Gabriel Dias Marques da Cruz (BA)
O amicus curiae representa um dos mais festejados institutos no âmbito da Jurisdição Constitucional. Usualmente chamado de “amigo da Corte”, vem sendo alvo de inúmeras pesquisas, que normalmente apontam o avanço democrático na aceitação de que órgãos e entidades participem do processo decisório do Supremo Tribunal Federal, elevando a sua legitimidade.
O objetivo deste breve artigo é o de enfrentar uma controvérsia mais específica, e que diz respeito à viabilidade da habilitação de pessoa física como amicus curiae em processos de controle concentrado no STF, tendo por referência a conhecida ação direta de inconstitucionalidade genérica.
Neste sentido, contempla três tópicos: (1) conceito e significado do amicus curiae; (2) natureza jurídica do amicus curiae; (3) pessoa física como amicus curiae em ADI?
Tradicionalmente, os processos de controle concentrado de constitucionalidade são dotados de etapas formais rigorosas quanto à oitiva das autoridades antes da decisão final do STF. Neste sentido, tomando por base a lei regulamentadora da ADI (Lei n° 9.868/99), normalmente espera-se que três sejam ouvidas durante o procedimento: (1) os órgãos e autoridades responsáveis pela edição do ato ou texto impugnado (artigo 6º da Lei n° 9.868/99); (2) o Advogado-Geral da União (artigo 8º da Lei n° 9.868/99); (3) o Procurador-Geral da República (artigo 8º da Lei n° 9.868/99). Tais autoridades trarão subsídios para que o STF decida com maior embasamento.
Ocorre que, além dos casos descritos, a Lei n° 9.868/99 também consagrou uma maior participação democrática no âmbito procedimental, aceitando a atuação do amicus curiae e a possibilidade de realização de audiências públicas no decorrer da ação. Com isso, tem-se a chance de uma abertura do Supremo para ouvir a sociedade, que passa a participar do importante processo de interpretação constitucional.
Ambos os institutos desfrutam deste status democratizador, e guardam harmonia com as visões do Professor Peter Häberle, na medida em que sustentou a conhecida tese da “sociedade aberta de intérpretes da Constituição” (v. por exemplo, VALADÉS, Diego. Conversas acadêmicas com Peter Häberle (organizador). São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 43 e 171).
Adotarei como recorte, para o fim específico deste trabalho, a discussão do amicus curiae na ação direta de inconstitucionalidade genérica, já que funciona como parâmetro para os demais processos de fiscalização abstrata.
Tendo por base as limitações de espaço tornar-se-á impossível examinar a influência internacional e histórica do instituto (neste sentido, cf. MEDINA, Damares. Amigo da Corte ou Amigo da Parte? Amicus Curiae no Supremo Tribunal Federal. Dissertação de Mestrado. Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, 2008, pp. 32-51; cf. MACIEL, Adhemar Ferreira. “Amicus curiae”: um instituto democrático. Revista de Informação Legislativa. Brasília. a. 38 nº 153, jan. /mar., 2002, pp. 7-9)
Ademais, o recorte escolhido tem por base uma legislação específica – neste caso, a Lei nº 9.868/99 – deixando de contemplar as diversas legislações que versam sobre o tema no Brasil (para uma visão a respeito, v. LIBERAL, José Roberto Bernardi; NETO, Zaiden Geraige. A Participação Popular na Formação do Convencimento do Julgador. Revista Direito, Estado e Sociedade. Nº 44. Jan./ Jun. 2014, pp. 68-70).
No caso, em particular, do amigo da Corte em ADI, tem-se a previsão normativa no artigo 7º, §2º, da Lei n° 9.868/99, que contempla a regra de que o Relator da ação no Supremo pode, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, admitir a manifestação de outros órgãos e entidades. Logo, o órgão ou entidade que desejam integrar a ação precisam manifestar, perante o Relator, o seu pedido de habilitação, que, uma vez aceito, assegura a sua atuação argumentativa junto ao STF.
Ocorre que, uma vez consagrada a viabilidade de sua participação, questiona-se qual seria a natureza jurídica do amigo da Corte, providência importante justamente para saber qual o regime jurídico a ele aplicável, e que poderes teria em juízo.
