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Shared Services Center (CSC) na Administração Pública à luz da Reforma Administrativa (PEC 32/20)

ANO 2020 NUM 472
Leandro Velloso (RJ)
Prof. de Direito Administrativo e de Compliance Público. Pós-Graduado em Direito Contratual pela PUC/SP. Mestrando em Direito Administrativo Assistente da Presidência da Eletrobras Furnas. Ex-Superintendente do CSC Eletrobras (2018/2020). Advogado.


08/12/2020 22:30:17 | 2371 pessoas já leram esta coluna. | 21 usuário(s) ON-line nesta página

A pandemia do COVID-19 determinou a renovação do real sentido do Estado Brasileiro e seu papel finalístico em prol do interesse público, em especial no exercício das atividades administrativas, sociais, sanitárias e políticas no país.

O Estado de Direito a cada momento atua regulando as competências dos entes políticos no âmbito de seus atos unilaterais e bilaterais. Porém, o Estado não mais consegue atuar apenas com austeridade e imperatividade. Nota-se, simplesmente, que em todos os países democráticos a pandemia e o “novo normal” deliberam pela necessária atuação estatal com segurança, celeridade e confiança.

Vislumbra-se uma nova roupagem da eficiência administrativa, desde o clássico planejamento até a economicidade competitiva de ações com governança, controle dos riscos e probidade. Nesse sentido, o improviso público não será mais admitido pelo administrado que exige qualificação, rapidez e honestidade dos gestores públicos.

Com isso, não há mais sentido que entes federativos e suas entidades realizem compras e aquisições para objetos comuns de forma isolada sem certeza de economicidade e com burocracia. Nota-se que o Sistema de Registro de Preços ( SRP ) ainda não é a melhor saída para compras ou aquisições para diversos entes ou entidades, pois não gera a imediata contratação que o fornecedor ou prestador de serviços almeja no mercado de compras públicas, acarretando a incerteza da economicidade real para o setor público.

Para tanto, o Centro de Serviços Compartilhados ou Shared Services Center (“CSC”) traduz a racionalidade das compras e aquisições para a Administração Pública. Esta forma de organização, também denominada de shared service, é um mecanismo de racionalização da estrutura organizacional e apto para as contratações conjuntas com economia real já existente no setor.

O CSC pode ser definido pela centralização das funções de negócios em uma única unidade de negócio, que elimina uma série de funções de apoio duplicadas, como diversas secretarias municipais ou Ministérios, antes ocupadas em comprar e  contratar serviços terceirizados isoladamente, sem ganho de escala ou economicidade efetiva.

Ademais, O CSC, no setor privado, traduz um conceito organizacional que consolida processos de uma organização para reduzir redundâncias, entregar processos de suporte, ter custos reduzidos e focar no cliente interno.

Desta feita, os benefícios financeiros dos serviços compartilhados, ligados as unidades da Administração Pública são alcançados com o aprimoramento dos processos, aumento da eficiência, ganho de escala, diminuição da burocracia, e reestruturação, sempre com o intuito de aumentar a eficiência operacional com redução dos custos públicos.

A melhor doutrina registra que o CSC simplifica as estruturas organizacionais das unidades empresariais. Os gestores dessas unidades deixam de gerenciar atividades de apoio, como suprimento de materiais, tecnologia da informação, recursos humanos e finanças. Assim, concentram-se nas atividades primárias (core business), as quais agregam valor ao produto. Desse modo, o CSC atua como uma unidade organizacional que dispõe de serviços administrativos para as demais subsidiárias ou decisões em um grupo empresarial, eliminando a duplicidade de áreas funcionais na organização.

Destaca-se, ainda, que existem quatro modelos de gestão e operação de CSC: [i] Modelo Básico; (MarketPlace); [ii] MarketPlace Avançado: Empresa Independente. Normalmente as organizações iniciam o processo de implantação do CSC com o modelo básico, que tem como finalidade principal a economia de escala, a qual padroniza os serviços e reduz os custos, garantindo a qualidade dos serviços prestados. A partir da evolução do modelo básico, a gestão do CSC torna-se mais madura, buscando o máximo de qualidade e melhorias efetivas e assim parte para modelos mais avançados e com equidade.

