Maria Tereza Fonseca Dias (MG)
Com a edição da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, o tema da mediação na Administração Pública é retomado. A lei entrou em vigor em dezembro de 2015 e as questões preliminares que ela enseja são: a efetiva possibilidade implantação da mediação no setor público e em que consiste a noção ampla de “autocomposição de conflitos” carreada pela lei.
Mesmo sendo alvo de objeções - conforme tratado adiante - a lei é bem-vinda no ordenamento jurídico brasileiro, pois permite que a Administração Pública solucione problemas, conflitos e controvérsias por meio de mecanismos de autocompositivos, que são bem mais efetivos e aceitos pelos participantes do que os heterocompositivos, notadamente os que se desenvolvem no âmbito do Poder Judiciário. Acrescente-se a esta efetividade na solução de problemas, o fato de a Administração Pública brasileira ser a parte que possui o maior número de processos judiciais em andamento, conforme dados divulgados pelo CNJ. Implantar sistema de solução de controvérsias que seja de “múltiplas portas” favorece o desenvolvimento das atividades administrativas e da governança pública, o atendimento das demandas e anseios dos cidadãos, bem como do setor produtivo.
Além disto, a inclusão desta lei na Administração Pública, coaduna-se com as transformações recentes do conteúdo e dos princípios do regime jurídico administrativo. As mudanças nos campos econômico, social e estatal impuseram o surgimento de novas concepções acerca da Administração Pública baseada nas ideias de consensualismo, cidadania ativa, eficiência entre outras.
Autocomposição de conflitos no setor público
Do ponto de vista estrutural, a Lei nº 13.140/2015 tratou primeiramente, em seu Capítulo I, da mediação, voltada para a solução de controvérsias entre particulares e o Capítulo II, da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público. Eis aqui o seu primeiro problema, pois tratando-se de uma lei de mediação, deveria ter sido implantada esta forma de solução de controvérsia também para o setor público, deixando as outras formas (conciliação, transação, acordos de conduta etc) para diplomas legais específicos ou até mesmo para o CPC, quando da aprovação da lei de mediação, já havia sido editado.
A opção da legislação (art. 32 a 40 da Lei nº 13.140/2015), portanto, não foi implantar claramente a mediação na administração pública mas instituir um conjunto de mecanismos de autocomposição, do qual a mediação é uma espécie que pode ser ou não implantada.
Em conformidade com o art. 32 da Lei nº 13.140/2015,
“[...] a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:
I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.”
A autorização legislativa conferida ao regulamento do chefe do Executivo, nos termos do art. 84, IV, da CR/1988, foi para implantar câmara de solução dos conflitos elencados (entre órgãos e entidades públicas; particular e pessoa jurídica de direito público e celebração de TAC). Conforme será descrito mais pormenorizadamente a seguir, a mediação caberia, quando muito, para as hipóteses do art. 32, II, da Lei nº 13.140/2015 e para as mediações coletivas previstas no art. 33, Parágrafo Único.
Além de implantar, o regulamento estabelecerá o modo de composição e funcionamento das câmaras (art. 32, § 1º) e os critérios de submissão do conflito às câmaras, conforme casos previstos, devendo ser facultativa a submissão destes conflitos à respectiva câmara (art. 32, § 1º).
Outras previsões do funcionamento mecanismos de autocomposição, independente daquele que vier a ser implantado, seriam a obrigatoriedade de reduzir a termo o acordo formado consensualmente entre as partes e a determinação de que este acordo constituirá título executivo extrajudicial. (art. 32, §3º) Esta última medida é importante para definir a natureza e os efeitos do eventual acordo firmado.
Além disto, a lei prevê expressamente que podem ser solucionados conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares (art. 32, 21 5º). Neste aspecto a lei afasta a disciplina da contratação pública das normas gerais de licitações e contratos administrativos, daí provavelmente a razão de ter sido editada com este conteúdo específico.
Um dos únicos dispositivos que induzem a implantação da mediação no setor público é o art. 33 da Lei nº 13.140/2015, segundo o qual “Enquanto não forem criadas as câmaras de mediação, os conflitos poderão ser dirimidos nos termos do procedimento de mediação previsto na Subseção I da Seção III do Capítulo I desta Lei”. Assim, a inércia do regulamento poderá seduzir a administração a implantar a mediação a outros mecanismos de solução de problemas e conflitos na Administração. Neste sentido, considerando que a lei autorizou o exercício de competência ampla para a Administração em matéria de métodos autocompositivos, o exercício desta competência deve se dar de forma adequada, diferenciando-se as potencialidades que cada um tem a oferecer neste cenário.