A discussão sobre a natureza jurídica do amigo da Corte se inicia com uma previsão normativa curiosa, inserida no caput do artigo 7º da Lei n° 9.868/99.
Nele, a legislação expressamente proíbe a intervenção de terceiros em processo de ação direta de inconstitucionalidade. Trata-se de vedação compreensível, já que tais processos são normalmente conhecidos como processos objetivos, nos quais prepondera a defesa abstrata da própria Constituição. Diferem, portanto, dos chamados processos subjetivos, nos quais se fala sobre conflito de interesses e prevalência de posições individuais.
A aceitação da tese de que os processos de controle concentrado são processos objetivos faz com que sejam reconhecidos certos traços peculiares neste tipo de ação, cuja finalidade central está voltada para assegurar a guarda da Constituição. Não faz sentido, portanto, imaginar que um terceiro específico teria interesse para ingressar na ação, cujo perfil aproveita o interesse público de extirpar da ordem jurídica leis e atos normativos tidos por inconstitucionais. A ação direta de inconstitucionalidade funciona como veículo que conduz ao Supremo a afirmação de que alguma lei ou ato normativo viola a Constituição. Há interesse geral, e não específico e particularizado, em saber o desfecho desta demanda.
Ocorre que, embora haja a vedação da intervenção de terceiros, o mesmo dispositivo legal permite, em seu §2º, a atuação do amicus curiae.
O órgão ou a entidade precisam, em seu processo de habilitação como amigo da Corte perante o Relator, comprovar dois fatores: (1) a relevância da matéria, o que evidencia que a participação deve ser aceita em casos de maior impacto jurídico-social, por exemplo; (2) a sua representatividade, o que corresponde ao fato de que a instituição que pretende participar deve ser uma porta voz legítima dos interesses que procurará defender.
A doutrina construiu diversas explicações para a natureza jurídica do amigo da Corte, sendo exemplo a muito citada tese de que corresponderia a uma intervenção de terceiros especial ou peculiar, de caráter sui generis (BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no Projeto de Novo Código de Processo Civil. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, nº 190, abr./jun. 2011, p. 115; CABRAL, Antônio do Passo. Pelas Asas de Hermes: a intervenção do amicus curiae, um terceiro especial. Revista de Direito Administrativo. Nº 234. out./dez. 2003, pp. 116-119; FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 1161).
Há quem nele visualize, contudo, uma forma qualificada de assistência (BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus Curiae – a democratização do debate nos processos de controle de constitucionalidade. Revista CEJ. Brasília. n. 19, out. /dez. 2002, p. 88). O debate, todavia, não pode ser aprofundado nos estreitos limites deste trabalho.
Trata-se, por certo, de um terceiro admitido para auxiliar o Juízo, sem que se confunda com as partes (AGRA, Walber de Moura. Aspectos controvertidos do controle de constitucionalidade. Salvador: JusPODIVM, 2008, pp. 140-143; TALAMINI, Eduardo. Amicus curiae no CPC/15. Portal Migalhas, 01/03/2016), tendo, portanto, uma espécie de “interesse moral na lide” (XIMENES, Julia Maurmann. O Supremo Tribunal Federal e a cidadania à luz da influência comunitarista. Revista Direito GV. Nº 6 (1). jan./ jun. 2010, p. 134).
Habitualmente, os amigos da Corte passam a gozar de ao menos dois benefícios no processo de controle concentrado, que contemplam a realização de sustentação oral (artigo 131, §3º, do RISTF) e a juntada de memoriais.
Uma vez examinadas os traços gerais do amigo da Corte, cabe analisar a questão central desta pesquisa: poderia a pessoa física ser aceita como amiga da Corte em ADI?
A referência normativa que contempla o amigo da Corte na Lei da ADI menciona, expressamente, que a habilitação deve ser formulada por órgão ou por entidade, nos termos do já citado §2º do artigo 7º.
