Paulo Modesto (BA)
1. Um debate antigo, com duas fases
É antigo o debate sobre a admissibilidade constitucional do afastamento de membro do Ministério Público para exercício de função pública externa ou cargo público não residente na intimidade da Instituição. Esse debate está relacionado à autonomia funcional e administrativa deste órgão de extração constitucional (Art. 127, § 1º e § 2º, da CF/88), a autonomia funcional de seus membros (Art. 128, § 5º, da CF/88) e duas normas distintas, de dois domínios inconfundíveis, conquanto relacionados: a) o domínio da acumulação constitucional de funções por membros do Ministério Público (Art. 128, II, d, da CF/88); b) o domínio do exercício de outras funções por membros do Ministério Público (Art. 129, IX, da CF/88).
Nos primeiros anos de vigência da Constituição de 1988, nomeadamente antes de 2011, foi vigorosa a defesa pelo próprio Ministério Público e suas associações representativas da exclusividade absoluta do exercício por membro do Ministério Público de funções ministeriais. Entendia-se que a autonomia administrativa do Ministério Público e a autonomia funcional dos seus membros seria comprometida com o exercício, por membro do Ministério Público, de funções não inerentes à sua carreira, sobretudo no âmbito do Poder Executivo. Eram afirmações genéricas, fundadas na singela constatação da existência de hierarquia administrativa no âmbito do Poder Executivo, relação jurídica-organizativa com natural reflexo no modo de atuação do agente afastado de suas funções. Os afastamentos eram raros ou eventuais.
Posteriormente, as entidades de classe evoluíram para compreensão diametralmente oposta. Constataram que o isolamento institucional, o insulamento dos membros apenas no exercício de funções ministeriais, comprometia a autonomia funcional do Ministério Público, alvo constante de propostas de redução de competências e prerrogativas em curso no Poder Legislativo, com usual apoio ou incentivo do Poder Executivo. As entidades descobriram assim o papel renovador e politicamente relevante da abertura de canais de comunicação com o entorno político à Instituição, que não pode nem deve ser isolada em escritórios auto referidos, indiferentes a decisões das políticas públicas, e ao avanço político de outras carreiras públicas. Passaram a sustentar que o exercício de outras funções por membros do Ministério Público não comprometia a autonomia do exercício das funções ministeriais nem a própria autonomia administrativa da Instituição, mas exatamente o contrário. O número de afastamentos funcionais foi ampliado fortemente, em todos os Estados, em Municípios e na União, existindo hoje um grande número de secretários de Estado e secretários municipais egressos do Ministério Público, afastados da carreira, bem como integrantes de conselhos da União e secretarias contando com a colaboração de membros ativos do Ministério Público. Esses estados e municípios são conduzidos por partidos do mais variado espectro político (v.g., AL-PMDB, 2014 e 2016; AM-PROS, 2014; BA-PT, 2012; AP-PDT, 2015; ES-PSB, 2013; MG-PSDB, 2016; MG-PP, 2014; MT-PSDB, 2015 e 2016; RS-PMDB, 2015; SC-PSD, 2015; SP-PSDB, 2012; TO-PMDB, 2015). Hoje existem aproximadamente trinta membros afastados do Ministério Público com exercício em funções administrativas relevantes.
Essa mudança de compreensão foi acompanhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Na Resolução n. 5, de 20 de março de 2006, embora resultante de acalorados debates e divergências, a compreensão restritiva era dominante, pois fundamentada apenas no disposto no Art. 128, II, d, da CF/88. No entanto, logo adiante, através da Resolução n. 72/2011, foram revogados os artigos 2º e 4º da Resolução n. 5/2006, com giro completo da orientação jurisprudencial antecedente. A partir da Resolução n. 72/2011, o CNMP passa a invocar interpretação sistemática da Constituição, para conjugar o art. 128, § 5°, II, "d" com o disposto no art. 129, IX, da Lei Maior, a proclamar que “não há vedação para que membro do Ministério Público exerça outra função pública, desde que afastado de suas atribuições na instituição de origem”, bem como que “a Constituição Federal proíbe apenas o exercício concomitante do cargo de Promotor de Justiça com outro cargo público” (voto da Conselheira CLÁUDIA CHAGAS, Proc. CNMP n° 0.00.000.000116/2011-18, p. 01).
