Paulo Modesto (BA)
Todos sabem que o nosso federalismo é peculiar: o Brasil adota o federalismo multinível, pois foi concebido como unidade política indissolúvel da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. É esta a nossa arquitetura institucional e constitucional, estampada no Art. 18 da Constituição da República. Não adotamos o federalismo dual, de dois graus ou duas unidades políticas, uma vez que conferimos aos municípios e ao distrito federal a qualidade de entidades políticas federativas componentes de nosso peculiar Estado constitucional.
No Brasil, foi reconhecido aos Municípios autonomia política, administrativa e financeira. É dizer:
(a) autogoverno, capacidade de eleger o comando de seu próprio Poder Executivo e Legislativo, de aprovar as leis próprias e constituir uma ordem jurídica individualizada, dotada de competência tributária específica e
(b) autoadministração, capacidade decisória para administrar os seus próprios interesses e gerir os seus bens e serviços, independentemente de delegação ou aprovação de qualquer outro ente federativo.
Mas a nossa Constituição foi lacônica quando tratou da coordenação ou cooperação entre as unidades da Federação. Concebeu poucas normas para tratar do aspecto funcional, relativo à gestão e governança da cooperação interfederativa.
Essa insuficiência normativa é grave, pois quase todo problema municipal hoje é problema interfederativo ou intermunicipal. Nenhum município pode funcionar isolado das demais unidades federadas. Os problemas urbanos são quase sempre metropolitanos. Os problemas nacionais e regionais repercutem imediatamente no solo dos municípios.
Na Constituição Brasileira a norma central no tema da coordenação intermunicipal é o Art. 25, § 3o, da Constituição Federal, que reza, litterim:
"Art. 25. (...) § 3o. Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum." (Grifos nossos)
Essa norma instituiu modalidade de gestão associada compulsória, definida por lei complementar, independentemente da manifestação, autorização, homologação ou aprovação da adesão pelos municípios limítrofes.
Muito diferente é o modelo de gestão associada voluntária, previsto no Art. 241 da Constituição, que prescreve:
“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).”
Os consórcios públicos, disciplinados pela Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, e pelo Decreto nº 6.017, de 2007, exigem aprovação da adesão da entidade política por cada legislativo municipal e decisão integrada dos entes envolvidos. Não há neste mecanismo de composição voluntária de interesses ameaça a autonomia municipal, inclusive pela possibilidade de retirada, recesso ou afastamento voluntário da pessoa política do consórcio público formado. Exemplo disso é a ratificação por lei federal de protocolo de intenções firmado entre a União e outros entes da federação, a exemplo da criação da Autoridade Pública Olímpica – APO, pela Lei nº 12.396, de 21 de março de 2011, que ratifica o Protocolo de Intenções firmado entre a União, o Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro.
Quanto às regiões metropolitanas, porém, há muito maior incerteza e maiores riscos à preservação da autonomia dos entes políticos municipais. Um rosário de perguntas pode ser formulado, com ainda poucas respostas na doutrina. Destaco dez questões neste debate, de imediato interesse para os municípios:
1. O que são efetivamente as regiões metropolitanas? São pessoas políticas, pessoas administrativas ou simples unidades de coordenação sem personalidade jurídica?
2. Qual a liberdade dos Estados-membros para instituí-las? É preciso manifestação de interesse dos municípios componentes ou há liberdade de escolha dos Estados na composição da abrangência ou amplitude da região?
3. Quais as consequências da instituição de regiões metropolitanas para o exercício isolado da competência normativa municipal em assuntos de interesse comum?
4. Quais são as matérias de interesses comuns e quanto delas é reservado ainda a uma disciplina municipal isolada por cada entidade municipal?
5. O Estado-membro, além de exercer competência instituidora, pode integrar a região metropolitana como parte associada e participar dos processos deliberativos internos de condução dos interesses na região metropolitana?
6. Qual o papel do Estado em face de região metropolitana da qual não participe diretamente da gestão?
7. A região metropolitana pode absorver o poder concedente dos municípios participantes nos assuntos de interesse comum que caracterizem serviço público?
8. A lei complementar estadual pode outorgar a entidades estaduais, da administração indireta, os serviços públicos de alcance intermunicipal?