Outros aspectos importantes trazidos na lei referem-se à suspensão da prescrição, quando da instauração de procedimento administrativo para a resolução consensual de conflito (art. 34); e das hipóteses de aplicação da lei na Administração Pública Federal Direta, suas Autarquias e Fundações no âmbito da Advocacia Geral da União (art. 35 a 40).
A mediação como mecanismo de autocomposição de conflitos no setor público
Na década de 1960 surgiu, sobretudo nos Estados Unidos, o movimento de retomada dos métodos de resolução extrajudiciais de conflito, entre eles a mediação. Diante da crise do Estado Social e do acesso a justiça, bem como da demanda popular em participar na construção do Direito, esses métodos ganharam força e credibilidade. Na década de 90 do século passado, mesmo com o crescente número de recursos e aparelhos de comunicação, os indivíduos estavam cada vez mais distantes uns dos outros havendo, por isso, a necessidade de um intermediário formador do diálogo. François Six difundiu o método da mediação por toda Europa como promessa para tratamento dos conflitos e restauração da comunicação entre seus participantes. As apostas se confirmaram e a mediação passou a fazer parte de várias cenas sociais, não somente pelos motivos acima apontados, mas pela mudança de paradigma que construiu o Estado de Direito. O direito também passa a se legitimar quando formado por processo de entendimento entre sujeitos, distante de qualquer influência religiosa ou metafísica, baseado na autodeterminação dos indivíduos. Inserida no seio das exasperações sociais, a mediação serviria de instrumento autonomizador do sujeito. O papel conferido ao método seria o de promover a emancipação social por meio do empoderamento do indivíduo.
Atualmente, a mediação tem se disseminado como um modo de levar o acesso a justiça à sociedade e de resgatar canais de comunicação e cidadania. O diálogo estabelecido entre os participantes através do método recria o direito e o legitima, pois que sua construção se deu por participação e aceitação social.
De maneira geral, a mediação é método extrajudicial de resolução de conflitos que se utiliza da figura de um terceiro alheio a disputa, o mediador, como facilitador do diálogo entre os envolvidos, os mediandos, com objetivo de estabelecer a intercompreensão de suas pretensões e aproximação de seus desejos, a fim da propositura e da escolha de resolução a controvérsia pelos próprios participantes.
Trata-se de técnica dialógica, não adversarial, cuja proposta aos participantes é a realização de um acordo final, como conclusão do entendimento intersubjetivo de suas pretensões. Para isso, é imprescindível a distinção das posições aparentes dos participantes e de seus verdadeiros interesses durante o processo. O entendimento da causa geradora do conflito é requisito para eficácia do acordo. Ademais, a resolução da controvérsia no fator original do problema contribui para pacificação social, no sentido de evitar o nascimento de outros conflitos na mesma relação social.
A Lei nº 13.140/2015 no seu Parágrafo Único, do art. 1º, define a mediação como “[...] a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.”
Não ficou expressa na lei da mediação – assim como no novo CPC - uma característica que é importante para a eficácia do método, que é trata-la como método extrajudicial. No novo CPC em vigor (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015) foi prevista a figura da mediação judicial, a partir da previsão ao seu art. 3º, § 3º, segundo o gual “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”
São características gerais da mediação: a participação do terceiro mediador, a voluntariedade dos participantes, a confidencialidade do procedimento, a informalidade e a decisão pelos participantes.
Neste sentido, a Lei nº 13.140/2015, em seu art. 2º, trata como princípios da mediação: I - imparcialidade do mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé.
O processo da mediação só se realizará na presença do mediador, terceiro imparcial, aceito pelos mediandos para atuar como facilitador do diálogo (art. 4º a 10 da Lei nº 13.140/2015).
