacional

Partindo da dogmática elaborada em torno da ponderação na planificação administrativa, Michael Gerhardt tem desenvolvido recentemente um modelo básico unitário de controle judicial concentrado, que coloca a construção do ato administrativo no centro da mira.

Conforme destaque de Assmann (Shmidt-Assmann, Eberhard. La teoría general del derecho administrativo como sistema. Madrid: Marcial Pons, 2003) Gerhardt trata, em termos gerais, do modelo ponderativo (ou de ponderação) da atuação administrativa, considerando aplicável ao controle de qualquer decisão administrativa de natureza discricionária. Este modelo de controle compreende dois níveis ou escalas: No primeiro, verifica-se a ocorrência dos pressupostos jurídicos do poder discricionário administrativo. Concorrem os elementos do suposto fato normativo que se encontra sujeito ao exercício do Poder? Fez-se uso efetivo do poder discricionário conferido? As normas de procedimento e demais elementos regulados do Poder foram observadas? Incorre-se em desvio de Poder? Todos esses aspectos devem ser fiscalizados pelo judiciário de forma plenária – em um Tribunal.

Em uma segunda escala, tem-se o controle da ponderação realizada, que, por sua vez, compreende três aspectos: o controle da observância das diretrizes que serão utilizadas como orientação da produção do ato administrativo; o controle do material (dos elementos) fático ponderado; e o controle da ponderação em si mesma.

As diretrizes da ponderação constituem indicativos de concreção que têm por finalidade guiar a Administração, direcionada ao resultado global da ponderação, na seleção do material fático a ser ponderado. Como diretrizes, a observância delas apenas é suscetível a um respectivo controle concentrado.

Os fatos que devem constituir o material fático a ser ponderado precisam ser determinados judicialmente de maneira direta, respeitando a atribuição específica da função instrutora da Administração que, no seu caso, resulta da respectiva legislação aplicável.

Assim, quando a cognição fática alcança seus limites, far-se-á necessária a determinação dos fatos da maneira mais concreta possível, por meio do diálogo entre os envolvidos. Neste caso, deverá recorrer-se ao assessoramento de peritos. Embora, também, seja possível ocorrer a determinação dos fatos pela Administração a partir de sua perícia própria. Nesta hipótese, torna-se importante o reconhecimento do valor de um ditame pericial, que, em tal caso, só poderá ser desvirtuado mediante um esforço argumentativo bastante considerável.

O controle jurisdicional da racional ponderação administrativa em si mesmo se refere, fundamentalmente, ao processo da ponderação realizado pelo gestor público na atuação administrativa e aos elementos de motivação manifestados no exercício da respectiva atividade. Como sucede também em outros ordenamentos (como em Portugal, Alemanha, Itália, Espanha) as análises detidas na motivação deveriam constituir o aspecto principal do controle da ponderação.

Não se trata, de forma alguma, de uma análise meramente formal. Pelo contrário, o controle do resultado da ponderação se limitadependendo da densidade com que são formuladas a diretrizes da ponderação – à verificação se algum interesse ou elemento da ponderação foi considerado sob uma valoração não proporcional à sua relevância objetiva.

Obviamente, com o critério de relevância objetiva dos interesses ou elementos ponderados se introduz em última escala de controle de ponderação um critério ou teste de mera evidência. Daí que se a decisão administrativa controlada pelo Judiciário for fundamenta em considerações adequadas ao seu objeto, esta deve ser declarada pelo tribunal conforme o Direito. Caso contrário, a decisão deverá ser anulada pelo Tribunal. Em nenhum caso o Tribunal poderá simplesmente substituir a vontade da Administração pela sua própria.

Não se pode esquecer que o direito de acesso à justiça é o cimento de todos os demais direitos que protegem o polifacetário direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva. E, assim, como quem nega a uma pessoa seu direito à vida, ou à liberdade, priva-lhe de todos os seus direitos constitucionais, o representante estatal que nega uma decisão sobre a materialidade de uma controversa levada à sua análise converte em inúteis as demais garantias constitucionais (vide: INIESTA, Ignácio; GIMENEZ, Ignácio; FARRERES, German. El Derecho a La Tutuela Judicial y El Recurso de Amparo. Madrid, 1995).

Os cidadãos possuem o direito subjetivo de uma efetiva e adequada tutela jurisdicional, isto é, que o poder público se organize de forma a garantir que não lhes seja afastada a justiça, mas sim efetivada da forma mais eficiente possível. Trata-se de um "instrumento de defesa que o Estado coloca nas mãos das pessoas, concedendo-lhes assim a possibilidade de efetivarem as pretensões a que têm direito através de órgãos supra partes, responsáveis e coerentes que julgam com base num sistema pré-estabelecido de normas, obstando assim à auto-tutela e consequentemente à anarquia" (TEIXEIRA, Sónia. A protecção dos direitos fundamentais na revisão do Tratado da União Europeia. Lisboa: AAFDL, 1998. p.26).

