Egon Bockmann Moreira (PR)
A partir do dia 18 de março de 2016, o Brasil terá um novo Código de Processo Civil (doravante CPC/2015), a disciplinar também o microssistema normativo relativo aos processos administrativos. Isso porque o artigo 15 do CPC/2015 prescreve que: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.” O dispositivo exige algumas considerações quanto ao processo administrativo (tanto o geral, regulado pela Lei 9.784/1999 – A Lei do Processo Administrativo Federal, quanto os disciplinados em leis especiais).
Inicialmente, é de se deixar claro que o CPC/2015 incidirá em todos os processos administrativos. O que não significa dizer que ele tenha revogado (nem derrogado nem ab-rogado) a Lei 9.784/1999 ou outras leis especiais, que persistem íntegras. O que se dá é o fato de que as normas da legislação superveniente - o CPC/2015 - serão aplicadas, de modo supletivo e/ou subsidiário, nos processos administrativos regidos por leis pretéritas.
O CPC/2015 presta-se a suprir as lacunas das leis processuais - seja por instalar novas hipóteses de incidência (ausência da norma: lacuna normativa), seja por criar novas compreensões no sistema processual (atualizando a construção de normas que não mais correspondiam à realidade social e, também, permitindo soluções processuais mais justas: lacunas ontológicas e axiológicas). Na medida em que o artigo 15 valeu-se da “aplicação supletiva” ao lado da “aplicação subsidiária”, positivou a incidência do CPC/2015 a processos administrativos tanto nos casos em que se constatar omissão legislativa (e/ou normativa em sentido estrito) como naqueles em que o dispositivo a ser aplicado possa ser valorizado/aprimorado no caso concreto por meio da incidência de norma recém-positivada.
Uma vez que o CPC/2015 não revogou a Lei 9.784/1999 (nem as demais leis de processo administrativo), a sua aplicação pressupõe a harmonização recíproca dos diplomas normativos (e não a exclusão de um deles), fazendo com que o CPC/2015 se integre à racionalidade da Lei 9.784/1995, sempre de modo supletivo e subsidiário. A compatibilidade é a ideia-chave para tal incidência.
Por conseguinte, o CPC/2015 não pode ser compreendido como norma “estranha” ou “alheia” ao processo administrativo (inclusive em relação à Lei 9.784/1999). Ao contrário: a leitura deve ser integrada, de molde a fazer com que o CPC/2015 seja sempre aplicado, tanto nos casos em que a lei específica seja omissa como naqueles em que ele proveja solução mais adequada ao caso concreto (desde que compatível com o regime jurídico-administrativo). Não se faz necessária a omissão em sentido estrito (a mais absoluta ausência de norma), mas sim a aplicação da diretriz da efetividade do processo.
Logo, a promulgação do CPC/2015 deu novas cores ao processo administrativo e, desde já, demanda cogitações novidadeiras. Quando menos, exige a reflexão a propósito de três temas-chave: a incidência imediata; a aplicação das “normas fundamentais” e o dever de respeito à jurisprudência e aos precedentes. Examinemos rapidamente cada um desses assuntos.
O CPC/2015 se aplica imediatamente a todos os processos em curso, nos termos de seu artigo 14. Isso se dá em vista do fato de que o processo – administrativo ou judicial, tanto faz – encerra sucessão de atos e fatos encadeados para permitir a decisão final: cada qual regido pela lei que vigora ao tempo de sua prática (tempus regit actum). Caso seja editada uma norma que altere as normas processuais em sentido estrito, ela tem incidência imediata para todos os processos em curso. É exatamente isso o que deve se passar em relação à incidência imediata do CPC/2015 nos processos administrativos pendentes.
Por outro lado, algumas das “normas fundamentais do processo civil” (CPC/215, arts. 1º-12) têm imediata repercussão no processo administrativo, sobretudo em vista de sua plena compatibilidade. Isso para reforçar preceitos já dantes aplicados e também para instalar novas hipóteses de incidência normativa.
No primeiro caso assumem especial relevância os seguintes artigos do CPC/2015: 1º (aplicação da Constituição ao processo); 5º (dever de boa-fé processual); 7º (paridade de tratamento entre as partes); 8º (dever de observância da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência); 10 (parametrização da decisão com fundamento novo - iura novit curia ou não - com o princípio do contraditório); e 11 (publicidade e fundamentação como condição de validade de todos os julgamentos).
No segundo, há “normas fundamentais processuais” do CPC/2015 que autorizam novas incidências, ampliativas e/ou reconformadoras. Por exemplo, os artigos 3º (a inafastabilidade parametrizada pela arbitragem, mediação e solução consensual de conflitos); 4º (duração razoável e efetividade do processo); 6º (dever de cooperação processual e efetividade); 8º (dever de o julgador atender aos fins sociais e exigências do bem comum, além de promover a dignidade da pessoa); 9º (conjugação do princípio do contraditório com as tutelas de urgência e de emergência) e 12 (ordem cronológica dos julgamentos).
Também é de suma importância desde logo acentuar-se o dever de respeito à jurisprudência - administrativa e/ou judicial - nos processos administrativos (nos termos do CPC/2015, em especial os arts. 926 a 928). O que possui vários desdobramentos, decisivos para o processo administrativo.
A uma, há o dever de “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926), que se aplica a todos os órgãos e entidades administrativas equivalentes a “tribunais” (rectius: colegiados decisórios). Assim, desde os Tribunais de Contas até o CNJ e CNMP, passando pelos conselhos de contribuintes, CADE, corregedorias e agências reguladoras, a todos os colegiados foi atribuído o dever processual de prestigiar a segurança jurídica advinda da estabilidade de decisões anteriores, que precisam se tornar uniformes com o decorrer do tempo (com a mesma forma e o mesmo conteúdo decisório). O que a legislação processual exige é que os futuros julgamentos administrativos sobre casos semelhantes sejam isonômicos àqueles dantes proferidos, sob pena de macular a própria validade da decisão.
A duas, note-se que a incidência do CPC/2015 nos processos administrativos é bem mais intensa do que a mera uniformização de julgados. O que agora existe é o dever cogente de respeito à jurisprudência (administrativa e jurisdicional). Isto é, os órgãos decisórios colegiados têm o dever processual de conhecer e obedecer aos julgados pretéritos (sejam oriundos da Administração, sejam do Poder Judiciário, sejam do Tribunal de Contas). E os agentes administrativos singulares o dever de aplicar ex officio tais decisões já uniformizadas.
Como se infere, está em curso uma revolução nos processos administrativos, que altera radicalmente algumas de suas premissas e práticas pretéritas. Claro que poderíamos também tratar da “ordem cronológica de conclusão e julgamento” (CPC/2015, art. 12); do amicus curiae (CPC/2015, art. 138) e da “negociação processual" (CPC/2015, art. 190). Todos esses assuntos são de suma importância para o processo administrativo, ao lado de tantos outros que a experiência revelará.
Em suma, existe todo um mundo novo decorrente da promulgação do CPC/2015. Os temas acima destacados apenas dão o tom dos desafios que estão por vir - instalando a nova racionalidade que vigorará no processo administrativo. Mas o importante está na consciência de que, atualmente, o processo administrativo há de ser compreendido também à luz do CPC/2015. Não se pode descartar a aplicabilidade na nova legislação processual civil aos processos administrativos, sobretudo quanto às normas que garantem a efetividade do processo.
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