Fernando Vernalha Guimarães (PR)
Nossa lei de PPP completou dez anos no início de 2015, com um saldo de apenas 86 contratos formalizados no país. É pouco. Apesar disso, é perceptível nos últimos anos um interesse cada vez maior das Administrações pelo modelo, o que se explica pelo expressivo número de PMIs desencadeados para esse fim, especialmente no nível municipal. O cenário já permite antever o protagonismo dos municípios para o próximo ciclo das PPPs, com aplicações em segmentos como saneamento, mobilidade urbana, iluminação pública, construção de escolas e hospitais etc.
Apesar do crescente interesse, ainda há entraves relevantes que vêm inibindo o desenvolvimento de um ciclo mais intenso de PPPs nos municípios. Quatro gargalos são mais evidentes.
Em primeiro lugar, observa-se um déficit de capacitação técnica nos quadros municipais para o processamento das PMIs, assim como para proceder às avaliações e aferições atinentes aos estudos, levantamentos e projetos, e, inclusive, ao controle e fiscalização da execução do contrato de PPP. Essa capacitação afigura-se crucial para dotar as Administrações de condições suficientes para o desencadeamento de programas de PPP, reduzindo a assimetria informacional e minimizando o risco de captura do interesse coletivo pelo interesse privado.
A realidade de muitos municípios, no entanto, não permite a ampliação e a profissionalização de seus quadros, restando o recurso à contratação de consultoria externa de apoio para esse fim. Um ajuste legislativo desejável para atenuar os riscos de projetos mal estruturados ou mal fiscalizados estaria na exigência de auditorias técnicas e financeiras como um passo prévio e necessário ao desencadeamento da licitação da PPP. Sob um contexto de assimetria informacional e ausência de condições técnicas das Administrações em acompanhar a gestação de programas de PPPs, expedientes como as auditorias passam a ser uma ferramenta fundamental para zelar pela correção e adequação técnica e financeira dos projetos.
Outras vias que concorrem para atenuar essas dificuldades estão nas redes de cooperação (como a rede intergovernamental de PPPs) entre entidades e órgãos públicos, voltadas à troca de informação e de experiências adquiridas com a estruturação de contratos de longo prazo, assim como o desenvolvimento de centros de excelência regionais, para oferecer treinamentos e difundir as melhores práticas para a produção de estudos e projetos de PPP.
Em segundo lugar, é notável a dificuldade de muitos municípios em estruturar garantias eficazes para acautelar investidores e financiadores de longo prazo. Talvez aqui resida um dos pontos mais emblemáticos da escassez de programas de PPP. Sem garantias adequadas, ou não se tem o interesse do mercado ou se esbarra em custos financeiros muito elevados para a estruturação desses contratos.
Vale lembrar que as garantias têm um papel importante para acautelar os financiadores em relação a certos riscos que se associam a peculiaridades do regime jurídico aplicável às Administrações. O sistema de pagamento de crédito constituído judicialmente contra o Poder Público, por exemplo, chamado sistema de precatórios, é algo que gera incertezas e atrasos no recebimento de indenizações e ressarcimentos que o parceiro privado possa vir a ter contra o parceiro público. Sempre que o parceiro público for uma pessoa com personalidade direito público (Administração direta e autarquias, por exemplo), esse risco estará presente. Outro ponto envolve as chamadas prerrogativas do Poder Público: a possibilidade de o contrato ser rescindido ou anulado unilateralmente pelo parceiro público, por exemplo. A isso deve-se somar ainda a desconfiança do mercado em relação à pontualidade dos pagamentos públicos, fruto de um histórico de inadimplementos e atrasos cometidos pelas Administrações contratantes, gerando-se um déficit de credibilidade da Administração cumpridora de contratos.
É evidente que toda essa insegurança estará precificada nas ofertas propostas à Administração, elevando-se os chamados custos de transação na contratação administrativa. As garantias públicas funcionam, neste contexto, como uma via para gerar economias importantes para o financiamento dos projetos de PPP. Em muitos casos, inclusive, será um pressuposto necessário para despertar o interesse do mercado, criando condições para uma licitação competitiva.
Em relação a isso, é necessário refletir-se sobre alternativas para facilitar a estruturação de garantias pelos municípios, o que passa pela utilização de receitas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e pelo recurso à utilização de fundos federais. Antes disso, porém, há um exercício a ser feito em relação à configuração do perfil econômico-financeiro dos projetos. Num cenário de escassez de garantias públicas, pode ser conveniente optar-se por estruturas que evitem a concentração de investimentos em obras e ativos no início da execução da PPP, diluindo-se, tanto quanto possível, o investimento em CAPEX ao longo do período de execução do contrato. Isso reduz a exposição do capital privado a riscos, melhorando as condições para o financiamento do projeto.
Em terceiro lugar, há um problema conjuntural de retração do mercado financiador. Atualmente, não há financiamentos disponíveis a custos acessíveis para projetos estruturantes, o que vem limitando a financiabilidade dos programas de concessões e PPPs. Isso é agravado num momento de incertezas e instabilidade político-institucional e econômica pelo qual passa o país. Algumas iniciativas governamentais vêm sendo adotadas para facilitar as vias de financiamento. As medidas recentemente editadas pelo governo federal para estimular as debêntures de infraestrutura (criadas pela Lei no 12.431/2011), visando ampliar a participação de entidades abertas de previdência na aplicação desses títulos (Resolução 4.449/2015, do Conselho Monetário Nacional – CNM) são um exemplo. Outros esforços, no entanto, são demandados, como o desenvolvimento legislativo mais específico sobre a disciplina de garantias ao agente financiador (step in rights).
Lembre-se também que a qualidade do projeto (mais particularmente, da matriz de riscos e obrigações da PPP), assim como a qualidade e eficácia das garantias públicas são fatores que influem diretamente nas condições para o financiamento da PPP.
Por fim, é relevante perceber que a legislação foi bastante especifica e restritiva em relação à gestão fiscal dos contratos de PPP. Há uma série de limites instituídos, com vistas a evitar que o risco de desequilíbrio fiscal gerado pela assunção de compromissos financeiros de longo prazo assumidos pelo Poder Público. Além do controle de fluxo (paygo) e do controle de endividamento (estoque da dívida pública), a Lei Geral de PPP instituiu uma limitação de 5% da receita corrente líquida anual para a assunção de despesas de caráter continuado assumidos em programas de PPP. Ultrapassar esse limite significará a proibição para que a União realize transferências ou conceda garantias a estados e municípios. O problema é que, de um modo geral, esse limite tem se revelado bastante restritivo para os municípios, funcionando como um fator inibidor para o desencadeamento de programas de PPPs. Além disso, não parece adequado instituir generalizadamente limite dessa ordem para a assunção de despesas em PPP, uma vez que em muitos casos as despesas públicas contraídas nesses programas substituirão aquelas que seriam contraídas em contratos convencionais de prestação de serviços (Lei 8.666/93), por exemplo – aos quais não vige restrição dessa ordem. É necessário, portanto, um ajuste legislativo para flexibilizar essa restrição fiscal, sob pena de frear os programas de PPPs em muitos municípios brasileiros.
Todos esses pontos, enfim, merecem ser discutidos e analisados para que se criem condições favoráveis à estruturação de projetos de infraestrutura no país. É urgente e necessário concentrar esforços para remover os óbices que ainda dificultam o desenvolvimento das PPPs. Afinal, serão elas um importante instrumento para a superação de gargalos logísticos e aperfeiçoamento técnico dos serviços de interesse público e coletivo.
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