Mário Saadi (SP)
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Resumo: A Nova Lei de Licitações traz disposição sobre a aplicação supletiva das disposições de direito privado aos contratos celebrados com base nela, bem como de sua extinção por meio de acordo entre as partes. Com base em tais aspectos, chamo a atenção para a modelagem concreta que se pode fazer sobre o tema, formas de sua aplicação e os benefícios daí decorrentes, sobretudo de segurança jurídica para as partes envolvidas.
A Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, que disciplina licitações e contratos administrativos (“Nova Lei de Licitações”), traz contornos importantes para modelagens de instrumentos e projetos que poderão ser executados de acordo com seus termos. Um deles diz respeito à possibilidade de extinção consensual, por simples acordo entre as partes, dos contratos celebrados com base nela.
Conforme seu art. 89, os contratos de que ela trata serão regulados por suas próprias cláusulas e pelos preceitos de direito público. A eles também serão aplicados, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. Ou seja: há possibilidade de aplicação complementar das disposições previstas no Código Civil, sem prejuízo, naturalmente, de outras leis que também disponham sobre aspectos contratuais.
A Nova Lei de Licitações prevê que a extinção contratual poderá ser consensual, por acordo entre as partes. Além disso, poderá ser realizada por conciliação, por mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que, em qualquer dos casos haja, naturalmente, interesse da Administração (art. 138, I). Por se tratar de término acordado do contrato, a extinção também passa, de maneira igualmente natural, pela necessidade de concordância da parte que contrata com a Administração Pública.
Tais pontos estão em linha com o Código Civil, supletivamente aplicado à matéria. O art. 472 prevê a possibilidade geral de distrato, que deve ocorrer pela mesma forma exigida para a celebração do contrato. É dizer: há o reforço, expressamente previsto na Nova Lei de Licitações, de que as partes poderão acordar pelo término antecipado da avença.
Além disso, o art. 474 prevê que a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, enquanto a tácita depende de interpelação judicial. Neste ponto, chama-se a atenção para o fato de que, juridicamente, parece salutar que haja esforço para que editais e contratos administrativos contenham disciplina sobre extinção amigável de avenças. Neste ponto, o art. 89, § 2º, da Nova Lei de Licitações prevê que os contratos deverão estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, as obrigações e as responsabilidades das partes, em conformidade com os termos do edital de licitação e os da proposta vencedora ou com os termos do ato que autorizou a contratação direta e os da respectiva proposta.
Portanto, há necessidade de atenção com o estabelecimento do regramento específico (ou dos direitos das partes) à extinção amigável do contrato administrativo, como verdadeira medida de previsibilidade jurídica sobre como será sua aplicação no caso concreto. Dois pontos chamam a atenção aqui:
(i) o fato de que, especialmente para contratos administrativos que tenham passado por prévio procedimento licitatório para sua celebração, qualquer interessado que, por hipótese, pudesse ter participado da licitação, saberia, de antemão, que aquela forma de extinção se aplicaria, conforme os contornos contratuais;
(ii) a lógica de que contratos administrativos celebrados com base na Nova Lei de Licitações poderão ser incompletos, tendo em vista que poderão chegar ao prazo de até 35 anos, nos casos em que sejam celebrados com investimentos, assim considerados aqueles que impliquem a elaboração de benfeitorias permanentes, realizadas exclusivamente a expensas do contratado, que serão revertidas ao patrimônio da Administração Pública ao término do contrato (art. 110, II).
Tais aspectos estão em linha com o art. 92 da Nova Lei de Licitações, a prever que são necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam, dentre outras questões:
(i) o objeto e seus elementos característicos: o contrato poderá definir pontos específicos sobre a execução de seu objeto e casos, por exemplo, em que ele, ou o interesse das partes na finalização, deixariam de existir, de forma a se admitir a extinção consensual;
(ii) a vinculação ao edital de licitação e à proposta do licitante vencedor ou ao ato que tiver autorizado a contratação direta e à respectiva proposta: a previsão na minuta de contrato, que acompanha o edital de licitação, da possibilidade de extinção amigável seria apta a dar publicidade a respeito do tema para todo e qualquer interessado, fazendo minguar argumentos como de que, por exemplo, a parte futuramente contratada eventualmente se beneficiaria da extinção consensual;
(iii) a legislação aplicável à execução do contrato, inclusive quanto aos casos omissos: nos termos da própria Nova Lei de Licitações, editais e contratos podem fazer referência expressa à aplicação do Código Civil, trazendo, por arrastamento, os pontos gerais sobre contratos ali previstos;
(iv) os direitos e as responsabilidades das partes: o regramento contratual pode, e deve, trazer regramento sobre o direito das partes de extinguirem o contrato amigavelmente;
(v) os casos de extinção: finalmente, nos termos da própria Nova Lei de Licitações, há previsão expressa sobre a extinção amigável como meio hábil para se levar ao término do contrato administrativo.
Pode-se, inclusive, conjugar os pontos acima com a eventual necessidade de extinção amigável em momentos de crise contratual. Aqui também se caminha em linha com o Código Civil, que prevê ser lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígios mediante concessões mútuas (art. 840), nos casos em que se discutam direitos patrimoniais de caráter privado ou, noutros termos, disponíveis (art. 841).
O correto entendimento sobre a possibilidade de extinção amigável de contratos administrativos pode garantir: (i) estabilidade jurídica, evitando futuras discussões sobre o tema; (ii) atendimento à legalidade, à eficiência e à transparência da atuação estatal, tendo em vista que disposições concretas a respeito do tema serão desenhadas, nos exatos termos admitidos pela Nova Lei de Licitações; (iii) segurança jurídica aos agentes públicos, às entidades estatais e aos particulares envolvidos.
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