A Conselheira CLÁUDIA CHAGAS não fez tábula rasa da orientação então predominante em 2011 no Supremo Tribunal Federal, invocando, por exemplo, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3298/ES e 3574/SE, julgadas procedentes em 10/05/07 e 16/05/2007; Mandado de Segurança 26.595/ DF, denegado em 07/04/2010; a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2084/SP, julgada parcialmente procedente. Mas sugere que a interpretação sistemática dos artigos 128, § 5°, II, "d" e 129, IX, todos da Constituição Federal, autoriza a abertura para outra inteligência, pois o disposto no art. 129, IX, da Lei Maior, não encontra paralelo no capítulo do Poder Judiciário, sendo peculiaridade do regime constitucional do Ministério Público.
A relatora também refuta a invocação, usual nos julgados, da cláusula de autonomia institucional do Ministério Público, averbando, litterim:
“Convites a Promotores e Procuradores para assumir altas funções públicas no Poder Executivo federal ou estadual são corriqueiros. Há muito tempo Presidentes da República, Governadores e Ministros de Estado demonstram confiança nos membros do Ministério Público e solicitam sua colaboração no planejamento e na execução de políticas públicas de grande importância para a sociedade brasileira. Buscam nos integrantes da carreira não só a capacidade técnica, o conhecimento profundo de temas relevantes, mas também a conduta ética que os caracteriza.
Ao autorizar o afastamento de um membro para exercer cargo elevado no Governo Federal ou Estadual, o Ministério Público não está se colocando em uma situação de submissão, de subordinação. De forma contrária, está contribuindo para o aprimoramento das políticas públicas. O membro se afasta e a instituição permanece íntegra e autônoma para o cumprimento de suas funções institucionais” (Voto da relatora Conselheira CLÁUDIA CHAGAS, PROC. CNMP N° 0.00.000.000116/2011-18, p. 09).
Porém, decisivo para a mudança da orientação do Conselho Nacional do Ministério Público foi a invocação pela Relatora da doutrina do ilustre Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, que propôs inteligência harmonizadora entre o Art. 128, II, d, e o art. 129, IX, todos da Constituição Federal (Parecer exarado no Mandado de Segurança 29.144/01, onde se discutia a possibilidade de afastamento do Promotor de Justiça Ronaldo Porto Macedo Junior, integrante do Ministério Público de São Paulo, para exercer o cargo de Conselheiro do CADE). Essa nova compreensão foi acatada integralmente pela Relatora CLÁUDIA CHAGAS e conduziu o CNMP à revogação dos dispositivos limitativos da Resolução n. 5/2006, a promover completa alteração da orientação jurisprudencial anterior do CNMP a partir de 2011.
2. A interpretação sistemática dos arts. 128, § 5°, II, "d" e 129, IX, da Constituição Federal: as lições de José Afonso da Silva
JOSÉ AFONSO DA SILVA, no Parecer referido, argumenta por duas vias:
a) Primeiro, demonstra que o art. 128, § 5°, II, "d" (onde se proíbe ao membro do Ministério Público exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério), não caracteriza proibição absoluta, pois, “além da exceção aí estabelecida – que possibilita o exercício de uma função de magistério – há ainda a situação jurídica subjetiva criada no art. 29, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que permitiu ao membro do Ministério Público optar, no que respeita às garantias e vantagens, pelo regime jurídico anterior à promulgação da Constituição, o que, em princípio, o põe a salvo de algumas restrições supervenientes.”(p.1-2);
b) Segundo, demonstra que outras normas da Constituição Federal interferem no campo de aplicação do Art. 128, § 5°, II, "d", da Lei Maior, a afastar a inteligência restritiva que uma interpretação exclusivamente literal do dispositivo oferece.
