Jaime Barreiros Neto (BA)
A urna eletrônica, instituída nos anos 1990, representou um grande avanço na busca da garantia da normalidade das eleições brasileiras, reduzindo, substancialmente, as possibilidades de fraudes nas eleições, muito comuns na época da urna de lona e das cédulas de papel.
Apesar do sucesso desta nova forma de votação, que permitiu, dentre outros avanços, uma grande celeridade no processo de apuração dos resultados, muitos são aqueles que desconfiam da urna, acreditando que a mesma pode ser violada por hackers ou manipulada para desviar os votos de um candidato para outro, alterando os resultados dos pleitos.
Contra estas dúvidas, a Justiça Eleitoral, desde a implementação do sistema eletrônico de votação, tem disponibilizado diversos meios de aferição da segurança das urnas, acessíveis ao Ministério Público, partidos políticos, candidatos e sociedade civil. Dentre estes instrumentos, podemos destacar a votação paralela, forma de auditoria realizada no dia das eleições que almeja comprovar a impossibilidade de manipulação das urnas com o objetivo de desviar votos de um candidato para outro.
De acordo com as regras da votação paralela, na véspera da eleição, urnas já preparadas e lacradas, direcionadas às seções eleitorais, são aleatoriamente sorteadas e levadas para as sedes dos tribunais regionais eleitorais, onde são auditadas no dia do pleito.
Esta auditoria consiste em uma votação simulada realizada das 08 da manhã às 17 horas do domingo da eleição, em que votos são digitados nas urnas sorteadas como se fosse uma eleição de verdade, perante testemunhas e documentação por filmagem. Encerrada a votação, apuram-se as urnas, a fim de que seja comparado o resultado apurado com aquele cantado no momento da votação simulada. Em todos os anos em que tal procedimento foi realizado, em nenhuma oportunidade, em qualquer TRE do país, houve divergência entre o resultado apurado e os votos sufragados na votação simulada, fato que comprova, estatisticamente, a confiabilidade da urna.
Uma outra suspeita sempre levantada diz respeito à possibilidade de invasão da urna eletrônica por hackers. Afinal, como muito se diz, se até os computadores do FBI, nos Estados Unidos, já foram invadidos por hackers, por que não a urna eletrônica?
Quem levanta esta suspeita, contudo, não conhece, efetivamente, o funcionamento de uma votação e de uma apuração de resultados em uma eleição brasileira, com o uso do sistema eletrônico. É impossível a invasão da urna por hackers, ameaçando a lisura dos resultados apurados, por um simples motivo: a urna eletrônica, durante todo o processo de votação, até a expedição do Boletim de Urna, não fica conectada em rede, inviabilizando, portanto, qualquer possibilidade de invasão.
Antes mesmo de ser iniciada a votação, os mesários, em cada sessão eleitoral, têm a obrigação de emitir um documento chamado de Zerésima, através do qual se demonstra que nenhum voto foi depositado, até aquele momento, na urna. Com a impressão da Zerésima, a urna fica pronta para receber os votos dos eleitores, o que começa a ocorrer às oito da manhã do dia da votação, em processo que se encerra às dezessete horas, ou até que todos os eleitores que se encontrem na fila de votação, neste horário, votem.
Encerrada a votação, os mesários emitem, através da urna, um novo documento, chamado Boletim de Urna, a partir do qual o resultado daquela urna é apurado. Cópias desse boletim são, então, distribuídas aos fiscais de partido, além de publicadas no local de votação e na sede da Justiça Eleitoral. Todo este procedimento é realizado sem que a urna esteja em rede, impossibilitando, portanto, a ação de hackers.
Somente após a emissão dos boletins de urna (BUs) é que os resultados são transmitidos, por rede, para fins de totalização junto aos TREs e TSE. Teoricamente, neste momento poderia haver invasão de hackers, mas, por outro lado, a totalização revela apenas a soma dos votos de cada urna eletrônica, já apurados através da emissão dos BUs. Qualquer mudança, portanto, seria facilmente contestada com a apresentação de cópias desses documentos, os quais, como já afirmado, são distribuídos para todos os partidos e Ministério Público, além de publicados no local de votação e na sede do órgão da Justiça Eleitoral.
