Fernando Menegat (PR)
Foi publicada no Diário Oficial de 26/04/2018 a Lei n. 13.655/2018, resultante do polêmico PL n. 7.448/2017 que, alterando a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, intentou imprimir maior segurança jurídica à atuação da Administração Pública, assim como em suas relações com os órgãos de controle. O Projeto foi sancionado com pontuais – mas relevantes – vetos.
O ponto que se pretende destacar no presente ensaio reporta-se à ênfase dada, no art. 21, parágrafo único da lei em referência, à possibilidade – senão dever – de implementação de técnicas processuais de tutela com características estruturais nos litígios complexos que envolvam o controle da Administração Pública.
A doutrina processualista brasileira, há não muito tempo, tem defendido a necessidade de desenvolvimento de uma sistemática processual diversa da tradicional para tutelar determinados litígios. De acordo com essa visão, a compreensão de processo vigente é pautada no clássico princípio da demanda, que adstringe a atuação do juiz à formatação dos pedidos deduzidos pelo Autor. Ocorre que tal configuração não funciona com efetividade para casos complexos, em que os efeitos da sentença são multilaterais e se irradiem extra- processualmente, atingindo outras esferas.
Nessa esteira, uma importante linha de doutrinadores capitaneados, dentre outros, por Sérgio Arenhart – autor de pioneiros ensaios sobre o tema no Brasil –, tem defendido a necessidade de aplicar aos litígios complexos, com impacto multidimensional, uma estrutura de tutela processual mais plástica, maleável, principalmente na fase de implementação dos efeitos da sentença (denominada processualmente de “fase de cumprimento de sentença”).
Trata-se do que se costuma denominar Processo Estrutural, Medidas Estruturantes e outras nomenclaturas similares: uma nova formatação para a tutela executiva da sentença condenatória e/ou mandamental na qual o juiz, ao invés de unilateralmente impor obrigações de cumprimento imediato, nos rígidos prazos fixados pela norma processual, planeja e dimensiona no tempo, com a cooperação das partes, um cronograma ótimo para a implementação das obrigações impostas pela sentença, atento aos impactos e repercussões extra- processuais da ordem judicial.
Não pode causar espanto que os exemplos trazidos pela doutrina processualista para justificar a necessidade de incentivo ao desenvolvimento do Processo Estrutural sejam, na maior parte dos casos, justamente de litígios envolvendo a Administração Pública. Afinal, é o controle judicial da Administração Pública o locus mais propício à ocorrência de discussões complexas, de eficácia multilateral, cujos impactos extravasam os estreitos lindes processuais (estreitados ainda mais pelo princípio da demanda). Pense- se nas discussões que versam sobre implementação de políticas públicas, extinção de contratos de concessão, anulação de normas regulatórias em setores econômicos infraestruturais...
Tanto é assim que um dos maiores cases apontados como exemplo de Processo Estrutural na prática – a demonstrar que a questão não é mera preocupação teórica – é o da afamada Ação Civil Pública do Carvão, em Santa Catarina, que possui inclusive de página na internet onde se disponibilizam informações a respeito do cumprimento da sentença condenatória, iniciado há mais de 18 (dezoito) anos e ainda não concluído.
Nesse contexto, a despeito das várias críticas que o PL n. 7.448/2017 recebeu, um importante ponto da nova Lei n. 13.655/2018 deve ser destacado, condizente com a previsão de seu art. 21, parágrafo único:
"Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos."
O excerto do dispositivo sublinhado possui orientação inequívoca: a norma impõe que, nos casos em que a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa for ocasionar ônus ou perdas anormais ou excessivos, o agente controlador, de qualquer órgão de controle que seja (controladoria interna, Tribunal de Contas, Ministério Público e Poder Judiciário), deverá conduzir a regularização da situação de forma “proporcional, equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Trata-se, claramente, de preocupação com a forma da atuação dos órgãos de controle na anulação de atos, contratos e normas administrativas, que por vezes é feita de modo desatento em relação às consequências nefastas que uma desconstituição repentina provoca, extra-processualmente, a determinadas situações jurídicas consolidadas ou em fase de consolidação.
No campo do controle judicial da Administração Pública, destarte, o art. 21, parágrafo único da recente Lei n. 13.655/2018 escancara a porta para a utilização de medidas estruturantes na implementação de sentenças condenatórias e mandamentais exaradas em face do Poder Público nos processos de maior complexidade, para os quais, conforme a doutrina já tem apontado, o princípio da demanda tem se demonstrado imprestável por não ser capaz de evitar a ocorrência de impactos, ônus e prejuízos indesejáveis e desproporcionais no exterior da relação jurídica processual.
Noutras palavras: o art. 21, parágrafo único da Lei n. 13.655/2018 oficializa, no Brasil, o Processo Estrutural como técnica processual idônea para a implementação e efetivação de decisões, judiciais ou extrajudiciais, exaradas em face da Fazenda Pública nos processos de controle.
É bem verdade que a norma poderia ter ido além, a ponto de deixar expressa a possibilidade de cooperação entre as partes – agente controlador e Administração Pública – na definição de tais condições para a regularização do tema. Afinal, é essa a tônica da noção de Processo Estrutural, preocupada com a efetividade das decisões judiciais, e é essa a linha principiológica do novo Código de Processo Civil, ao enunciar, por exemplo em seu art. 6º, que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
De qualquer sorte, ao obrigar que o controlador indique em sua decisão as condições para que a regularização da situação ocorra de modo proporcional e equânime, o comando do art. 21, parágrafo único da Lei n. 13.655/2018 certamente permite aos agentes controladores que busquem a solução do litígio na via consensual, mediante cooperação. Até porque, muitas vezes, somente por meio da cooperação entre as partes é possível dimensionar todos os ônus, prejuízos e impactos da decisão a ser cumprida, em todas as esferas, bem como planejar o cronograma para seu cumprimento.
A bem da verdade, a tônica da nova Lei n. 13.655/2018 em nada destoa daquela já estatuída pela redação até então vigente da LINDB, estatuindo, no art. 5º, que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. A mesma lógica se extrai do novo CPC, ao afirmar no art. 8º que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
Tanto num como noutro caso, o que se pretende é que o órgão controlador, ao julgar casos concretos, não seja irresponsável e desatento quanto às possíveis consequências de suas decisões fora dos estreitos lindes do processo. E, certamente, poucas técnicas processuais conseguem ser mais úteis que as medidas estruturais para garantir razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e efetividade no controle da Administração Pública.