A interpretação que nesta segunda trilha formulou convenceu a Relatora CLÁUDIA CHAGAS do CNMP, bem como a ampla maioria do Colegiado, tendo recebido transcrição abrangente no voto condutor da Resolução n. 72/2011.
O núcleo de sua argumentação merece transcrição literal:
“Vale dizer, devemos perquirir no texto constitucional se não há alguma norma que interfira com o sentido daquela cláusula vedatória. E, então, sem necessidade de irmos muito longe, depara-se-nos o texto do inc. IX do art. 129 da Constituição, segundo o qual se inclui entre as funções institucionais do Ministério Público:
"exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas".
Que funções são essas? Conferidas como?
Com certeza, as funções que aqui se autoriza conferir ao membro do Ministério Público não são as que lhe sejam inerentes, não são as essenciais ao seu mister, não são tipicamente da Instituição. Por que não? Porque a cláusula "desde que compatíveis com sua finalidade" demonstra que não se trata de funções próprias dele nem da Instituição. Se o fossem não teria sentido declarar que elas precisam ser compatíveis com sua finalidade, simplesmente, porque, como é curial, não pode haver funções inerentes, essenciais, típicas do Ministério Público que não sejam compatíveis com sua finalidade. Todas o são, sem necessidade de cláusula que o exprima especialmente. Logo, as funções de que se trata são funções de outra natureza, de outros órgãos, que a Constituição admite que lhe sejam conferidas, com a observância de que sejam compatíveis com as suas finalidades. O modo de conferir essas atribuições será um ato do Procurador Geral da Justiça, segundo definição legal de suas atribuições, geralmente precedido de alguma manifestação do Conselho Superior do Ministério Público.
Pode-se até questionar se essa disposição constitucional está devidamente localizada. Veja-se, ela autoriza o exercício de funções que forem conferidas a membros do Ministério Público, mas, no mesmo passo, estabelece vedações, quer dizer, entre as funções que se podem conferir, não poderão estar as de "representação judicial" e de "consultoria jurídica de entidades públicas", proibições que ou estão já consignadas no inc. II do § 5º do art. 128 ou, se não estão, deveriam estar. Certamente que a vedação de exercer a consultoria jurídica de entidades públicas já se acha configurada na proibição da letra "d" daquele inciso. A vedação de representação judicial não se encontra rigorosamente entre as vedações do citado inc. II, porque não é a mesma coisa que vedação do exercício da advocacia.
4. A partir dessas considerações, pode-se indagar qual a natureza da norma constante do inc. IX do art. 129? É uma norma definidora de funções institucionais do Ministério Público? Essencialmente, já vimos que não, porque se o fosse não haveria por que exigir compatibilidade com suas finalidades. E se ela tem cláusulas vedatórias de funções, elas deveriam estar consignadas no inc. II do art. 128, se já não o estão. Vale dizer, os textos dos incs. II do art. 128 e IX do art. 129 disciplinam uma mesma realidade jurídica, qual seja o campo das vedações aos membros do Ministério Público e suas exceções. Juntando ambas as disposições no texto do art. 128, II, é lícito ter dele a seguinte compreensão:
"Art. 128.................................
§ 5º ........................................
II – as seguintes vedações:
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;
b) exercer advocacia e a representação judicial;
c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;
e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas em lei.
§ 6º A vedação da alínea "d" do inciso II do parágrafo anterior não impede que sejam conferidas aos membros do Ministério Público outras funções, desde que sejam compatíveis com as finalidades da Instituição.
5. A forma de dizer pode ser diferente, mas o sentido dos dois textos é rigorosamente esse que se deu acima. Essencialmente foi exatamente o que fez a Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo, no art. 170, in verbis:
"Art. 170 – Aos membros do Ministério Público é vedado:
I – receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;
II – exercer a advocacia;
III – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como quotista ou acionista;
IV – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de Magistério;
V – exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e as exceções previstas em lei.
