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Mudança nas licitações

ANO 2015 NUM 17
Joel de Menezes Niebuhr (SC)
Advogado. Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Professor de cursos de pós-graduação. Ex-Presidente do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina.


23/11/2015 | 7408 pessoas já leram esta coluna. | 11 usuário(s) ON-line nesta página

O Senado Federal converteu em lei a medida provisória que estendeu o RDC (Regime Diferenciado de Contratação) para todas as licitações de infraestrutura, com a expectativa de sanção da Presidente da República. A forma é inconstitucional, porque as medidas provisórias pressupõem urgência, o que, evidentemente, não ocorre na espécie. Dito isso, sem retirar relevância da inconstitucionalidade, proponho uma discussão de fundo, muito em razão da fragilidade das nossas licitações, disciplinadas pela Lei nº 8.666/93. A nossa Lei de Licitações é longa demais, extremamente detalhista e burocrática, utiliza conceitos inadequados, as opções de mérito são equivocadas, é rigorosa na forma e frouxa na substância.

A Lei nº 8.666/93 foi aprovada pelo Congresso logo depois do impeachment do Presidente Collor. À época, o sentimento da Sociedade era que havia muita corrupção, que os agentes públicos eram corruptos e que a corrupção era causada pela fragilidade do sistema legal sobre licitações. Então, a Lei foi construída com base em desconfiança, com o propósito de acabar com a corrupção. Obviamente, não fomos bem sucedidos, porque lei alguma consegue vencer a corrupção. Vencer a corrupção é mais difícil, alterar a legislação não é suficiente.

Em vez de acabar com a corrupção, fizemos uma Lei que desconfia dos agentes administrativos, que lhes retirou a autoridade. A nossa licitação transformou-se numa espécie de gincana de documentos, procedimento extremamente formalista e litigioso, que afasta o Poder Público da proposta mais vantajosa e, no final das contas, no meio desse emaranhado indecifrável de regrinhas, abre espaços para a corrupção, justamente o que pretendíamos evitar.

Não é novidade que a Lei nº 8.666/93 não funciona. Desde que nasceu, nós tentamos substituí-la. O Governo propôs diversos projetos de lei, o primeiro foi  submetido à consulta pública já em 1996. Atualmente, conforme relatório do Senado Federal, tramitam no Congresso Nacional cerca de mil projetos de lei que pretendem substituir ou reformar a Lei nº 8.666/93. É óbvio que essa barafunda legislativa não leva a lugar algum.

Não tivemos competência técnica e política para substituir a Lei nº 8.666/93. Sem fazer o que precisa ser feito, contentamo-nos com o que era supostamente possível. Produzimos uma série de outras leis e normas administrativas sobre licitações que ombreiam com a Lei nº 8.666/93. Hoje, os agentes públicos trabalham com, pelo menos, duas dezenas de diplomas normativos diferentes sobre licitações, contraditórios entre si. É verdade que houve algum avanço, como a modalidade pregão. Entretanto, no geral, os problemas apenas se agravaram, as licitações estão cada vez mais distantes de um resultado satisfatório e essa profusão de normas instaurou sensação enorme de insegurança jurídica. Tudo em licitação ficou muito controvertido e complicado

E daí surgiu o RDC, inicialmente com a mira voltada para as licitações da Copa do Mundo e da Olimpíadas. De fato, ele é mais moderno e rápido. Então, por meio de sucessivas medidas provisórias, o Governo foi ampliando o uso do RDC para vários segmentos, inclusive para as obras do desidratado PAC. Em 2014, o Governo foi mal sucedido em tentar estendê-lo para todas as licitações. E agora, de cambulhada, o Senado permitiu que fosse utilizado para as licitações de infraestrutura. Pode-se antever que as obras de engenharia ficarão com o RDC e as demais contratações com a modalidade pregão. No entanto, a Lei nº 8.666/93 não foi aposentada, conquanto já não reine sozinha. Ela continua podendo ser utilizada para qualquer licitação, oferece os conceitos gerais e é somente ela que trata dos casos de dispensa e inexigibilidade, bem como das normas sobre os contratos administrativos, que são de suma importância.

A principal crítica direcionada ao RDC é que ele autoriza o lançamento de licitações de obras sem projeto básico, apenas com um anteprojeto, mais superficial, que permitiria favorecimentos. É preciso esclarecer que essa possibilidade é exceção no RDC, cabe apenas numa das espécies de empreitada, chamada contratação integrada, que somente pode ser utilizada para objetos inovadores, com tecnologia de domínio restrito ou com possibilidade de execução por meio de diferentes metodologias. O TCU já impôs restrições ao uso da contratação integrada (Acórdão nº 1399/2014, Plenário), o que, diante desse novo espectro, é oportuno que seja reforçado. Com a contratação integrada no seu verdadeiro lugar, o RDC pode trazer avanços e oferecer uma dose de oxigênio à Administração Pública. É uma meia solução, tem lá seus problemas, mas pode ajudar.



Por Joel de Menezes Niebuhr (SC)

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