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Pedaladas Contratuais

ANO 2015 NUM 40
Maurício Portugal Ribeiro (SP)
Sócio do Portugal Ribeiro Advogados, Professor de Modelos Regulatórios da FGV-SP e Mestre em Direito pela Harvard Law School.


11/12/2015 | 6956 pessoas já leram esta coluna. | 16 usuário(s) ON-line nesta página

Recentemente, o TCU – Tribunal de Contas da União condenou, por unanimidade, o Governo Dilma, por ter realizado pedaladas fiscais.

As pedaladas fiscais se caracterizam pelo adiamento irregular do pagamento de despesas, que produz uma distorção nos dados sobre as contas públicas.

No caso do Governo Dilma, esse adiamento do pagamento foi feito deixando que bancos estatais arcassem com despesas de programas do Governo.

Ao fazer isso, a União passivamente e irregularmente endividou-se com os bancos estatais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal criou procedimentos para a contratação de dívida e limites substanciais para o endividamento de entes governamentais.

Além disso, estabeleceu proibição da celebração irregular de financiamentos dos entes governamentais com os bancos que controla para evitar que os Governos sangrem esses bancos, como acontecia no Brasil antes do programa de reestruturação da dívida pública ocorrido em meados dos anos 1990, antes do PROER e do programa de desestatização de bancos.

Mas o que dizer da irregular contratação de dívida por entes governamentais com seus concessionários e parceiros privados, por meio de criação de benefícios tarifários, adiamento do pagamento de aportes ou contraprestações, e/ou adiamento da realização do reequilíbrio dos contratos?

Trata-se de adiamento pela Administração Pública da cobertura de custos que, pelo contrato de concessão, deveriam ser pagos ou reembolsados pela Administração Pública diretamente, ou por meio de aumento de tarifas aos usuários.

Ao adiar o pagamento desses custos ou o aumento de tarifas, a Administração Pública está se financiando junto aos seus concessionários, isso é se endividando irregularmente com os concessionários.

Eventualmente essa dívida terá que ser paga, juntamente com a remuneração devida pela Administração Pública ao concessionário pelo tempo em que reteve seus recursos.

Do ponto de vista econômico e financeiro, a situação é exatamente igual ao caso dos bancos estatais. Os valores utilizados pelos bancos para pagar os custos dos programas sociais eventualmente terão que ser pagos pela União, juntamente com a taxa de juros decorrente do atraso nesse pagamento.

Note-se que a remuneração do concessionário pelo seu investimento na concessão é chamada geralmente de taxa interna de retorno. Essa taxa tem uma lógica idêntica às taxas de juros cobradas pelos bancos para remunerar seus empréstimos.

É que, assim como os bancos, os concessionários renunciam à liquidez em troca de uma remuneração por essa renúncia. 

A principal diferença entre um concessionário e um banco é que, enquanto o banco, geralmente, realiza seus empréstimos levando em consideração a capacidade de geração de receitas do ente governamental como um todo, o concessionário só pode levar em consideração o potencial de produção de receitas do projeto de concessão pelo qual é responsável.

Além disso, o concessionário corre diversos riscos (da obra não ficar pronta, de não conseguir atingir os indicadores de serviço contratuais, de não se realizar o número de usuários esperado etc.) que os bancos não correm quando emprestam ao ente governamental.

Por essas razões, as taxas internas de retorno esperadas pelos concessionários para investir nos projetos de concessão são em regra muito mais altas do que as taxas de juros cobradas pelos bancos para emprestar ao mesmo ente governamental.

Em artigo recente, estimei a diferença entre o custo da taxa de financiamento de um ente governamental junto aos bancos e a taxa interna de retorno exigida por concessionários de infraestruturas desse mesmo ente em aproximadamente 10 pontos percentuais por ano.

Isso me permite afirmar que, do ponto de vista econômico e financeiro, o atraso no pagamento a concessionários é muito mais deletério para as finanças públicas que o atraso de pagamento a bancos estatais.

Daí que as pedaladas fiscais quando praticadas sobre contratos de concessão e PPP deveriam ser tratadas de forma ainda mais grave do que as pedaladas realizadas sobre bancos.

Nesse diapasão é importante perguntar qual o prazo para que a Administração Pública cubra custos da sua responsabilidade, que eventualmente sejam arcados por concessionários? A resposta depende basicamente das leis de procedimento administrativo e de cada contrato de concessão ou PPP.

Como a crise econômica do país está se aprofundando, é provável que preocupações com o cumprimento de regras fiscais se tornem ainda mais agudas nos próximos anos.

Nesse contexto, não será surpresa se os Tribunais de Contas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios condenarem chefes dos respectivos Poderes Executivos pelas pedaladas em concessões e PPPs.



Por Maurício Portugal Ribeiro (SP)

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