Egon Bockmann Moreira (PR)
Atualmente, estão em trâmite vários projetos de lei que pretendem instituir o “licenciamento ambiental a jato” (ou “fast-track” ambiental). Destes, um dos que mais chama a atenção é o Projeto de Lei do Senado – PL nº 654, de 2015, que pretende criar o “licenciamento ambiental especial para empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional”. Segundo este PL, para determinados casos especiais haveria uma única licença (concentrando as que hoje existem), a ser emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA. O seu prazo máximo seria o de oito meses. A qualificação desses empreendimentos estaria atribuída ao Poder Executivo. O PL traz, exemplificativamente, os seguintes assuntos: sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário; portos e instalações portuárias; energia e telecomunicações. Em uma só palavra: infraestrutura.
Neste, como nos outros projetos de lei (federais, estaduais e municipais), o discurso legitimador gira em torno dos motes da “desburocratização” e da “flexibilização”, em vista a demora – em alguns casos, inaceitável – na expedição de licenças ambientais que permitam a instalação de investimentos em infraestrutura. A ideia central seria a de abreviar radicalmente a emissão de licenças ambientais pelas autoridades constituídas. Mas o problema está em que isso não se daria por meio de aprimoramento tecnológico ou treinamento de servidores públicos. Nem através da contratação de corpo funcional apto – em quantidade e qualidade – a examinar com eficiência os pedidos de licenciamento, muitos de extrema complexidade, a envolver vários ramos do conhecimento (engenharia, ecologia, história, antropologia, etc.). Nada disso: o que se pretende é instituir a velocidade decorrente da omissão.
Logo, talvez o ponto de maior impacto esteja em se criar a “aprovação tácita” de pedidos de licenciamento, numa espécie de preclusão processual com efeitos imediatamente materiais. Por exemplo, o PL nº 654/2015 prevê que sejam formados comitês específicos para cada um dos pedidos, compostos por membros dos órgãos e entidades competentes – e o seu art. 5º estabelece a sequência de atos a ser praticados, todos com prazos certos. Porém, caso as respectivas autoridades competentes não se manifestem ou não consigam examinar o licenciamento em determinado tempo – seja para aprová-lo, seja para reprová-lo, seja para exigir esclarecimentos e complementações – o pedido estaria automaticamente aprovado, por decurso de prazo. É o que estabelece o §3º do mesmo art. 5º do PL nº 654/2015 (“O descumprimento de prazos pelos órgãos notificados implicará sua aquiescência ao processo de licenciamento ambiental especial”). Por exemplo, se a FUNAI receber o ofício e não o responder no prazo, isso constituirá a sua concordância tácita com o licenciamento (mesmo que ele seja desastroso).
Tal ordem de inovações legislativas traz sérias consequências práticas, que merecem ser postas à luz do dia. Este breve artigo tratará apenas de quatro razões que exigem o debate mais sério a propósito de tais investidas legislativas.
Em primeiro lugar, essa ordem de aprovação por decurso de prazo é antitética à própria razão de ser do licenciamento ambiental. Essa espécie sui generis de processo administrativo se orienta pela construção colaborativa de soluções. O licenciamento não trata de direitos pré-constituídos ou de situações de imediata percepção. Aliás, justamente por isso, ele é exigido: como não se sabe previamente quais são os potenciais efeitos ecológicos do empreendimento, instala-se o licenciamento como condição prévia. Por conseguinte, ele não convive bem com a preclusão (nem a temporal, nem a lógica ou a consumativa), eis que envolve contínuos fluxos de descobertas e renovações, bem como a constituição de novas situações fático-jurídicas.
Não se está com isso a se defender um processo sem fim, mas sim colocar em foco o fato de que o licenciamento não se coaduna com a aprovação tácita do pedido. A lógica do licenciamento é sim a de um caminhar para frente, mas isso não significa que ele se conforme a prazos peremptórios.
Em segundo lugar, fato é que as “homologações tácitas” têm aplicação restrita em Direito Público. Elas envolvem casos nos quais não existe a discricionariedade administrativa (ou que esta é reduzida a zero). Por exemplo, a aprovação automática de reajustes tarifários em contratos de concessão de serviço público: basta aplicar, na fórmula definida no edital, o índice divulgado publicamente pela instituição oficial. Aqui, o número surge “automaticamente” e assim é aplicado, desde que a conta esteja correta. Mas isso se dá por que não há alternativas a ser sopesadas, mas sim uma só escolha, predefinida em lei e tornada concreta nos regulamentos e/ou contratos administrativos.
