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A Dispensa Coronavírus - Nova Contratação da Administração Pública Direta e das Estatais

ANO 2020 NUM 441
Leandro Velloso (RJ)
Prof. de Direito Administrativo e de Compliance Público. Pós-Graduado em Direito Contratual pela PUC/SP. Mestrando em Direito Administrativo Assistente da Presidência da Eletrobras Furnas. Ex-Superintendente do CSC Eletrobras (2018/2020). Advogado.


21/03/2020 | 3989 pessoas já leram esta coluna. | 17 usuário(s) ON-line nesta página

Considerando a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da Infecção Humana pelo novo coronavírus (COVID-19) eis que surge a Lei 13.979 de 2020 para regulamentar a dispensa coronavírus, no âmbito das contratações públicas para o combate e prevenção exclusivamente.

Como se sabe, a regra é a licitação, ainda que a contratação a ser realizada seja emergencial.  

Assim dispõe o art. art. 4º, da Lei nº 13.979 de 2020:  

“Art. 4º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.  

§ 1º A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.  

§ 2º Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.”  

É importante esclarecer que emergência é a situação decorrente de fatos imprevisíveis que impõem imediatas providências por parte da Administração, sob pena de potenciais prejuízos. 

A compra de álcool gel por si só sem um pregão eletrônico prévio não pode ser justificada por causa do COVID-19.  É óbvio que a necessidade do produto para o uso de uma repartição pública através de um protocolo ou guia de higiene de combate ao COVID o qual exija maior consumo do que o previsto no estoque daquela administração que não pode esperar o fim de uma licitação alcança sim o objeto da lei.  

Assim, deve estar bem evidenciado caso a caso  o risco de prejuízo ou comprometimento da segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares. 

Na lição de Marçal Justen Filho: No caso específico das contratações diretas, emergência significa necessidade de atendimento imediato a certos interesses. Demora em realizar a prestação produziria risco de sacrifício de valores tutelados pelo ordenamento jurídico. Como a licitação pressupõe certa demora para seu trâmite, submeter a contratação ao processo licitatório propiciaria a concretização do sacrifício a esses valores.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Dialética, 12ª edição, 2008, p. 292). 

Comprovando que a contratação emergencial é a via adequada e efetiva para a eliminação do risco, a Administração Pública somente poderá contratar nos limites estabelecidos na lei: “dispensa de licitação é temporária", "aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de COVID-19”. 

Assim, para a configuração da contratação direta emergencial por dispensa de licitação, devem ser preenchidos os seguintes requisitos clássicos: a) Demonstração concreta e efetiva de que a aquisição de bens e insumos de saúde serão destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, sem qualquer acréscimo para atividade correlata ou indireta; b) Demonstração de que a contratação é via adequada e efetiva para eliminar o risco ou diminuir a lesão. 

A ocorrência de tais elementos  caracterizadores deverá ser explícita no processo individualizado de cada contratação.  

Importante ressaltar que a Lei nº 13.979 de 2020 estatui a necessidade de ampla divulgação dos processos de compra ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, vejamos:  

[...] § 2º Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.  

Dessa forma, toda e qualquer contratação fundamentada no art. 4º da Lei nº 13.979 de 2020 deverá ser disponibilizada na internet, contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição. 

Com efeito, neste caso particular, as exigências consistem em: - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa (justificativa do afastamento da licitação); - razão da escolha do fornecedor; - justificativa do preço; - diligências relativas à ratificação e publicação do ato de dispensa na imprensa oficial. - disponibilização em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.  

No que diz respeito à caracterização da situação de emergência de saúde pública de importância internacional que justifique a dispensa, bem como a razão da escolha do fornecedor, as observações pertinentes foram destacadas na ocasião da análise dos pressupostos para a dispensa de licitação com fulcro no art. 4º da Lei nº 13.979 de 2020, em tópico específico deste parecer, às quais nos reportamos.  

Assim, cabe apenas reiterar que a contratação de bens e insumos de saúde com fundamento no permissivo legal indicado exige que esteja bem caracterizada a situação de emergência para que se justifique a contratação emergencial.  

Com relação à justificativa do preço, trata-se de um dever imposto ao Administrador, que tem por finalidade confirmar a razoabilidade do valor da contratação, conferindo por consequência, probidade e moralidade ao ajuste.  

A necessidade da justificativa do preço decorre dos princípios da motivação, da economicidade, legalidade, legitimidade, proporcionalidade e  razoabilidade, bem como da imperiosa necessidade de se bem atender o interesse público, com o devido dever de probidade. 

Destacamos, por fim, o que o resultado não justifica os meios, conforme o entendimento do TCU:  

“A realização de uma avaliação técnica e econômica adequada ganha importância na contratação direta, que não está sujeita às correções e ajustes de valores possíveis de se alcançar, ao menos em tese, numa concorrência perfeita” (Acórdão n° 10.057/2011 – 1ª Câmara do TCU).  

Por fim, destacamos que tais regras não se vinculam às Estatais,  que estão regidas pela Lei Federal 13.303/16. Por outro lado, os requisitos da dispensa de licitação, por situação emergencial para a segurança de pessoas está prevista no art.29, inciso XV, do citado diploma legal e, portanto, possui respaldo para tal contratação direta.” 

Por derradeiro, as empresas públicas e sociedades de economia mista vinculadas à Lei  Federal 13.303/16 não foram segregadas da citada lei da dispensa do coronavírus, portanto, as Estatais devem cumprir o comando do art. 29 da Lei 13.303/16 c/c art. 4 da Lei em comento, em cumprimento ao princípio da especialidade e da segurança jurídica. 

 


Por Leandro Velloso (RJ)

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