Como evidenciado, o direito a buscar o justo e recebê-lo devidamente, via um poder legitimamente constituído para tanto, é básico instrumento de convivência em sociedade e, desse modo, precisa ser ofertado da melhor forma possível pelo Estado responsável pelo desenvolvimento dos seus membros conformadores.

É cediço que o ato administrativo discricionário não tem recebido o adequado tratamento sob a perspectiva do constitucional controle jurisdicional da atividade administrativa do Estado. Fato que se pretende ser superado via, inclusive, a sugestão de mecanismos processuais específicos que tratem dessa falha do tecido jurídico que pode levá-lo aos patamares de insustentabilidade, em razão da instabilidade sistêmica que ocasiona, situação que precisa ser urgentemente enfrentada e superada.

Para tanto, sugere-se a operacionalização da técnica específica, inclusive, via indicação de ampliação da competência originária do STJ, estabelecida pelo art. 105, I da CF/88, para criação de competência incidental (decorrente) e sugestão de projeto lei definidor de demanda jurisdicional própria que atenda aos fins ora destacados de suprimir a questão acerca da instabilidade das relações sociojurídicas causadas pelo inadequado controle de atos administrativos discricionários de interesse nacional.

Controlar judicialmente a atividade administrativa discricionária de interesse nacional é tutelar a atuação administrativa que repercute não apenas de forma local, ou regional, mas sim impacta interesses e direitos espalhados em todo o território nacional.

Ora, os reflexos causados pelas ocupações da escolas em todos o país, independentemente do juízo acerca de sua legalidade ou positividade para um melhor futuro dos jovens que ocupam tais escolas, não podem ser ignorados pelo Estado. E, aqui, refere-se ao Estado como um todo, insclusive, o Poder Judiciário. Logo, analisar adequadamente casos como esse não pode ser visto como mera libereladidade do Judiciário, mas, sim, como dever constitucional de se adaptar para, constantemente, melhor prestar a esperada tutela jurisdicional conforme os valores estabelecidos pela Constituição.

É preciso lembrar que os atos administrativos de interesse nacional trazem consequências em esferas além daquelas limitadas ao espaço administrativo donde são exaradas, pois abalam – positiva ou negativamente – demais estruturas estatais e privadas nos demais âmbitos do país.

Casos, por exemplo, como o da anulação das questões da prova do ENEM de 2011, ocorrido em uma cidade do Nordeste brasileiro, gerou consequências nos demais estados do Brasil, pois, conforme pedido do Ministério Público Federal do Estado do Ceará, a justiça federal local determinou a anulação de 13 questões da respectiva prova voltada à seleção de acesso de alunos de segundo grau ao ensino superior. Assim, todos os demais alunos do país também tiveram as mesmas questões anuladas em suas provas.

Entretanto, passado algumas semanas, o Tribunal Federal da 5.a Região suspendeu tal decisão e determinou que apenas aqueles alunos da Escola que teve, em tese, a prova vazada, receberiam os efeitos de anulação das tais 13 questões em discussão no processo, inclusive, mais uma questão que não foi objeto do pedido inicial. Após a Administração Pública responsável pelo referido exame ampliou, por conta, a abrangência de alunos afetados pela respectiva anulação de questões, gerando, assim, ainda maior instabilidade do sistema.

Outro exemplo pode ser representado pelo caso de determinação judicial de realização de nova prova para alguns candidatos do V exame de ordem unificado da OAB, também em 2011, ocorrida no Estado de Tocantins, mas com repercussão de efeito no âmbito nacional. Conforme amplamente noticiado pela mídia nacional, os candidatos não aprovados na avaliação da segunda fase do respectivo exame de ordem, prova prático-profissionais em Direito Penal e Direito Constitucional, poderiam realizar novas provas nestas disciplinas sem qualquer custo adicional.

A decisão da 1.a Vara da Justiça Federal de Tocantins considerou que os erros materiais não anulavam o exame, mas a medida adotada pelos organizadores da prova, de conceder tempo adicional aos examinados, não recuperou a isonomia do certame, já que a prorrogação não ocorreu em todos os locais.

