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Prestação de Contas e Avaliação da Administração Pública pelos Resultados

ANO 2016 NUM 131
Jorge Alves Correia (Portugal)
Professor da Faculdade de Direito de Coimbra. Membro do Conselho Superior da Magistratura. Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade de Coimbra.


05/04/2016 | 6929 pessoas já leram esta coluna. | 19 usuário(s) ON-line nesta página

A democracia administrativa apenas se cumpre na sua plenitude com a assunção de um dever de prestação de contas pelos responsáveis. Trata-se de uma exigência logo inscrita, na sequência da Revolução Francesa, no artigo 15.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: “a sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração”. É a velha interrogação que atravessa quase toda a literatura política pré-liberal: “quem guarda os guardas do poder executivo”?

Na nova dogmática do direito administrativo (Neue Verwaltungsrechtswissenschaft) – que granjeia, hoje, grande notoriedade na maioria dos ordenamentos jurídicos europeus – sustenta-se a necessidade de passagem de uma “perspetiva de controlo jurisdicional para uma perspetiva centrada na própria ação administrativa”. Considerando a autonomia da função administrativa no quadro das várias funções do Estado, a categoria determinante passou, hoje, a consistir na “responsabilidade” (Verantwortung) da Administração Pública pelas escolhas que ela faz e pelos resultados que ela alcança – cfr. E. Schmidt-Assmann, “Principes de base d’une réforme du droit administrative”, Revue française de droit administratif, Mai-Juin, 2008, p. 443. A boa administração deixa de ser apenas e somente aquela que cumpre a lei (a legalidade formal) – “administração burocrática” – para passar a ser a Administração que produz resultados positivos e com impacto na coletividade – “administração de resultados”.

Também as correntes anglo-saxónicas vêm defendendo postulados idênticos. Por exemplo, a Escola do New Public Contracting coloca o acento tónico na responsabilização dos gestores pelos resultados que a agência ou o serviço administrativo se comprometeu a alcançar (cfr. a famosa obra de Peter Vincent-Jones, The New Public Contracting: Regulation, Responsiveness, Relationality, Oxford University Press, 2006): aí se propõe um modelo de administração focada nos resultados produzidos, cujos órgãos atuam segundo critérios de economia, de eficácia e de eficiência. E uma das formas de obtenção da eficiência é justamente conseguida a partir da autonomia de gestão dos serviços administrativos, cuja ação é avaliada não apenas com base no cumprimento formal da lei, mas sobretudo nos resultados obtidos, nos objetivos alcançados e nas metas atingidas (designadamente, recorrendo à fixação de metas e objetivos e aos indicadores de performance).

Por outro lado, o controlo parlamentar e o controlo judicial (controlos tradicionais) não bastam como únicas formas de fiscalização da ação da Administração Pública. O direito administrativo interessa-se, igualmente, por outras perspetivas e por outras dimensões, que operam, como um todo, e em interação constante. No groundzero desse sistema, encontramos os tribunais administrativos, aos quais compete exercer o controlo em termos estritamente jurídicos, produzindo decisões judicativas. Da mesma maneira que a ação administrativa não é apenas “conforme à lei” ou “conforme ao direito”, para Schmidt-Assmann, deve, também, a Administração responder segundo outros critérios de correção, fazendo, se necessário, intervir, paralelamente, outros mecanismos de controlo capazes de proceder à identificação de avaliações da ação administrativa pelos resultados obtidos.

Schmidt-Assmann propugna, assim, uma teoria dos controlos concebida de forma ampla ou integral, de modo a integrar a análise económica da ação administrativa, o controlo financeiro e orçamental, o controlo de qualidade, o controlo exercido pela opinião pública e pelos cidadãos e, ainda, o controlo a que a Comissão Europeia submete as diversas administrações nacionais dos Estados Membros Europeus.

Quer isto significar que a iniciativa de exercer o controlo democrático (controlo, vigilância e avaliação dos resultados das atuações administrativas) deve, também, ser realizada no espaço da cidadania informada, crítica, responsável e empenhada. Sem cidadania ativa, dissolve-se o dever de prestação de contas e esvazia-se o sentido do conceito de responsabilidade.

A meu ver, a democracia administrativa supõe a ideia de democracia de contribuintes (a postular uma revisão do princípio “no taxation without representation” pelo princípio “no representation without taxation”). Por esta via, visa-se aprofundar algumas formas inovatórias de o poder administrativo prestar contas à comunidade pelo recursos económicos gastos, pelas expetativas que cria (responsiveness) e pelas ações que executa (accountability).

Para além do parlamento e dos tribunais, cada cidadão, enquanto membro ou “associado” da grande associação política denominada Estado, assume uma responsabilidade própria, no que toca ao modo como as entidades administrativas realizam a gestão de recursos escassos e prosseguem o interesse público.

A boa governança (good governance) exige, pois, que os agentes administrativos e os responsáveis pela direção política da administração pública tenham um dever de prestação de contas pelo que fazem, pelas decisões que tomam, mas também pelo que deixam de fazer (omissão). Só assim se cumprirá o ideal da democracia administrativa!

A terminar, um exemplo sugestivo do que acabámos de dizer prende-se com a necessidade de efetivação da accountability a partir da publicação (semestral ou anual) de relatórios de prestação de contas por alguns setores da Administração Pública. Esses relatórios devem incluir informação detalhada, envolvendo as rúbricas financeiras e contabilísticas e, ainda, indicadores de performance da atividade administrativa, designadamente sobre a análise da: qualidade e da eficiência dos serviços prestados nas várias áreas; dos tempos de resposta dos serviços administrativos; dos resultados alcançados; dos riscos assumidos e das vantagens consideradas; dos investimentos realizados, evidenciando-se custos e benefícios, desde a fase da aprovação de projetos até à fase da execução.

A produção de relatórios deste tipo não apenas fomenta a transparência da atividade administrativa, como permite a realização de uma avaliação, positiva ou negativa, das opções tomadas (finalidades e prioridades) e do modo como se vai realizando a gestão de recursos escassos para a obtenção de utilidades públicas. Num ponto ótimo de evolução para um tal modelo, os mencionados relatórios de prestação de contas deveriam ainda inscrever rúbricas acerca das opções tomadas pelas agências ou órgãos da Administração Pública, incluindo rúbricas como: os “interesses”, as “expetativas e preferências dos cidadãos” (responsiveness), o apuramento do grau de efetividade das soluções alcançadas (effectiveness) e o impacto das decisões sobre a coletividade. Isso permitiria tocar a chamada zona de mérito de decisão dos agentes administrativos e sujeitá-la ao escrutínio dos cidadãos.



Por Jorge Alves Correia (Portugal)

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