O modelo MarketPlace a gestão dos serviços torna-se mais autônoma. Existe uma estrutura de governança, que se preocupa em controlar e melhorar as operações, com a definição dos Acordos de Níveis de Serviço (ANS). Já o modelo MarketPlace Avançado só operacionaliza serviços em que o CSC se considera competitivo, os demais são terceirizados, aumentando assim a qualidade dos serviços prestados. O modelo de Empresa Independente organiza o CSC como uma unidade de negócios independente.

Nesse contexto, a Administração Pública vinculada ao princípio da eficiência, no sentido de pretender garantir maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos, determina que o administrador público seja eficiente, ou seja, deve ser o que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e imparcialidade.

Assim, o princípio da eficiência é o que impõe à Administração Publica e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir uma maior rentabilidade social.

Como destaca a nova ciência jurídica ao analisar as novas funções da Administração Publica, o fundamento ético dessa administração intervencionista não é mais a sittliche Gesetzmassigkeit, no sentido de uma ética de convicção, mas a moral da conveniência e da adequação, no sentido real da eficiência.

Como já salientado por Jean Rivero, "não existe um acto administrativo inteiramente discricionário. Designa-se assim um acto em relação ao qual a legalidade não impusesse condições à Administração e que, desde logo, escaparia a qualquer controlo jurisdicional; o Conselho de Estado deixou de admitir a existência de tais actos a partir do começo do século XX. Com efeito, qualquer acto está no mínimo submetido a duas condições impostas pelo direito; uma relativa à autori- dade para o tomar, a outra relativa aos fins que deve prosseguir e que não é, necessariamente, o interesse público; pelos menos nestes dois pontos a Administração está sempre vinculada"(STF - Pleno - ADC 12 - Rel. Min. Carlos Britto, decisão: 16-2-2006.   RIVERO, Jean. Direito.. Op. cir. p. 95. ).

Neste sentido, o CSC na Administração Pública é a ferramenta apta para redução de custos e despesas, uma vez que a centralização das atividades com inovação impulsiona a eficiência administrativa, excluído redundâncias e excesso de processos burocráticos.

Registre-se, portanto, que no âmbito das contratações públicas, ao invés de cada órgão de um ente público realizar aquisições individuais, todas as compras comuns e todos os serviços contínuos ou não podem ser processados, contratados e gerenciados por um único responsável daquele ente, seja com personalidade jurídica ou não. Além disso, a economia de escala pode ser factível por questões de mercado e de disputa empresarial centralizada.

Embora não se consiga mensurar o momento exato da implantação do primeiro CSC no setor público, é percebido que, muitos países como Canadá, Estados Unidos, Austrália, Irlanda, Escócia, Inglaterra, Holanda, Alemanha, França, Itália, Espanha, implantaram o CSC em suas administrações como maneira de alcançar a melhoria dos serviços e redução dos custos associados e a diminuição da corrupção nos processos de aquisição desses países.

Disputas licitatórias individuais (por órgãos ou repartições do mesmo ente ou numa holding estatal) podem passar por questões de corrupção com mais facilidade, em razão das inúmeras oportunidades de contratações, o que é mais difícil nas compras conjuntas ou licitações únicas por um único responsável público do CSC.

Neste contexto, nos termos Mensagem 504 da PEC 32/2020, cujo teor se vincula à Reforma Administrativa, o nosso serviço público que se pretende implementar será baseado em quatro princípios: a) foco em servir; b) valorização das pessoas; c) agilidade e d) inovação.

Assim, nada melhor do que um CSC em cada ente e entidade administrativa para reforçar esses princípios e garantir uma nova Administração Pública mais competitiva e fiel à economicidade, agilidade, probidade e inovação, no rumo da consecução das atividades administrativas e da prestação dos serviços públicos.



Por Leandro Velloso (RJ)

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