Fernando Menegat (PR)
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Escrevemos nessa coluna, há poucas semanas, artigo em que foi detectada uma espécie de “fratura” do sistema do Direito nos atuais momentos de pandemia (https://bit.ly/diradmcoronavirus ). Lá se sustentou que o Direito, com seu dogma de legalidade estrita, não lida bem com situações de anormalidade, ante a natural incapacidade de regular temas com a mesma velocidade com a qual surgem. O Direito não tem um décimo da velocidade que tem demonstrado o Coronavírus em sua contagiosidade, e isso fica claro nas inúmeras exceções que têm sido abertas dentro dos veios do ordenamento jurídico – excepcionando regras constitucionais de competência material, de competências legislativas concorrentes, de limitações orçamentárias...
No entanto, é evidente que reconhecer a derrotabilidade da rígida estrutura legalista do direito em momentos de exceção nada tem que ver com a defesa do total abandono do Direito – e, mais perigosamente, do sagrado Estado de Direito – em tempos de exceção. As tentativas de resposta à crise, ainda que insuficientes, contraditórias, exageradas ou até mesmo toscas, têm sido em sua ampla maioria filtradas pelo Estado de Direito; a Lei nº. 13.979/2020, as diversas Medidas Provisórias editadas, bem como as inúmeras leis e decretos que pulularam sobretudo em nível estadual e municipal, são bons exemplos disso. Mas que não se esqueça: o autoritarismo por vezes advém de dentro das dobras da legalidade, a festejada Lei também é veículo de autoridade – decretos, então, nem se fale.
Destarte, ao contrário de se defender a vigência de um Estado de Exceção – que, definitivamente, não parece ser o caso –, parece antes estarmos diante de um Estado de Direito Excepcional. Isso porque é o próprio Direito, na pena das instituições democráticas responsáveis por interpretá-lo e aplicá-lo, que tem criado válvulas de escape à legalidade (e constitucionalidade) estrita, ou seja, “meta-regras” que excepcionam regras incidentes em tempos de normalidade, reconhecendo sua insuficiência ou inaplicabilidade para regular momentos atípicos. É o sistema do Direito traduzindo em sua própria linguagem as hipóteses de não-Direito – nada mais luhmanniano.
Para ficar com alguns exemplos, veja-se o julgamento da medida cautelar na ADI 6357, com expresso reconhecimento de que determinadas normas que tratam de finanças públicas (dispostas principalmente na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal) poderão ser inobservadas pelos gestores públicos na atual conjuntura; ou ainda o julgamento da medida cautelar na ADPF 672, no qual se apontou que, no âmbito da competência legislativa concorrente, Estados e Municípios detêm autonomia para desbordar as normas eventualmente editadas pela União, criando restrições mais severas a direitos e liberdades individuais em prol da proteção à saúde; ou ainda, por fim, a recente decisão do STJ na Suspensão de Liminar e de Sentença nº. 2.696, em que se decidiu pela possibilidade de concessionárias de serviço público, sponte própria, inadimplirem obrigações constantes dos contratos de concessão durante a pandemia, “diante da excepcionalidade das circunstâncias atuais”.
É inegável que a pretensão legalista totalizante do Direito não dá conta da realidade em tempos como os que vivenciamos – seja pela falta da velocidade necessária para acompanhar as mudanças, seja pela impossibilidade de regular em caráter geral e abstrato toda a complexidade das situações que vão surgindo. No entanto, no atual estágio de desenvolvimento civilizacional, é indefensável que o reconhecimento de uma fratura na estrutura legalista do Direito implique o abandono do Estado de Direito.
No contexto de um Estado de Direito Excepcional, é o próprio sistema do Direito, com sua linguagem e com as instituições (democráticas, em sua origem ou finalidade) responsáveis por aplicá-lo, que reconhece e regula sua exceção.
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