Uma interpretação literal, portanto, alcançaria a conclusão de que não há espaço para falar na atuação de pessoa física neste particular (neste sentido, cf. CARDOSO, Oscar Valente. Pessoa natural pode ser amicus curiae no STF? Revista Jus Navigandi. Teresina, ano 18, n. 3634. 13 jun 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24706. Acesso em: 17 abr. 2017).
Mas qual seria o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema?
Merece atenção a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 659424/RS (DJE nº 246, 13/12/2013). Nela o Ministro Relator, Celso de Mello, evidencia o entendimento do STF no sentido de negar, por falta de representatividade adequada, a pessoas físicas ou naturais, a possibilidade de intervenção, como amicus curiae, em recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida.
No âmbito específico da ação direta de inconstitucionalidade, tema alvo desta pesquisa, deve-se examinar a ADI 4178/GO, da Relatoria do Ministro Cezar Peluso. Nela foi proferida decisão importante, no seguinte sentido:“(...) Não assiste razão ao pleito de Humberto Monteiro da Costa, Isabella Spínola Alves Corrêa, Luiz Antônio Ferreira Pacheco da Costa e Emmanuel Lopes Tobias, que requerem admissão na condição de amici curiae. É que os requerentes são pessoas físicas, terceiros concretamente interessados no feito, carecendo do requisito de representatividade inerente à intervenção prevista pelo art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, o qual, aliás, é explícito ao admitir somente a manifestação de outros “órgãos ou entidades” como medida excepcional aos processos objetivos de controle de constitucionalidade (...) (ADI 4178, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 07/10/2009, publicado em DJe-195 DIVULG 15/10/2009 PUBLIC 16/10/2009)”
A mesma linha decisória foi mantida nos autos da ADI 3695/DF, da Relatoria do Ministro Teori Zavascki, como se depreende do trecho exposto a seguir:
“(...) A simples invocação de interesse processual no deslinde de discussão constitucional submetida na ADI não é apta a ensejar a habilitação automática do postulante José Augusto de Castro. Além disso, por ser pessoa natural (e não jurídica), não possui a representatividade exigida pelo § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99. Apesar de, excepcionalmente, em questão de ordem no MS 32033, o Plenário ter admitido por maioria a admissão de uma pessoa natural como amigo da Corte, referido dispositivo legal restringe apenas às pessoas jurídicas, e não pode ser confundido com § 1º do art. 9º da Lei 9.868/99, que permite a oitiva de pessoas naturais em audiência pública (...) (ADI 3695, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 09/04/2014, publicado em DJe-073 DIVULG 11/04/2014 PUBLIC 14/04/2014)”.
Merecem exame os autos da ADI 3396/DF, no qual há discussão sobre a recorribilidade da decisão do Relator que não acolhe o pedido de habilitação de amicus curiae, tratando-se de pessoa física requerente, no caso. Em decisão publicada no dia 24/02/2011, o Ministro Relator entendeu que:
“(...) nada pode justificar o ingresso, nestes autos, do ora peticionário, ainda que na qualidade de "amicus curiae", eis que o requerente em questão não se ajusta à condição especial exigida pelo § 2º do art. 7º da Lei nº 9.868/99, que se mostra inaplicável às pessoas físicas (ou naturais) em geral.
Sobreveio a interposição, pelo prejudicado, de agravo regimental da decisão de indeferimento de sua habilitação como amicus, pleiteando o seu ingresso com amparo nos princípios constitucionais da cidadania e do direito de petição. Contudo, ainda não consta julgamento definitivo do agravo regimental, sendo aguardado voto de desempate da Ministra Carmen Lúcia (Ata nº 15, DJE nº 113, 02/06/2016; cf. Informativo nº 665).
Em síntese, o Supremo tem, historicamente, adotado uma visão mais literal a respeito do tema, enxergando a falta de representatividade como obstáculo ao reconhecimento da pessoa física na condição de amiga da Corte em ADI.
Há, contudo, uma chance de inovação em sua jurisprudência, tendo por base o ainda pendente julgamento da ADI 3396/DF. Na respectiva movimentação processual é possível encontrar petição do agravante, datada de 21/03/2016, e que invoca, inclusive, a chegada do Novo Código de Processo como argumento para a sua aceitação como amicus curiae na ADI.