A decisão foi tomada em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal no Tocantins em face do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e da Fundação Getúlio Vargas. Entretanto, pouco tempo depois, o Tribunal Regional Federal da 1.a Região, deu provimento ao agravo de instrumento interposto pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para reformar a decisão da 1.a Vara Federal de Tocantins, que havia determinado a reaplicação das provas prático-profissionais do V Exame de Ordem para candidatos reprovados nas áreas de Direito Penal e Constitucional.

Ainda, como exemplos da instabilidade causada pelo controle judicial local de atos administrativos discricionários de interesse nacional, podem ser citados o episódio de pedido de vistas de provas (redação) do ENEM 2011, deferido pela Justiça Federal do Ceará e posteriormente reformado pelo TRF da 5.a região, bem como, o caso da exigência Conselho Nacional de Educação (CNE) de idade mínima de 6 anos para o ingresso na escola. A Justiça Federal em Pernambuco determinou, liminarmente, a suspensão de resolução CNE que impedia a matrícula de crianças menores de 6 anos no ensino fundamental.

Agora, em face das recentes ocupações de escolas públicas por estudantes, tem-se ameaçada a realização do Exame Nacional do Enino Médio, pois o Ministério Público Federal do Ceária ingressou com ação civil pública questionando a legalidade da aplicação de provas desse exama em datas diversas para os candidatos inscritos. Naturalmente, a decisão do juízo federal competente para analisar tal caso terá repercussão nacional

Evidencia-se nesses exemplos, como tantos outros, que o modelo atual de tutela jurisdicional do ato administrativo discricionário de interesse nacional não recebe o adequado atendimento estatal.

Logo, sugere-se a alteração do modelo estabelecido para o controle de legalidade da discricionariedade administrativa via demanda originária no STJ, bem como de forma incidental em demandas que tratem sobre o objeto da técnica de tutela judicial aqui sugerida.

Isto porque, cabe ao STJ a guarda do sistema legislativo federal, consubstanciada pela atividade administrativa estatal nos trilhos da legalidade. Tal técnica processual, teoricamente, fugiria da competência do STF, pois lhe compete a guarda da Constituição, inclusive por força do impedimento de nova análise de interpretação da legalidade exarada por Tribunal, em sede de recurso extraordinário, conforme expressa a súmula 636 do STF: "Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida."

Tampouco poderia atuar de forma originária quando fosse necessária nova interpretação de ato administrativo aplicado de forma disforme à legalidade, pois estaria usurpando competência do STJ como tribunal apto a verificar conformação legal da atuação administrativa estatal, como indica a leitura do art. 105, III, a, b e c.

Não se exclui, desse modo, a possibilidade de, em grau recursal, ocorrer a análise de ofensa à Constituição de forma reflexa à contrariedade da legalidade administrativa. Entretanto, tal fato não afasta a conclusão de que a proposta de técnica processual apta a controlar judicialmente a discricionariedade administrativa de interesse nacional precisa ser direcionada ao guardião do sistema legislativo originador e fundante da legalidade administrativa: o STJ.

2. Ação direta de ilegalidade da discricionariedade administrativa de interesse nacional

A partir do exposto, a ação direta de ilegalidade de discricionariedade administrativa de interesse nacional (ADIDAIN) se consubstancia em técnica processual jurisdicional de controle concentrado de legalidade apta a tutelar atos administrativos discricionários, com repercussão nacional, indicados como lesivos ou ameaçadores de direitos.

Trata-se de proposta de alteração normativa (constitucional, se necessário, e infraconstitucional) da forma como se controla a atividade administrativa do Estado, na dimensão da atividade exercitada a partir de um determinado espaço legal discricionário e que, por suas características, influem em direitos e interesses em todo o território do Brasil.

Isto é, quando ao se deparar com consequências ou reflexos de atos administrativos que ultrapassem interesses locais e regionais, por meio de alteração ou repercussão em direitos e interesses entre estados ou regiões do país, verifica-se a necessidade, em nome da segurança jurídica, estabilidade das relações sociais e, principalmente, manutenção da confiança popular no sistema jurídico estabelecido – base do Estado Democrático de Direito – da instituição do controle de legalidade de tal atuação estatal no Tribunal Superior competente pela guarda do sistema legislativo federal.

Objetiva-se, então, por intermédio da ADIDAIN, a homogeneização das decisões jurisdicionais voltadas ao controle da atuação discricionária administrativa de interesse nacional. Afastam-se, desse modo, o dispêndio de energia, tempo e dinheiro em demandas judiciais isoladas que, ao fim, precisam de uma decisão comum para alcançar seu desiderato de pacificação social e estabelecimento do Direito ao caso concreto.