9. A lei complementar instituidora da região metropolitana pode transferir competência e regulação dos serviços públicos para o Estado?
10. A constituição de regiões metropolitanas impede os municípios de celebrarem consórcios públicos nas mesmas áreas?
Embora a matéria esteja relacionada à compreensão sobre o alcance do Art. 25, § 3o, da Constituição Federal, e as definições político-práticas de cada lei complementar estadual instituidora das regiões metropolitanas, não considero que a disciplina geral do instituto das regiões metropolitanas escape da lei complementar nacional prevista no Art. 23, parágrafo único, da Constituição da República. Neste âmbito o papel do Senado Federal pode ser decisivo. A lei complementar nacional prevista no Art. 23 tem abrangência para fixar normas para a cooperação voluntária ou compulsória entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar de âmbito nacional.
Um amplo debate sobre algumas das questões ventiladas foi realizado pelo Supremo Tribunal Federal quando da decisão da ADIN 1842/RJ, relativa à instituição pelo Estado do Rio de Janeiro da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (art. 1º da LC 87/1997/RJ) e da Microrregião dos Lagos (art. 2º da LC 87/1997/RJ), sobretudo porque a referida lei complementar transferira ao Estado do Rio de Janeiro funções e serviços de competência municipal, especialmente quanto ao serviço público de saneamento básico.
Nesta ação, cujo acórdão ocupa mais de trezentas páginas, algumas conclusões obtiveram adesão praticamente unânime dos ministros do Tribunal e outras foram objeto de acesa controvérsia.
São também dez as definições unânimes:
(a) cabe apenas perante municípios limítrofes;
(b) cabe apenas para a coordenação de interesses comuns, entendido como tais aqueles que atendem a mais de um município ou que, realizados em um único município, sejam confluentes, dependentes, concorrentes de serviços supramunicipais;
(c) cabe apenas quando há necessidade e viabilidade de integração intermunicipal.
Não houve consenso, porém, quanto à composição do conselho diretor da Região Metropolitana e sua governança.
Para o Ministro Nelson Jobim, o colegiado metropolitano corporifica o "somatório integrado das competências e atribuições dos municípios formadores". (grifo nosso). O interesse metropolitano é o "conjunto de interesses dos Municípios, sob uma perspectiva intermunicipal". Somente os Municípios podem autorizar ou conceder o exercício por órgão próprio ou por outro órgão (público ou privado) das funções administrativas e executivas da região metropolitana, através de decisão do conselho deliberativo, especialmente aqueles referentes ao saneamento básico. O Estado não participa do colegiado. O Estado tem apenas papel de instituir a região metropolitana, exerce competência procedimental. É um poder-dever, mas não é um cheque em branco para o legislador estadual.
Para o Ministro Gilmar Mendes, o interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. Por isso, deve ser reconhecido a condição de poder concedente e da titularidade do serviço ao colegiado formado pelos municípios e pelo estado federado, não sendo necessário participação paritária, desde que não haja predomínio absoluto. Todos os municípios integrantes devem ser representados. Os que não compõem a região, mas podem ser afetados, são representados pelo Estado. A participação do Estado federado nesta organização é imprescindível.
Para o Ministro Maurício Correia seria viável a avocação estadual da matéria municipal com alcance intermunicipal e, por isso, regional. A constituição, pelo art. 25, § 3º, autorizaria isso. Os municípios com isso teriam autonomia condicionada desde a origem e não autonomia incondicionada eventualmente restringida. Ademais, em matéria de saneamento, as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, nos limites do território do Estado-membro, são bens deste (CF, art. 26, I).
Para o Ministro Joaquim Barbosa, instituída a região, a titularidade do exercício das funções públicas comuns passa para a entidade público-territorial administrativa, de caráter intergovernamental. Estado e Municípios, em conjunto, devem dispor sobre a exploração de serviços públicos (ADIN 1842/RJ, p. 48).