Com efeito, no ano de 2015, a chegada do Novo Código de Processo Civil trouxe uma novidade para o regramento do amigo da Corte: a aceitação da pessoa natural como amiga da Corte, também dependente do crivo judicial quanto à sua habilitação.
A novidade recebeu aplauso doutrinário, justamente na perspectiva de fazer com que a atuação de pessoas físicas, comuns em audiências públicas no controle concentrado, viesse a ser aceita como amicus curiae (neste sentido, cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no Projeto de Novo Código de Processo Civil. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 48, nº 190, abr. / jun. 2011, p. 118).
Foi muito lembrada, ainda, a importância da atuação do amicus curiae para a formação de precedentes, preocupação especial do NCPC. Torna-se muito mais legítima a decisão a ser aplicada com a garantia da ampla participação em seu processo de construção, o que revela significado ainda maior em se tratando da elaboração de precedente, como já se nota desde o Direito Imperial (neste sentido, cf. DIDIER JR. Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. Formação do Precedente e Amicus Curiae no Direito Imperial Brasileiro: o interessante Dec. 6142/1876. Revista de Processo. Ano 38, nº 220, 2013, pp. 413-415).
A importante Lei n° 13.105/2015 contempla o amicus curiae no âmbito do artigo 138, que integra o Título III, dedicado, justamente, à Intervenção de Terceiros.
Nele há referência expressa ao fato de que o juiz ou o relator poderá, tendo por base a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, cujos poderes serão definidos pelo próprio magistrado, nos termos do §2º do artigo 138.
Percebem-se, portanto, algumas diferenças entre a Lei da ADI e o Novo CPC em relação ao instituto do amigo da Corte, como retrata a tabela a seguir:
Amigo da Corte – Lei da ADI |
Amigo da Corte - NCPC |
Requisitos: relevância da matéria e representatividade dos postulantes |
Requisitos: relevância da matéria, especificidade do tema, repercussão social da controvérsia e representatividade adequada |
Postulantes: órgãos ou entidades |
Postulantes: pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada |
Poderes: sustentação oral e juntada de memoriais, segundo a jurisprudência do STF e previsão no Regimento Interno |
Poderes: definição dos poderes deriva de decisão do Juiz ou do Relator (§2º do artigo 138 do NCPC) |
A comparação entre ambas as regulamentações evidencia que o Novo Código de Processo Civil traz uma previsão mais cuidadosa acerca do amigo da Corte. É mais cuidadosa nos requisitos exigidos para aceitação, além de ser mais completa e democrática, pois alberga pessoa natural, jurídica, órgão ou entidade especializada.
Contudo, a regulamentação trazida pelo Novo Código de Processo Civil para o instituto do amigo da Corte não pode ser transplantada, automaticamente, para a regulação do tema em sede de ação direta de inconstitucionalidade.
Importante citar, aqui, dois argumentos para a referida conclusão:
(1) o Novo CPC representa lei geral sobre procedimentos no Brasil, utilizada de forma subsidiária em relação a processos específicos. Neste caso, tem-se uma relação entre lei geral (NCPC) e lei especial (Lei da ADI), sendo que as regras tradicionais de solução de antinomias recomendam a prevalência, de forma notória, da norma especial, tendo por base os traços específicos e diferenciados no processamento da ação direta;
(2) ademais, a lógica do processo objetivo, típica da legislação de controle concentrado principal, possui peculiaridades ante o Novo Código, o que enseja uma análise cuidadosa da viabilidade, ou não, do transporte de categorias entre os diferenciados âmbitos legislativos.
Tais argumentos não significam, contudo, proibição para que pessoas físicas sejam aceitas como amigas da Corte em processos de ADI. Exigem, em verdade, um ônus argumentativo maior para a aceitação de pessoa natural nesta condição, diante da ausência de expresso permissivo legal e diferenciação das características da ambiência normativa do Novo Código diante da Lei da ADI.
Uma vez tendo sido realizadas tais observações, cabe salientar ser extremamente recomendável e conveniente a aceitação de pessoa física como amiga da Corte em processos de controle concentrado no STF.