Se em várias demandas, diferentes decisões judiciais tornam inseguros os caminhos a serem seguidos pela nação, mister é o estabelecimento de nova técnica processual que traga mais segurança e eficiência na atuação jurisdicional. Assim, faz-se relevante a consideração da técnica ora sugerida, de forma a viabilizar a realização de valores constitucionais que asseguram o acesso, o adequado prazo de duração do processo e a efetiva tutela jurisdicional de situações levadas à apreciação do Estado Juiz.

Conclusão

Não cabe neste espaço, pelo menos em um só texto, discorrer sobre todos os detalhes processuais e operacionais da técnica jurídica-processual ora proposta. Talvez, em um novo texto, para ampliar e manter o produtivo debate aberto, seja oportuno permenorizar a citada técnica.

Entretanto, julgamos importante destacar, ainda nesta conclusão, os possíveis reflexos e consequências da proposta em destaque:

Acerca dos reflexos da decisão judicial declaratória de ilegalidade do ato administrativo discricionário de interesse nacional, tal qual as ações constitucionais, observa-se a ocorrência de efeito vinculante em todo o território nacional em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, sem desconsiderar a eventual possibilidade de recurso extraordinário ao STF, à administração do Poder Legislativo federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal e do Distrito Federal.

Do ato administrativo ou da decisão judicial que contrariar julgado em ação direta de ilegalidade de discricionariedade administrativa aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Superior Tribunal de Justiça que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da decisão ofendida, conforme o caso.

Em nome da interpretação consequencialista, a partir dos argumentos colecionados ao longo do presente texto, como se denota nas demandas de arguição de descumprimento de preceito fundamental, tem-se como aplicável a possibilidade de se ao declarar a ilegalidade – ou a legalidade – de ato administrativo discricionário de interesse nacional em sede liminar, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o Superior Tribunal de Justiça, por maioria da turma julgadora, restringir os efeitos daquela declaração (total ou parcial) ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado – mediante pedido próprio fundamentado pela parte interessada.

Como já destacado, sugere-se a operacionalização da técnica específica, inclusive, via indicação de ampliação da competência originária do STJ, estabelecida pelo art. 105, I da CF/88, para criação de competência incidental (decorrente) e sugestão de projeto lei definidor de demanda jurisdicional própria que atenda aos fins ora destacados de suprimir a questão acerca da instabilidade das relações sociojurídicas causadas pelo inadequado controle de atos administrativos discricionários de interesse nacional.

Controlar judicialmente a atividade administrativa discricionária de interesse nacional é tutelar a atuação administrativa que repercute não apenas de forma local, ou regional, mas sim impacta interesses e direitos espalhados em todo o território nacional.

Ora, os reflexos causados pelas ocupações da escolas em todos o país, independentemente do juízo acerca de sua legalidade ou positividade para um melhor futuro dos jovens que ocupam tais escolas, não podem ser ignorados pelo Estado. E, aqui, refere-se ao Estado como um todo, insclusive, o Poder Judiciário.

Logo, analisar adequadamente casos como esse não pode ser visto como mera libereladidade do Judiciário, mas, sim, como dever constitucional de se adaptar para, constantemente, melhor prestar a esperada tutela jurisdicional conforme os valores estabelecidos pela Constituição.

Também, como já destacado, é necessário lembrar que os atos administrativos de interesse nacional trazem consequências em esferas além daquelas limitadas ao espaço administrativo donde são exaradas, pois abalam – positiva ou negativamente – demais estruturas estatais e privadas nos demais âmbitos do país.

A partir do exposto, a ação direta de ilegalidade de discricionariedade administrativa de interesse nacional (ADIDAIN) se consubstancia em sugestão de técnica processual jurisdicional de controle concentrado de legalidade apta a tutelar atos administrativos discricionários, com repercussão nacional, indicados como lesivos ou ameaçadores de direitos.

Trata-se de proposta de alteração normativa (constitucional, se necessário, e infraconstitucional) da forma como se controla a atividade administrativa do Estado, na dimensão da atividade exercitada a partir de um determinado espaço legal discricionário e que, por suas características, influem em direitos e interesses em todo o território do Brasil.

Isto é, quando ao se deparar com consequências ou reflexos de atos administrativos que ultrapassem interesses locais e regionais, por meio de alteração ou repercussão em direitos e interesses entre estados ou regiões do país, verifica-se a necessidade, em nome da segurança jurídica, estabilidade das relações sociais e, principalmente, manutenção da confiança popular no sistema jurídico estabelecido – base do Estado Democrático de Direito – da instituição do controle de legalidade de tal atuação estatal no Tribunal Superior competente pela guarda do sistema legislativo federal.



Por Phillip Gil França (PR)

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