Para o Ministro Ricardo Lewandowski, instituída a região, a titularidade dos serviços não mais pode ser imputada ao Estado ou aos Municípios, mas apenas ao conjunto, conformado em autarquia territorial intergovernamental e plurifuncional, sem personalidade política (p. 243), isto é, dotado obrigatoriamente de personalidade jurídica (p. 266). Nos colegiados também deve ser assegurada a participação ou representação popular, pois esta deve ser assegurada nas questões de decisão urbana.
Para o Ministro Teori Zavaski os votos divergentes do voto do Ministro Maurício Correa são claros em inadmitir a transferência automática de atribuições municipais para o Estado pela instituição da região metropolitana, mas não há sobre o tópico de como deve ser formatada juridicamente uma região metropolitana voto algum semelhante, que assegure uma solução uniforme.
No entanto, o redator para o acórdão, o eminente Min. Gilmar Mendes, fez constar da ementa a sua concepção sobre a necessária participação do Estado no colegiado dirigente da região metropolitana.
Divirjo respeitosamente dessa solução quanto à necessária participação do Estado-membro no colegiado dirigente da região metropolitana.
Concordo com o STF quanto à questão principal: a instituição das regiões metropolitanas se justifica, pois em questões urbanas e de interesse comum ocorre (i) a inviabilidade econômica e técnica de os municípios implementarem isoladamente determinadas funções públicas e (ii) a possibilidade de um único município obstar o adequado atendimento dos interesses de várias comunidades. A integração deve ser compulsória e não voluntária, nestes casos.
Os Estados devem legislar sobre a matéria das regiões metropolitanas, por lei complementar. São detentores de competência normativa exclusiva para a instituição de regiões metropolitanas, mas, segundo penso, ao menos segundo a lei fundamental, não integram as regiões metropolitanas. Estas são "constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes" (Art. 25, § 3º., da Constituição da República).
A União e o Distrito Federal também não integram a região metropolitana. Em relação ao Distrito Federal, o instrumento de cooperação federativa adequado é a Região Integrada de Desenvolvimento Econômico - RIDE, prevista no art. 43 da Constituição. Esta foi criada pelo Decreto no 2.710, de 4 de agosto de 1998 – substituído pelo Decreto no 7.469, de 4 de maio de 2011 – que regulamenta a Lei Complementar no 94, de 19 de fevereiro de 1998. Esse fato não é grave: o próprio Estatuto da Metrópole estabelece que as suas disposições são aplicáveis, no que couber, às regiões integradas de desenvolvimento que tenham características de região metropolitana ou de aglomeração urbana, criadas mediante lei complementar federal com fundamento no art. 43 da Constituição Federal (Art. 22 da Lei 13.089/2015).
A legislação infraconstitucional tenta preencher esta lacuna constitucional.
Recentemente, foi publicada a Lei n. 13.089, de 12 de janeiro de 2015, denominada "Estatuto da Metrópole", que busca disciplinar aspectos da coordenação interfederativa.
A nova lei é mais restritiva do que o Art. 25 da Constituição. Segundo a Lei 13.089/2015, somente deve ser considerada "região metropolitana" a "aglomeração urbana que configure uma metrópole". (Art. 2, VII).
A aglomeração urbana, por seu turno, é definida como a "unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 (dois) ou mais Municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas" (Art. 2, I). Para a aglomeração urbana configurar uma metrópole é necessário que tenha influência nacional ou sobre uma região que abranja uma capital regional, conforme critérios do IBGE divulgados na internet. (Art. 2, V).
É possível a instituição de região metropolitana ou de aglomeração urbana que envolva Municípios pertencentes a mais de um Estado. Neste caso será necessário que a os Estados envolvidos aprovem as respectivas leis complementares (Art. 4).
A Lei define "governança interfederativa" como o "compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum" (Art. 2, IV).
A aprovação do Estatuto da Metrópole, porém, não impede que os Municípios formalizem convênios de cooperação e constituam consórcios públicos para atuação em funções públicas de interesse comum no campo do desenvolvimento urbano, observada a Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005. É o que reza o art. 23 da Lei 13.089/2015.
As regiões metropolitanas são organismos administrativos intergovernamentais, sem autonomia política, compostos por municípios limítrofes ou interdependentes integrados compulsoriamente, instituídos por lei complementar estadual.
