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O Procedimento de Manifestação de Interesse –PMI na Lei 14133- considerações sobre sua autoaplicabilidade

ANO 2024 NUM 490
Mário Saadi (SP)
Doutor (USP), Mestre (PUC-SP) e Bacharel (FGV-SP) em Direito. Professor do Mestrado Profissional da FGV Direito SP. Advogado em SP.


02/07/2024 22:33:16 | 902 pessoas já leram esta coluna. | 4 usuário(s) ON-line nesta página

Dentre as novidades trazidas pela Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (“Nova Lei de Licitações”), está o estabelecimento de disposições sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse (“PMI”). Há previsão de que a Administração Pública poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse, a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública (art. 81 da Nova Lei de Licitações).

Ainda nos exatos termos da lei, estudos, investigações, levantamentos e projetos vinculados à contratação e de utilidade para a licitação, realizados pela Administração ou com a sua autorização, especialmente em âmbito de PMI, estarão à disposição dos interessados, e o vencedor da licitação deverá ressarcir os dispêndios correspondentes, conforme especificado no edital (art. 81, § 1º).

Um dos pontos de dúvida que ainda pode pairar sobre a utilização do PMI na Nova Lei de Licitações é se o art. 81 seria autoaplicável. Isso porque o final do dispositivo prevê que a utilização do instrumento se dará “na forma de regulamento”. Na mesma linha, o art. 78 prevê que procedimentos auxiliares das licitações e das contratações, incluindo credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral “obedecerão a critérios claros e objetivos definidos em regulamento” (§ 1º).

Há vários pontos na nova lei que demandam expressa regulamentação. A lista é ampla e está publicamente disponível (https://www.gov.br/compras/pt-br/nllc/lista-de-atos-normativos-e-estagios-de-regulamentacao-da-lei-14133-de-2021.pdf), com indicação de temas, lista de atos normativos regulamentadores e estágio de regulamentação de pontos que ainda pendem de definição.

Exemplificativamente, o Decreto nº 10.764/2021 dispõe sobre o Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas de que trata o art. 174, § 1º, da Nova Lei de Licitações. O Decreto nº 10.818/2021, por sua vez, regulamenta seu art. 20, para estabelecer o enquadramento dos bens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da administração pública federal nas categorias de qualidade comum e de luxo. Sobre temas cuja regulamentação encontra-se em desenvolvimento está o de bens móveis inservíveis: preparação de decreto a seu respeito estaria em andamento, já tendo sido encaminhado à Casa Civil da Presidência da República (EM nº 00065/2023/MGI; Processo SEI nº 19973.108889/2022-17).

Na lista acima mencionada, consta que o PMI deverá ser regulamentado por meio de decreto, conforme o § 1º do art. 78 e o caput do art. 81 da Lei Nova Lei de Licitações. Coloca-se a dúvida, então, sobre se ele seria autoaplicável ou se deverá ser aguardado decreto regulamentador, veiculado pela Presidência da República, para que possa ser utilizado.

A resposta é a de que, seja em âmbito federal, seja nos demais níveis federativos, a utilização do PMI é possível, ainda que o decreto não tenha sido publicado. Há pontos pragmáticos de parecer federal, de decretos publicados em sede estadual e municipal, e de editais de chamamento público já veiculados, que demonstram a prática da utilização do PMI pautada na Nova Lei de Licitações.

Em âmbito federal, chamo a atenção para o conteúdo da Nota nº 00027/2023/CNMLC/CGU/AGU (NUP nº 64322.029904/2023-61), preparada pela Advocacia-Geral da União. Por meio dela, enfrentou-se questão de ordem sobre a necessidade ou não de regulamentação prévia do PMI para sua inteira aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio.

Conclui-se que “a mera menção à ‘na forma do regulamento’ no artigo 81 da Nova Lei de Licitações não significa que este não tenha aplicabilidade imediata, contível pelo regulamento” (fl. 01). Isso porque, em essência, “[t]odas as demais disposições do artigo 81 trazem parâmetros e disciplinamento para sua utilização, inclusive remetendo ao edital (§1º) ou à seleção definitiva da inovação (§4º), sem outros condicionamentos à normas infralegais” (fl. 02). Finalmente, “o edital poderá regular a forma como a iniciativa privada irá apresentar ‘a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública’” (fl. 02).

Em nível municipal, decretos específicos têm sido veiculados para disciplinar o PMI localmente.