Tal aceitação ensejaria nítida elevação da legitimidade democrática das decisões. Muito embora já tenha havido um acréscimo de teor democrático e participação social com a permissão, nos termos da Lei da ADI, da manifestação de órgãos e entidades, a atuação da pessoa física pode vir a somar informações relevantes para o desfecho de importantes questões na Corte. É possível cogitar que alguma pessoa física de grande notoriedade e respeitabilidade venha a trazer depoimento ou contribuição importante sobre algum assunto, ajudando a resolver controvérsias em curso no STF de forma a enriquecer as contribuições já fornecidas por órgãos e entidades.
Evidentemente, a aceitação da pessoa natural como amiga da Corte enfrentará um óbice prático, relativo à possível grande quantidade de pedidos formulados ao Supremo. Para enfrentá-lo, entretanto, basta construir fórmulas de limitação. Sugiro duas, a seguir:
(1) uma filtragem não apenas de representatividade, como cita a Lei n° 9.868/99, mas, no caso específico da pessoa física, da exigência de uma espécie de representatividade qualificada. Seria caracterizada, por exemplo, pelo notável saber (jurídico ou extrajurídico) e reputação ilibada do postulante, de modo a evitar a proliferação, incompatível com o processo objetivo, de número excessivo de pessoas físicas participantes, assegurando a presença apenas das que comprovarem o caráter diferenciado de sua atuação, apta a projetar argumentos importantes para o processo;
(2) a possível limitação do número de postulantes aceitos por ação, de modo a evitar o acúmulo indesejado de diversos pretendentes. Esta limitação encontra precedente em prática adotada pelo próprio Supremo, no que diz respeito à apreciação curricular dos que pretendem falar em audiências públicas, sendo a seleção dos participantes examinada pelo Ministro Relator (art. 154, parágrafo único, III, do RISTF). Um exemplo desta seleção curricular pode ser ilustrado pela convocação da audiência pública referente aos sucessivos casos de bloqueio do aplicativo WhatsApp, alvo da ADPF 403/SE, da Relatoria do Ministro Edson Fachin (DJE nº 253, de 28/11/2016).
É possível invocar uma leitura generosa da Lei n° 9.868/99 no sentido de que órgãos e entidades ali mencionados como amigos da Corte são apenas exemplos, não taxativos, de uma realidade mais ampla de democratização responsável da participação junto ao Supremo. O caráter plural da participação no procedimento decisório contribui para elevar o sentimento de legitimidade do resultado, o que foi devidamente abraçado, com razão, pelo advento do Novo Código de Processo Civil.
A aceitação, acompanhada da filtragem necessária, da pessoa física como amiga da Corte em processos de controle concentrado no Supremo representará a consagração de uma democratização responsável, procedimentalmente enriquecida e compromissada com maior legitimidade decisória.
O amigo da Corte representa instituto capaz de elevar o grau de legitimidade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado abstrato. A sua consagração expressa pela Lei nº 9.868/99 trouxe avanço para maior grau de participação democrática no procedimento decisório. Todavia, a menção legal a órgão ou entidade enseja dúvidas quanto à viabilidade da aceitação da pessoa física como amiga da Corte em ADI.
O STF deve realizar uma interpretação generosa da participação democrática em sede de jurisdição constitucional concentrada no sentido de também admitir a pessoa física como amiga da Corte em processos dotados de tamanho interesse coletivo.
Esta conclusão não deriva da aplicabilidade automática do Novo Código de Processo Civil à ADI, mas sim da percepção de que a pessoa física como amicus curiae tem a aptidão de servir como instrumento ampliador de legitimidade decisória do STF. Sua habilitação deve estar fundada em representatividade qualificada, de modo a filtrar eventual número excessivo de participantes e garantir harmonioso transcurso procedimental.
Os ganhos para a democracia serão muito maiores caso o Supremo assegure a viabilidade de habilitação do amigo da Corte como pessoa física em ADI, providência que, uma vez acompanhada dos devidos cuidados formais, pode assegurar um julgamento rico, diversificado e mais plural.