Admitir ou mesmo exigir a participação necessária do Estado, ou dos Estados envolvidos, no Conselho Dirigente do organismo administrativo metropolitano, é proposta tendente a abolir, em concreto, a autonomia municipal. Afinal, o veículo que formata o processo decisório e o peso relativo das entidades integrantes da região metropolitana é a lei complementar estadual, o que pode permitir alquimia política suficiente para o Estado controlar - com a adesão de poucos municípios - um conjunto amplo de unidades políticas municipais ou, mais precisamente, os seus serviços fundamentais.
Não se trata de um problema ou ameaça teórica. Em 2014, o Estado da Bahia instituiu pela lei complementar n. 41/2014, a entidade metropolitana da região metropolitana de Salvador, sem transferir atribuições para si, mas desde logo inserindo-se no colegiado da entidade com peso deliberativo relevante. De imediato, o Governador do Estado enviou ofício ao Prefeito da Capital solicitando que este paralisasse o processo licitatório dos transportes urbanos municipais, com vistas a que o edital fosse submetido à entidade metropolitana para análise da repercussão do nos serviços de transporte intermunicipais.
O Partido Democratas - DEM, a pedido do Município de Salvador, ingressou com a Adin 5155, da relatoria do Ministro Celso de Mello, ainda não apreciada. Invocava a perda de autonomia federativa e a invasão do seu campo decisório próprio. A Região metropolitana de Salvador existe desde 1973, porém composta pelos Municípios de Salvador, Camaçari, Candeias, Itaparica, Lauro de Freitas, São Francisco do Conde, Simões Filho e Vera Cruz (Lei Complementar 14/1973, Art.1º, § 5º).
Em 1973, em pleno período da ditadura militar, era previsto que em cada Região Metropolitana existiria um Conselho Deliberativo, presidido pelo Governador do Estado, e um Conselho Consultivo, criados por lei estadual (Art. 2º), composto por um representante de cada Município integrante da região metropolitana sob a direção do Presidente do Conselho Deliberativo. O conselho deliberativo, além do Presidente, era composto por 5 (cinco) membros, todos nomeados pelo Governador do Estado, sendo um deles dentre os nomes que figurem em lista tríplice organizada pelo Prefeito da Capital e outro mediante indicação dos Municípios integrante da Região Metropolitana (Art. 2º, §1º, da Lei Complementar 14/1973). É certo que cabia ao Estado prover, a expensas próprias, as despesas de manutenção do Conselho Deliberativo e do Conselho Consultivo. (Art. 2º, §3º, da Lei Complementar 14/1973). Mas essa governança fazia sentido no regime constitucional passado, centralista e autoritário, que menosprezava a autonomia municipal. Não pode ser reproduzida no regime da Constituição de 1988, de forma direta ou velada.
É importante não confundir a governança da entidade metropolitana, ou da própria região metropolitana, com o tema do alcance do interesse comum. É manifesto que o interesse comum é interseção do interesse intermunicipal e do interesse estadual ou regional. O interesse comum opõe-se ao interesse local ou paroquial, não ao interesse regional ou estadual. Há interesse do Estado-membro em instituir a região metropolitana e interagir com seu corpo dirigente e com os municípios coordenados. Mas essa convivência, diálogo ou parceria deve ser estabelecida através de convênios de cooperação, consórcios ou estruturação de entidades públicas interfederativas.
Por outro lado, segundo o STF, na ADIN 1842/RJ:
“O estabelecimento de região metropolitana não significa simples transferência de competências para o estado.
“O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para a saúde pública de toda a região.
“O parâmetro para aferição da constitucionalidade reside no respeito à divisão de responsabilidades entre municípios e estado. É necessário evitar que o poder decisório e o poder concedente se concentrem nas mãos de um único ente para preservação do autogoverno e da autoadministração dos municípios.”
Por isso, o STF , na Adin 1849/RJ, fugiu ao dualismo que apaixonou a doutrina. Não reconheceu a titularidade do serviço de saneamento básico, quando instituída região metropolitana, nem a cada município integrado nem ao Estado-membro. Atribuiu o poder concedente e a titularidade do serviço ao condomínio intermunicipal. Afirmou ainda que a participação dos entes nesse condomínio não necessita de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente.