Parágrafo único – Não constituem acumulação, para os efeitos do inciso IV deste artigo, as atividades exercidas em organismos estatais afetos à área de atuação do Ministério Público, em Centro de Estudos e Aperfeiçoamento do Ministério Público, em entidades de representação de classe e o exercício de cargo ou função de confiança na Administração Superior e junto aos Órgãos de Administração ou Auxiliares do Ministério Público.
Aí está um parágrafo que precisamente dá conseqüência prática ao disposto no inc. IX do art. 129 da Constituição, com a observação de que a enumeração de situações é meramente exemplificativa. Se esse inciso constitucional autoriza que se confira ao Ministério Público, logo a seus membros, funções outras, desde que compatíveis com suas finalidades, então o texto legal encontra seu arrimo de legitimidade exatamente ali. Há vários exemplos da aplicação da regra do parágrafo citado”. (Parecer, pp. 2-5).
Em resumo: o preceito constante do art. 128, § 5°, II, "d", da Lei Maior, não pode ser compreendido sem a harmonização com o preceito do artigo 129, IX, da Constituição Federal, norma que não teria qualquer sentido útil na Lei Maior se restrita a funções exercidas na intimidade do próprio Ministério Público, pois no âmbito interno todas as funções previstas para exercício por seus agentes são intrinsecamente compatíveis com a Instituição.
Não teria sentido o artigo 129, IX, da Constituição, exigir a análise da “compatibilidade das outras funções” a serem exercidas pelos órgãos e, consequentemente, pelos agentes da Instituição, e vedar a “consultoria jurídica de entidades públicas”, se não estivesse a referir exercício de atribuição para além dos muros do Ministério Público.
Além disso, pode-se a partir dessa compreensão reconhecer que a situação jurídica a que alude o art. 129, IX, da Constituição Federal é completamente distinta da situação jurídica de acumulação remunerada de cargos ou funções. É outra via interpretativa que vale à pena explorar, com vistas ao reconhecimento da adequada compreensão do texto constitucional, para a qual pode contribuir o direito administrativo da função pública. É percurso discursivo não explorado no Parecer e que merece consideração específica.
3. Distinção entre afastamento e acumulação
No regime dos agentes públicos não se deve confundir situações de afastamento e situações de acumulação de cargos, empregos ou funções.
Na acumulação há exercício simultâneo de dois cargos, empregos ou funções públicas, com o consequente gozo das respectivas remunerações, em hipóteses imediatamente especificadas na legislação regente (hipóteses de número fechado ou numerus clausus), observada a compatibilidade de horários e eventuais limites de carga horária total previamente estabelecidos.
Na acumulação legal não há necessidade de ato formal de aprovação prévia por parte da Administração Pública. O agente insere-se voluntariamente nas hipóteses previamente estabelecidas de acumulação admitidas na legislação. Por isso, por ser ato voluntário do próprio agente, o incumprimento dos limites ao exercício regular da acumulação é falta funcional grave e sujeita o agente a sanções disciplinares.
No afastamento o agente é retirado ou requer o desligamento do exercício de sua função original para exercício em outra, em caráter eventual ou temporário, sem gozo concomitante das duas remunerações (ao menos em sua integralidade), ou simplesmente é desligado temporariamente de suas funções por razões de interesse público (estudo, licença sindical, entre outras hipóteses), sempre por ato fundamentado previamente expedido, em regra sem prévia e detalhada descrição pelo legislador das hipóteses de cabimento. .
Situação especial de acumulação é a acumulação em disponibilidade. O agente exerce um cargo, emprego e função e ao mesmo tempo permanece em disponibilidade quanto ao exercício de outro cargo acumulável. Mesmo aqui não se pode confundir as situações. .