Sua atuação é essencial a aproximação dos interesses dos participantes, uma vez que coordena a condução do procedimento, tendo autoridade para regular o tempo de fala de cada um, a duração de cada sessão e o planejamento sequencial destas. O mediador, em todos os casos, é figura não autoritária, que apenas contribui para a construção da resolução do conflito ao impulsionar a reflexão dos envolvidos sobre o problema. A rigor, não será pessoa neutra, tendo o dever de zelar pela garantia de direitos fundamentais, cabendo impor-se contrariamente a violação destes. Em razão disto, seu compromisso é de imparcialidade, de modo a não favorecer qualquer dos participantes e resguardar a igualdade no procedimento.
Como visto, a mediação é um procedimento autocompositivo de dimensão dialógica. Nesse sentido, a exigência de voluntariedade dos participantes para o uso do método é fundamental, como determinado pelo art. 2º, §1º da Lei nº 13.140/2015. A eles cabe optar pelo método da mediação para a resolução de sua controvérsia podendo inclusive abandoná-la em seu curso.
Na ausência de voluntariedade não haveria abertura para o diálogo e consequentemente para o processo de intercompreensão. Ademais, as decisões acerca do conflito serão propostas e tomadas pelos próprios envolvidos, exigindo-se mais uma vez a voluntariedade dos participantes.
O procedimento de mediação deve ser confidencial. Aos participantes deve ser conferido segurança para preservação de seus relatos e do próprio processo. O sigilo possibilita aos mediandos a exposição real dos fatos, sem constrangimentos e receios.
Na ausência de confidencialidade poderiam ocorrer prejuízos aos participantes por suas declarações e documentos apresentados, caso constituíssem prova judicial uma vez frustrada a mediação. Por isso, a lei determina e estabelece critérios para confidencialidade em seus arts. 30 e 31, sem que tenha sido prevista a lavratura do termo de compromisso.
Outra característica do método é a informalidade, que permite a criação de um espaço democrático de interlocução entre sujeitos. A linguagem do mediador deverá adequar-se a realidade social dos envolvidos para que estes se sintam confortáveis a propositura de ideias e eventuais indagações.
Além disso, o procedimento é flexível: as sessões de mediação se seguirão conforme cada conflito e não serão regidas por qualquer prazo. Não há procedimento rígido com regras pré-estabelecidas.
Em que pese o aspecto informal do procedimento, não há que se falar em sua ausência. Isto é, este será adaptado às peculiaridades de cada caso concreto, mas seguirá uma regra geral de atos. O procedimento regular-se-á por critérios de razoabilidade desde a duração das sessões ao tramitar do processo.
Caberá aos envolvidos a propositura de soluções ao conflito de maneira satisfatória a todos. O mediador atua somente como catalisador do diálogo para que os participantes cooperem entre si e alcancem o consenso.
A mediação busca o estreitamento ou restabelecimento das relações sociais em virtude do entendimento mútuo das pretensões dos sujeitos do conflito pela comunicação entre eles. Neste aspecto, os desejos são integrados de maneira que não haja perdedor-ganhador, mas vencedor-vencedor. O acordo será, portanto, pleno de eficácia, pois que construído de acordo com a vontade dos participantes. É responsabilidade dos envolvidos a tomada da decisão, seja pelo acordo ou não.
Tendo em vista os aspectos mencionados, a mediação não objetiva unicamente a realização do acordo. O método busca, sobretudo, o entendimento intersubjetivo do conflito, reconhecendo como êxito da mediação até mesmo o processo que tenha sido concluído sem ajuste, desde que tenha perpassado pelo diálogo entre os participantes.
Não busca também a mediação desobstruir o Poder Judiciário servindo como método alternativo de resolução de controvérsias. Sua atuação é de complementariedade às vias judiciais para dirimição dos conflitos em que se possa resultar consenso.
Observa-se que a principal diretriz é, durante todo seu processo, a de conferir aos sujeitos o poder de gerenciar e solucionar seus problemas sem imposição de um terceiro sancionador, resultando em autonomização do indivíduo. É este, portanto, o fim máximo almejado pela mediação, o de impulsionar a emancipação social, permitindo a inclusão dos marginalizados, a promoção da democracia e da prática cidadã.
Será preciso, portanto, clareza do regulamento que implementar, no setor público, dentre os meios de autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, a mediação, vez que esta trata de problemas e controvérsias específicas, nas hipóteses em que o que se visa não é somente um acordo entre os participantes mas a restauração das relações e do diálogo. Uma área promissora da mediação na Administração Pública é a do processo administrativo disciplinar.
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