Maurício Portugal Ribeiro (SP)
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É um consenso entre os teóricos do direito administrativo que os contratos de concessão dão origem a uma relação tripartite, que envolve o concessionário, o poder concedente e os usuários.[1]
E isso, de fato, se baseia na forma que a Lei 8.987/97, a Lei Gral de Concessões, e a Lei 13.460/17 (Lei sobre os Direitos dos Usuários de Serviços Públicos) atribuem direitos e deveres aos concessionários, aos poderes concedentes e aos usuários dos serviços, que decorrem da celebração do contrato de concessão.[2]
Apesar de isso não ter sido ainda notado pela nossa teoria jurídica, é em face dos usuários que se exerce o direito de reequilíbrio do contrato de concessão, quando a pretensão é de que isso se efetive por meio da variação da tarifa e, apesar de ser menos óbvio, também no caso de aumento de prazo do contrato.
Como o usuário é o principal pagador por essas formas de reequilíbrio, seria razoável supor que ele é o sujeito passivo dessa relação jurídica e, portanto, o devedor que arcará com as consequências do cumprimento da obrigação de reequilibrar o contrato.
É verdade que, em vista de dificuldades práticas, os usuários, individualmente ou em conjunto, não participam nem formalização do contrato (usuários não assinam o contrato de concessão), nem dos processos administrativos de reequilíbrio, mas isso não significa que eles não sejam o sujeito passivo da relação jurídica subjacente ao pedido de reequilíbrio do contrato.
O tema tem relevância prática porque se chegarmos à conclusão de que o direito ao reequilíbrio se exerce no caso dos contratos de concessão comum contra os usuários e não apenas contra o poder concedente, então, será que não faria sentido aplicarmos ao direito exercido contra os usuários a regra geral da prescrição de direitos, que estabelece o prazo prescricional de 10 anos [3], ao invés do prazo de 5 anos, que se aplica à prescrição de direitos contra a Fazenda Pública?
Essa proposta contrariaria um consenso estabelecido até aqui na doutrina do direito administrativo de que o prazo prescricional aplicável ao direito a reequilíbrio em contratos administrativos é de 5 anos, em vista do seguinte dispositivo legal, constante do Decreto 20.910/32:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Mas, será que a presença do usuário como parte nos contratos de concessão, não deveria levar a uma visão diferente sobre o tema?
A favor da tese de que o direito a reequilíbrio nos contratos de concessão se exerce contra o usuário está, em primeiro lugar, o fato, já mencionado acima, de que os usuários são parte do contrato, ainda que, por dificuldades práticas, eles não participem da sua assinatura, ou dos processos administrativos de reequilíbrio. Na prática, eles aderem ao contrato todas as vezes que utilizam o serviço público.
Além disso, na grande maioria dos casos, a tarifa, cuja obrigação de pagamento incide sobre os usuários, é a principal fonte de receita do contrato de concessão. E é evidentemente sobre o usuário que se exerce a obrigação de pagamento dela.
Por fim, a expectativa nas concessões comuns é que os direitos a reequilíbrio do concessionário não gerem qualquer obrigação de pagamento público para o poder concedente. Daí porque do ponto de vista da contabilidade pública não há qualquer registro no âmbito do poder concedente de contingências decorrentes de direitos a reequilíbrio que venham a ser exercidos pelo concessionário contra o poder concedente. Espera-se que os reequilíbrios sejam equacionados ou com aumento de tarifa, ou com redução de investimentos ou custos operacionais, ou com aumento do prazo do contrato, o que, significa custear o reequilíbrio com recursos a serem pagos pelos usuários.
Por tudo isso, creio que faz sentido levar a sério a visão de que as concessões de serviço público são relações tripartites, que há direitos do concessionário a reequilíbrio do contrato que se exercem em face da figura do usuário dos serviços, e que, por isso, vale a pena considerar a possibilidade de se aplicar o prazo prescricional geral de 10 anos a esses direitos, ao invés do prazo quinquenal incidente sobre os direitos em face da Fazenda Pública.
[1] A agência reguladora, mesmo quando signatária do contrato, não deveria rigorosamente ser considerada parte do contrato, uma vez que, em relação ao contrato de concessão, ela desempenha uma função semelhante a um árbitro ou um juiz na esfera administrativa.
[2] Vide o artigo 23, inc. VI, da Lei 8.987/95.
[3] Isso em virtude do artigo 205, do Código Civil, que diz o seguinte:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
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