A disponibilidade não é afastamento para exercício de outras funções ou para missão de interesse público. A disponibilidade resulta de hipóteses típicas, a extinção do cargo ocupado por agente estável ou a declaração de sua desnecessidade (art.41, §3º, da CF/88), ou decorre, em situação especial, da reintegração de agente afastado ilegalmente (art.41, §2º, da CF/88). Na disponibilidade há redução da remuneração do agente afetado, proporcional ao tempo de serviço (art.41, §3º, da CF/88), e permanece o servidor em situação de inatividade remunerada do cargo extinto ou declarado desnecessário até o seu adequando aproveitamento em outro cargo. Não há disponibilidade requerida, disponibilidade solicitada, disponibilidade concedida a partir de pleito do agente. Trata-se de situação resultante de decisões de organização administrativa ou hipóteses especiais previstas em lei sem qualquer interferência do agente afetado.
Por conseguinte, embora seja adequada a compreensão conjunta e harmonizada dos dois dispositivos constitucionais multicitados (arts. 128, § 5°, II, "d" e 129, IX, da Constituição Federal), deve-se reconhecer que tratam de situações jurídicas distintas, sendo a primeira disposição relativa a situações de acúmulo de funções (exercício simultâneo) e a segunda dedicada a autorizar o afastamento funcional (exercício exclusivo de outra função).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no entanto, trata do afastamento funcional exclusivamente à luz do art. 128, § 5°, II, "d", norma imprópria para disciplinar a hipótese, pois no afastamento não se cuida de exercício simultâneo de funções, decidido pelo próprio agente interessado, sujeito a controle posterior ou concomitante da Administração Pública.
No afastamento funcional de membro de Ministério Público para exercer função compatível com as finalidades da Instituição, excluída a consultoria jurídica de entidades públicas, exige-se suspensão completa do exercício funcional primário, autorização prévia dos órgãos superiores do Parquet, opção remuneratória e exclusividade de atuação funcional. A norma adequada para compreensão desta situação jurídica é o art. 129, IX, da Constituição Federal.
Essa inteligência dos dois dispositivos constitucionais não compromete a autonomia administrativa ou institucional do Ministério Público. É decisão do próprio órgão afastar ou não os seus membros, a partir de análise sobre o interesse público incidente no caso concreto e a compatibilidade das funções a serem exercidas pelo membro afastado com as finalidades institucionais do Ministério Público. É estratégico para o Ministério Público que não se isole na esplanada dos órgãos constitucionais do Estado, nem insule os seus membros, tornando letra morta a norma constitucional do artigo 129, IX, da Constituição Federal, que autoriza a contribuição técnica e qualificada dos seus membros para o exercício de atribuições de relevo público em matérias diretamente relacionadas com a sua missão institucional.
A cessão de membros do Ministério Público para atividades externas compatíveis, a juízo da própria Instituição, oferece-lhe canais para ampliar horizontes e interferir no desenvolvimento de políticas públicas de direto interesse institucional, sem comprometimento algum das funções ministeriais próprias e da autonomia com que são exercidas. O membro do Ministério Público afastado não representa a Instituição - não há representação da Instituição fora do âmbito das funções ministeriais. A previsão legal e constitucional de "afastamento do cargo" para exercício de função diversa, compatível com a finalidade do Ministério Público, vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (art. 129, IX, da CF), existe exatamente para preservar a autonomia e independência da Instituição e de seus membros frente a qualquer entidade pública ou privada. Constitui inegável espaço para o diálogo entre os Poderes do Estado. Sem membros nos mais relevantes cargos do Estado, ou no Parlamento, teria o Ministério Público de buscar interlocutores de outras carreiras jurídicas, ou do setor empresarial ou político, para fazer conhecer interesses e a sua própria valoração sobre as políticas públicas. Essa última via parece comprometer muito mais a própria autonomia política da Instituição.
Essa evolução interpretativa, realizada de forma plena no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público, pode alcançar o Supremo Tribunal Federal, que tem se mostrado à altura de superar antigos mantras, pois, como bem expressou o Ministro EROS ROBERTO GRAU, “(...) a interpretação do direito e da Constituição não se reduz a singelo exercício de leitura dos seus textos, compreendendo processo de contínua adaptação à realidade e a seus conflitos (...)" (RE 597.994, Rel. p/o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 4-6-2009, Plenário, DJE de 28-8-2009, com repercussão geral). É o que se espera para os próximos dias.
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