Em contrapartida, a homologação administrativa tácita não pode ser aplicada em casos que envolvam potenciais escolhas públicas, nem naqueles que exijam a ponderação entre interesses que se projetem no tempo. Muito menos pode se dar em casos que demandem a definição estratégica de parâmetros de atuação em projetos que possam afetar interesses difusos intergeracionais – que é justamente a natureza do licenciamento ambiental. Não se pode presumir que haja empreendimentos ecologicamente inofensivos: para estes, o ordenamento jurídico dispensa o licenciamento. Em outras palavras, se a Constituição exige a licença é porque não tem certeza do impacto ambiental que pode resultar de determinados projetos de investimento. E, se não existe certeza prévia do risco zero, não pode haver a homologação implícita.
Em terceiro lugar, o PL nº 654/2015 suprime a necessidade das consultas e audiências públicas. Estas são deixadas de lado: apenas se exige o ofício aos órgãos competentes para se disparar o cronômetro da aprovação tácita. Logo, ele alberga racionalidade que prestigia a burocratização – no sentido negativo do termo – do processo de licenciamento. Isso ao lado da supressão ao diálogo público-privado (própria dos direitos fundamentais de terceira e quarta dimensões, como são os ecológicos). Ausente a participação popular, apenas a Administração Pública pode pesquisar, deliberar e decidir. Sempre interna corporis, sem ouvir aqueles que efetivamente sofrerão o impacto do empreendimento oriundo do licenciamento.
Mas note-se bem: isso a respeito de obras e serviços que podem agredir o equilíbrio ecológico prestigiado pelo art. 225 da Constituição. Sem consulta, sem audiência e através do silêncio serão tacitamente aprovados os licenciamentos especiais. O que não se adéqua à racionalidade, democrática e intergeracional, da proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em quarto lugar, existe um efeito econômico, perverso e subliminar, que não pode ser deixado de lado. Afinal, a aprovação tácita instala o incentivo para que o pedido tenha todas as qualidades que impeçam a Administração Pública de analisá-lo com cuidado e assim tomar a decisão. O decurso de prazo cria o estímulo para que empresários menos escrupulosos produzam pedidos de licenciamento inviáveis de ser examinados em curto espaço de tempo. Ou que muitos pedidos de licenciamento sejam apresentados ao menos tempo. Todos os esforços serão poucos para se conseguir o licenciamento implícito. Assim, se antes os pedidos continham 100 páginas, passarão a contar com 100.000. Se traziam documentos de fácil acesso e leitura, serão instruídos com texto em grego antigo. Isto é: ganhará a aprovação tácita aquele que impedir o exame do licenciamento no prazo previsto em lei.
Tudo isso no maravilhoso mundo da irresponsabilidade: o PL nº 654/2015 não estabelece as consequências para a aprovação tácita de empreendimentos desastrosos. Se algo de mal acontecer, quem produziu os documentos ou deixou de examiná-los não responderá por sua desídia. As futuras gerações pagarão um preço muito mais alto e desproporcional, mas quem gerou o dano não será responsabilizado. O que consolida os incentivos à omissão.
Enfim, este breve artigo pretende colocar a debate alguns dos perigos trazidos pelo PL nº 654/2015 (e outros afins, ora em trâmite em boa parte das unidades federativas). Não se nega que empreendimentos de infraestrutura são essenciais para o desenvolvimento nacional – e que precisam ser instalados em grande número e em curto prazo. Igualmente, é de se concordar que o licenciamento ambiental brasileiro deixa muito a desejar em termos de eficiência, inibindo investimentos. Também se sabe que tais empreendimentos público-privados não albergam a tradicional dicotomia de interesse público vs. investimentos privados (que orientou boa parte da compreensão tradicional do Direito do Ambiente), mas sim se destinam a concretizar projetos de interesse público primário. Logo, demandam uma compreensão especial e proativa.
Porém, nada disso permite que se dispense o exame adequado dos riscos e incertezas ambientais em vista da “importância” do empreendimento. Ou que se estabeleçam presunções normativas de não-agressão ao meio ambiente ecologicamente equilibrado em razão do “tipo” de empreendimento (e não do impacto que ele de fato contém). Caso se celebre a aprovação tácita de licenciamentos, sem participação popular, uma coisa é certa: em breve, haverá número significativamente maior de desastres ambientais.
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