O Município do Rio de Janeiro publicou o Decreto nº 51.633/2022, que dispõe sobre os procedimentos auxiliares das licitações. Em seus termos, os órgãos e entidades da Administração Pública Municipal poderão solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública. Há menção específica de que “[o] Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) regulamentado neste Decreto é o previsto no inciso III do art. 78 da Lei Federal nº 14.133/2021, como procedimento auxiliar das licitações e contratações regidas por aquela Lei (art. 72, § 1º, do Decreto do Município do Rio de Janeiro).

O Município de Florestal, localizado no Estado de Minas Gerais, foi ainda mais específico: publicou o Decreto nº 234/2023, que regulamenta o procedimento de manifestação de interesse previsto na Lei Nova Lei de Licitações no âmbito do Poder Executivo Municipal. O ato normativo trata tanto do PMI (“o procedimento a ser utilizado antes do processo de contratação para obter, de qualquer interessado, pessoa física ou jurídica, levantamentos, investigações, estudos ou projetos de soluções que atendam às necessidades específicas da Administração Municipal ou contribuam com questões de relevância pública” (art. 4º, I)) quanto da manifestação de interesse privado (“apresentação espontânea, por pessoa física ou jurídica, de propostas, projetos, levantamentos, investigações, estudos ou soluções que atendam às necessidades específicas da Administração Municipal ou contribuam com questões de relevância pública” (art. 4º, II)).

Por fim, a Secretaria de Estado de Infraestrutura (“SEINFRA”) do Estado de Goiás veiculou o Edital de Chamamento Público de Estudos SEINFRA nº 004/2024, visando a obtenção de estudos de modelagem técnica, operacional, econômico-financeira, ambiental, jurídico institucional e plano de negócio destinado à redução dos custos com as faturas de energia elétrica em empresas jurisdicionadas à SEINFRA, auxiliando-a na estruturação de Parceria Público-Privada – PPP ou outro instrumento indicado que melhor coadune com o interesse público. Este PMI foi lançado tendo como fundamento as Leis Federais nº 8.987/1995, nº 9.074/1995, e nº 11.079/2004, e ainda, de forma subsidiária, o que consta na Nova Lei de Licitações.

Concluo, portanto, que, em qualquer nível federativo, o PMI, conforme previsto na Nova Lei de Licitações, já pode ser utilizado. Os principais contornos sobre o pedido de recebimento de estudos e demais documentos, forma de avaliação e diálogo com a iniciativa privada, de forma mais ampla, serão dados no próprio edital de chamamento público, independentemente da inexistência de decreto federal a respeito do instituto conforme a Lei 14.133/2021.Dentre as novidades trazidas pela Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (“Nova Lei de Licitações”), está o estabelecimento de disposições sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse (“PMI”). Há previsão de que a Administração Pública poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse, a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública (art. 81 da Nova Lei de Licitações).

Ainda nos exatos termos da lei, estudos, investigações, levantamentos e projetos vinculados à contratação e de utilidade para a licitação, realizados pela Administração ou com a sua autorização, especialmente em âmbito de PMI, estarão à disposição dos interessados, e o vencedor da licitação deverá ressarcir os dispêndios correspondentes, conforme especificado no edital (art. 81, § 1º).

Um dos pontos de dúvida que ainda pode pairar sobre a utilização do PMI na Nova Lei de Licitações é se o art. 81 seria autoaplicável. Isso porque o final do dispositivo prevê que a utilização do instrumento se dará “na forma de regulamento”. Na mesma linha, o art. 78 prevê que procedimentos auxiliares das licitações e das contratações, incluindo credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral “obedecerão a critérios claros e objetivos definidos em regulamento” (§ 1º).

Há vários pontos na nova lei que demandam expressa regulamentação. A lista é ampla e está publicamente disponível (https://www.gov.br/compras/pt-br/nllc/lista-de-atos-normativos-e-estagios-de-regulamentacao-da-lei-14133-de-2021.pdf), com indicação de temas, lista de atos normativos regulamentadores e estágio de regulamentação de pontos que ainda pendem de definição.

Exemplificativamente, o Decreto nº 10.764/2021 dispõe sobre o Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas de que trata o art. 174, § 1º, da Nova Lei de Licitações. O Decreto nº 10.818/2021, por sua vez, regulamenta seu art. 20, para estabelecer o enquadramento dos bens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da administração pública federal nas categorias de qualidade comum e de luxo. Sobre temas cuja regulamentação encontra-se em desenvolvimento está o de bens móveis inservíveis: preparação de decreto a seu respeito estaria em andamento, já tendo sido encaminhado à Casa Civil da Presidência da República (EM nº 00065/2023/MGI; Processo SEI nº 19973.108889/2022-17).