Como se observa, os principais argumentos suscitados para levantar suspeitas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas são facilmente refutáveis. Apesar disso, o Congresso Nacional brasileiro resolveu, por meio da Lei nº. 13.165/15, instituir, a partir das eleições gerais de 2018, o voto impresso no país, alegando a necessidade de uma maior transparência na apuração das eleições.
Com o apoio de muitos setores da sociedade, o Congresso Nacional incluiu o artigo 59-A à Lei das Eleições, assim dispondo:
Art. 59-A. No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.
Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.'
Além disso, o artigo 12 da própria Lei 13.165/15, também dispondo sobre a impressão do voto, assim dispôs:
Art. 12. Até a primeira eleição geral subsequente à aprovação desta Lei, será implantado o processo de votação eletrônica com impressão do registro do voto a que se refere o art. 59-A da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.
Alegando, contudo, o alto custo que seria gerado pela necessidade de adaptação das urnas eletrônicas de todo o país para o atendimento das novas regras de impressão dos votos, previsto em algo em torno de dois bilhões de reais, a presidente Dilma Rousseff achou por bem vetar os dois artigos citados, pondo fim, momentaneamente, ao projeto de impressão dos votos nas eleições.
Em 18 de novembro de 2015, contudo, em sessão conjunta do Congresso Nacional, o veto presidencial terminou sendo derrubado por ampla maioria, fazendo com que a regra da impressão do voto passasse a valer, a partir das eleições gerais de 2018. Em 25 de novembro de 2015, foi publicada no Diário Oficial da União a promulgação dos novos artigos de lei pela presidente da república, em conformidade com o art. 66, § 5º da Constituição Federal de 1988.
Aparentemente inofensiva, ou até mesmo louvada como um avanço democrático, a nova regra referente à impressão dos votos representa, contudo, muito mais um retrocesso do que uma evolução. Como já observado, já existem, atualmente, diversos meios de comprovação da segurança das urnas eletrônicas, os quais refutam, quase que por completo, as críticas comumente apresentadas ao sistema eletrônico de votação.
Muitos poderiam argumentar que a existência de mais um meio de comprovação desta segurança em nada prejudicaria a democracia, contribuindo, ao contrário, para a lisura do processo eleitoral. Ocorre, contudo, que a impressão dos votos traz novos problemas, que vão muito além dos altos custos da sua implantação.
O principal problema que vislumbramos com o novo procedimento de votação diz respeito à impossibilidade de comprovação, pelos mesários, fiscais de partido, ou mesmo pelos juízes eleitorais, de eventuais distorções eventualmente alegadas por eleitores durante as votações. Hipoteticamente, nada impede que um grupo de quatro ou cinco eleitores, usando da má-fé, aleguem que o voto dado a um candidato não corresponde àquele que foi impresso pela urna, levantando a suspeita de fraude na votação. Pergunta-se: como saber se os referidos eleitores estão falando a verdade? O voto continuará secreto, respeitando a cláusula pétrea prevista no artigo 60 da Constituição Federal, não sendo possível a ninguém, além do próprio eleitor, verificar se o voto computado foi exatamente conferido ao candidato que consta do voto impresso pela urna. Se quatro ou cinco eleitores de uma mesma sessão eleitoral alegarem, seguidamente, erros na urna eletrônica, muito provavelmente haverá um tumulto que impedirá o prosseguimento do processo de votação, o qual poderá culminar até mesmo em pedidos de nulidade da urna, com impactos no resultado final do pleito. Como evitar esta possibilidade fática?
Além disso, na década de 1990, quando a urna eletrônica ainda era novidade, foi realizada uma experiência com voto impresso nada satisfatória. Várias urnas quebraram, atrasando a votação e a apuração dos resultados. Esta possibilidade, cada vez mais rara, poderá se tornar novamente comum, prejudicando o bom andamento dos trabalhos eleitorais.
Acreditamos, assim, que a impressão dos votos, válida a partir das eleições gerais de 2018, nada acrescenta ao objetivo do direito eleitoral de promover a normalidade do exercício do poder de sufrágio popular. Ao contrário, a nova regra legal poderá, potencialmente, criar perigosas situações de anormalidade, capazes de desestabilizar as eleições vindouras, com graves prejuízos ao Estado Democrático de Direito.