Leandro Velloso (RJ)
Consoante o art. 173 da CRFB/88, eis que surge a tão esperada Lei das Estatais. Percebe-se, inicialmente, que com quase uma centena de dispositivos, a Lei Federal 13.303/2016, publicada no DOU de 1º de julho de 2016, pretende alterar significativamente o regime jurídico das empresas estatais e equacionar o padrão estatutário e contratual das pessoas jurídicas de direito privado criadas no âmbito dos entes federativos que exploram atividade econômica. De certo ponto, apenas pretende.
Desta feita, é nossa percepção simplista que a tão esperada alteração conceitual para a nova estatal se dará essencialmente pelo novo regime de licitações e de contratos que exclui a aplicação do Estatuto Geral das Licitações e Contratos, instrumentalizado pela Lei Federal n.º 8.666/93.
Registre-se que a Lei Geral das Licitações e Contratos consagrada pela Lei Federal n.º 8.666/93 não se aplica de forma subsidiária à Lei das Estatais, sendo no máximo permitida a aplicação daquela nos casos omissos a Lei das Estatais por uma interpretação analógica, conforme simples interpretação do princípio da especialidade das normas jurídicas e com base na Lei 12.376/2010.
Neste contexto, é com louvor que a Lei das Estatais, na atual versão moderna e eficaz, ao mesmo tempo que desburocratiza a máquina pública em certos aspectos de disputa e de celebração contratual, consagra maior responsabilidade do gestor e do agente público responsável pelo processo em questão.
Nesta esteira, destaco a espécie contratual denominada contratação integrada, inspirada nas contratações integrais ou turn key, com uma certa construção legislativa diferida do Regime Diferenciado de Contratação - RDC, da Lei Federal 12.462/11 e do Decreto Federal da Petrobras (Decreto n.º 2475/98 ), senão vejamos: “A Lei nº 12.462/11 em seu art. 9º sustenta: “Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada. (...) § 2o No caso de contratação integrada: (...) II - o valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela administração pública em serviços e obras similares ou na avaliação do custo global da obra, aferida mediante orçamento sintético ou metodologia expedita ou paramétrica; e”. No item 1.9 do Decreto nº 2.745/1998, que trata do procedimento simplificado de licitação para a empresa Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS temos o seguinte: “Sempre que economicamente recomendável, a PETROBRÁS poderá utilizar-se da contratação integrada, compreendendo realização de projeto básico e/ou detalhamento, realização de obras e serviços, montagem, execução de testes, pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, com a solidez e segurança especificadas.”
Além disso, tal contratação tem estreita similitude com a previsão feita, há muito, pela Lei de Concessões e Permissões de Serviço Público (Lei nº 8.987/95), art. 18, inciso XV. Da mesma forma, o TCU, Acórdão nº 1.692/2004, Pleno, reconheceu que seria mais eficiente fazer o Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro/RJ, por um construtor só, excepcionalizando o dever de fracionamento. A decisão é espetacular porque, à época, não se tinham disposições sequer próximas àquelas constantes no RDC, mas, mesmo assim, permitiu-se uma espécie de “contratação integrada”, ainda que possam ser identificadas diferenças para com a previsão feita no regime diferenciado ora comentado. O paradigma que ficou estabelecido naquela situação consiste no fado de ter de se demonstrar ganhos econômicos efetivos para a Administração Pública supervenientemente.
Seja como for, a contratação integrada é uma solução factível e eficaz para o desenvolvimento de novas atividades de infraestrutura e de modernização de serviços públicos da Administração Pública. A concepção integrada da Administração Pública com o setor privado, à luz da nova Administração Pública Consensual e Gerencial consagra a necessidade de uma relação com mais equidade e confiança sem a inflexibilidade de uma Administração Pública Formal e Subjetiva. Desta feita, a contratação integrada representa uma evolução desta nova concepção estatal. Registre-se, neste sentido, que este ajuste, em debate, trata-se de uma modelagem negocial já utilizada em países como Espanha, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos.
A Lei das Estatais vincula a contratação integrada ao regime de quando a obra ou o serviço de engenharia for de natureza predominantemente intelectual e de inovação tecnológica do objeto licitado ou puder ser executado com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado.
Ocorre que a lógica da contratação integrada, na sua essência, reside no fato de se intentar obter ganho de eficiência no momento em que se transfere para o contratado o risco do projeto, e as consequências financeiras decorrentes da imperfeição dele. Nas obras e serviços de engenharia, tal negócio jurídico mostra-se inovador em relação à lei geral de licitações e não tão avançado em relação à Lei das Estatais.
Mesmo assim, a Lei das Estatais não consagra a recomendação expressa da vantajosidade técnica e econômica que clássico Decreto da Petrobras de 1995 já sustenta há décadas. Por outro lado, no RDC, desde que técnica e economicamente justificada a contratação integrada será factível, conforme leitura do seu artigo 9º, que assim o prevê:”Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada”.
Numa leitura rasa, o agente estatal poderia até interpretar uma certa discricionariedade quanto a desnecessidade dos requisitos da vantajosidade técnica e econômica da contratação integrada. Tal discricionariedade, em sintonia com o princípio da moralidade administrativa, tende a se tornar vinculada ao agente público, pelo simples princípio da moralidade administrativa. Nota-se, portanto, uma falsa inovação legislativa.
Ora, quando sempre assim o fez, não se poderia, uma hora para outra, renunciar esta habilidade, como se a técnica fosse esquecida, repassando esta incumbência ao particular. Logo, o fundamento para adotar a contratação integrada é a necessidade de se ter uma inovação. Nesse particular, a dúvida que remanesce consiste em saber se seria possível optar pela contratação integrada quando esta contratação gere uma maior economicidade, mesmo sem se ter presente a dita inovação ou mesmo quando a Administração Pública se incumbiu de assim contratar? Neste caso, consideramos impossível que se opte pela contratação integrada. Ela reclama, como condição inexorável, que, para confeccionar o projeto básico, a Administração Pública necessite aplicar tecnologia de que não dispõe. Ou mesmo o referido objeto detenha, em seu contexto, inovações ou conhecimentos técnicos não suportados pelos recursos humanos do Poder Público. Eis porque a contratação integrada não pode ser utilizada somente baseada em um ganho de economicidade.
Desta feita, percebe-se um certo retrocesso legislativo pela falha ou lacuna técnica do legislador que foi incapaz de enfatizar os necessários requisitos negociais da vantajosidade técnica e econômica nas contratações integradas da Administraçäo Pública, seja em aplauso ao principio da moralidade administrativa ou simplesmente em sintonia com o compliance da nova gestão da setor público. Quem sabe, eventual regulamento possa efetivamente determinar tais pressupostos, de acordo com a melhor política federal de uma ponte ou, quiçá, de uma nova usina para o futuro capaz, sem por favor, de reconstruir a lei formal ou se debandar para a Lei 8.666/93!!!!