A competência do Estado para instituição da região metropolitana não autoriza que o Estado assuma para si a execução dos serviços de saneamento nem a titularidade do serviço (Art. 25, §3º, da CF). Essa decisão deve ser entregue à deliberação dos municípios integrados, preservando a autonomia de cada qual, ainda que exercida no âmbito do colegiado da região.
Não é correto dizer-se que, instituída a região metropolitana, o serviço de saneamento adquire a condição de serviço de interesse predominantemente regional e a titularidade é transferida para o Estado-membro. Foi o equívoco em que incorreu o saudoso e querido amigo Caio Tácito, acompanhado por uma legião de seguidores, inclusive pelo notável ministro (à época advogado) Luis Roberto Barroso. Os serviços continuam a ser prestados no município, ainda que a outorga e a disciplina normativa seja entregue ao condomínio de municípios que dirige a região metropolitana. É o único modo de assegurar a disciplina coerente do serviço sem esvaziar completamente a autonomia decisória dos municípios afetados pelo serviço.
Em matéria de saneamento, tudo o que vem de ser dito é compatível com a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (LSB), que prescreve sobre o regulador em regiões metropolitanas:
Art. 14. A prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico é caracterizada por:
I - um único prestador do serviço para vários Municípios, contíguos ou não;
II - uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços, inclusive de sua remuneração;
III - compatibilidade de planejamento.
Art. 15. Na prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico, as atividades de regulação e fiscalização poderão ser exercidas:
I - por órgão ou entidade de ente da Federação a que o titular tenha delegado o exercício dessas competências por meio de convênio de cooperação entre entes da Federação, obedecido o disposto no art. 241 da Constituição Federal;
II - por consórcio público de direito público integrado pelos titulares dos serviços.
Parágrafo único. No exercício das atividades de planejamento dos serviços a que se refere o caput deste artigo, o titular poderá receber cooperação técnica do respectivo Estado e basear-se em estudos fornecidos pelos prestadores.
Art. 16. A prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico poderá ser realizada por:
I - órgão, autarquia, fundação de direito público, consórcio público, empresa pública ou sociedade de economia mista estadual, do Distrito Federal, ou municipal, na forma da legislação;
II - empresa a que se tenham concedido os serviços.
Art. 17. O serviço regionalizado de saneamento básico poderá obedecer a plano de saneamento básico elaborado para o conjunto de Municípios atendidos.
As competências comuns estimulam e prestigiam o federalismo cooperativo, de mútua solidariedade e complementariedade entre os entes federativos. Não podem servir para esvaziar a autonomia política da unidade municipal. Porém, com a participação do Estado-membro no colegiado diretivo das regiões metropolitanas é inevitável o esvaziamento, inclusive pela dificuldade de muitos municípios em resistir a votar conjuntamente com o Estado no colegiado, por vínculos de dependência estreita, entregando àquele a direção de fato do colegiado intermunicipal.
A decisão do STF na ADIN 1842/RJ foi um marco do federalismo cooperativo no Brasil. Neste acórdão, no entanto, o Supremo Tribunal não determinou o modelo de governança das regiões metropolitanas, delegando ao legislador complementar estadual a liberdade para considerar as realidades locais. Mas na ementa foi-se além, incluindo-se a necessária participação do Estado no colegiado dirigente. Essa inclusão é, com todas as vênias, jurídica e politicamente problemática.
Por isso, é urgente o maior envolvimento do Senado Federal, como Casa da Federação, no debate sobre a disciplina básica das regiões metropolitanas no Brasil, com fundamento no Art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal. Para preservar o que resta da autonomia municipal, é imprescindível afastar expressamente a participação dos Estados-membros nos colegiados diretivos intermunicipais, de forma a preservar o caráter aglutinador da região metropolitana, que pode ser união compulsória apenas se for modalidade de autogoverno dos municípios integrados. O relacionamento do Estado-membro com a entidade metropolitana deve realizar-se mediante convênios de cooperação ou consórcios, que são livremente pactuados, com o que se valoriza – a um só tempo - a expressão política das unidades municipais integradas na região e o equilíbrio do processo de governança interfederativa.
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