Na lista acima mencionada, consta que o PMI deverá ser regulamentado por meio de decreto, conforme o § 1º do art. 78 e o caput do art. 81 da Lei Nova Lei de Licitações. Coloca-se a dúvida, então, sobre se ele seria autoaplicável ou se deverá ser aguardado decreto regulamentador, veiculado pela Presidência da República, para que possa ser utilizado.

A resposta é a de que, seja em âmbito federal, seja nos demais níveis federativos, a utilização do PMI é possível, ainda que o decreto não tenha sido publicado. Há pontos pragmáticos de parecer federal, de decretos publicados em sede estadual e municipal, e de editais de chamamento público já veiculados, que demonstram a prática da utilização do PMI pautada na Nova Lei de Licitações.

Em âmbito federal, chamo a atenção para o conteúdo da Nota nº 00027/2023/CNMLC/CGU/AGU (NUP nº 64322.029904/2023-61), preparada pela Advocacia-Geral da União. Por meio dela, enfrentou-se questão de ordem sobre a necessidade ou não de regulamentação prévia do PMI para sua inteira aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio.

Conclui-se que “a mera menção à ‘na forma do regulamento’ no artigo 81 da Nova Lei de Licitações não significa que este não tenha aplicabilidade imediata, contível pelo regulamento” (fl. 01). Isso porque, em essência, “[t]odas as demais disposições do artigo 81 trazem parâmetros e disciplinamento para sua utilização, inclusive remetendo ao edital (§1º) ou à seleção definitiva da inovação (§4º), sem outros condicionamentos à normas infralegais” (fl. 02). Finalmente, “o edital poderá regular a forma como a iniciativa privada irá apresentar ‘a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública’” (fl. 02).

Em nível municipal, decretos específicos têm sido veiculados para disciplinar o PMI localmente.

O Município do Rio de Janeiro publicou o Decreto nº 51.633/2022, que dispõe sobre os procedimentos auxiliares das licitações. Em seus termos, os órgãos e entidades da Administração Pública Municipal poderão solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública. Há menção específica de que “[o] Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) regulamentado neste Decreto é o previsto no inciso III do art. 78 da Lei Federal nº 14.133/2021, como procedimento auxiliar das licitações e contratações regidas por aquela Lei (art. 72, § 1º, do Decreto do Município do Rio de Janeiro).

O Município de Florestal, localizado no Estado de Minas Gerais, foi ainda mais específico: publicou o Decreto nº 234/2023, que regulamenta o procedimento de manifestação de interesse previsto na Lei Nova Lei de Licitações no âmbito do Poder Executivo Municipal. O ato normativo trata tanto do PMI (“o procedimento a ser utilizado antes do processo de contratação para obter, de qualquer interessado, pessoa física ou jurídica, levantamentos, investigações, estudos ou projetos de soluções que atendam às necessidades específicas da Administração Municipal ou contribuam com questões de relevância pública” (art. 4º, I)) quanto da manifestação de interesse privado (“apresentação espontânea, por pessoa física ou jurídica, de propostas, projetos, levantamentos, investigações, estudos ou soluções que atendam às necessidades específicas da Administração Municipal ou contribuam com questões de relevância pública” (art. 4º, II)).

Por fim, a Secretaria de Estado de Infraestrutura (“SEINFRA”) do Estado de Goiás veiculou o Edital de Chamamento Público de Estudos SEINFRA nº 004/2024,  visando a obtenção de estudos de modelagem técnica, operacional, econômico-financeira, ambiental, jurídico institucional e plano de negócio destinado à redução dos custos com as faturas de energia elétrica em empresas jurisdicionadas à SEINFRA, auxiliando-a na estruturação de Parceria Público-Privada – PPP ou outro instrumento indicado que melhor coadune com o interesse público. Este PMI foi lançado tendo como fundamento as Leis Federais nº 8.987/1995, nº 9.074/1995, e nº 11.079/2004, e ainda, de forma subsidiária, o que consta na Nova Lei de Licitações.

Concluo, portanto, que, em qualquer nível federativo, o PMI, conforme previsto na Nova Lei de Licitações, já pode ser utilizado. Os principais contornos sobre o pedido de recebimento de estudos e demais documentos, forma de avaliação e diálogo com a iniciativa privada, de forma mais ampla, serão dados no próprio edital de chamamento público, independentemente da inexistência de decreto federal a respeito do instituto conforme a Lei 14.133/2021.



Por Mário Saadi (SP)

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