Daniel Wunder Hachem (PR)
Primeiro dia de aula da disciplina de Teoria do Estado aos calouros do curso de Direito. Tento provocá-los ao estudo da democracia, da Constituição e do Estado. Pergunto: “A Constituição proíbe a adoção de pena de morte. Se o Poder Público resolve ignorar essa previsão e consultar o povo a respeito da mudança desse dispositivo, e no plebiscito a proposta é aprovada por 100% dos votos, a emenda constitucional que admitir esse tipo de pena é válida?”. Rapidamente, uma das estudantes responde: “Não, Professor! Essa é uma cláusula pétrea, não pode ser eliminada nem por decisão unânime do povo ou do poder reformador”. Um colega levanta a mão e retruca: “Discordo. Por mais que a Constituição proíba a pena de morte em um dispositivo considerado como cláusula pétrea, o melhor para o povo é que essa pena seja admitida, haja vista a impunidade que reina neste país. Só assim o Estado conseguirá dar o exemplo para desestimular os demais ‘bandidos’ a cometerem novos crimes. Com a quantidade de recursos existentes, ele ficará preso por pouco tempo e é injusto que ele não pague pelo crime que cometeu”.
A divergência nas respostas é normal. A primeira, uma resposta jurídica, fundamentada em argumentos constitucionais com lastro na ideia de democracia constitucional, que admite a imposição de limites à vontade da maioria, fixados pela Constituição elaborada pelo próprio povo em um momento de lucidez, no qual são estabelecidos alguns pré-compromissos em relação a quais garantias devem ser asseguradas aos cidadãos em face de futuras decisões tomadas por maiorias eventuais no Parlamento. A segunda, uma resposta embasada no senso comum, no discurso hegemônico da mídia oligárquica brasileira, que despreza a existência de regras previstas por um sistema constitucional estabelecido para fazer prevalecer uma concepção própria do que deve ser considerado bom ou justo em uma sociedade.
É aceitável que uma resposta como essa segunda seja dada por um estudante no início do curso, ainda não versado em letras jurídicas. Inadmissível, no entanto, que seja proferida por um órgão de cúpula do Poder Judiciário, a quem compete a guarda da Constituição. O tema pode não ser o mesmo; os argumentos empregados podem ter sido formalmente diversos; porém, na essência, a agressão à ordem constitucional e ameaça ao Estado Democrático são rigorosamente semelhantes se comparadas a resposta do meu aluno e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro a respeito do princípio da presunção de inocência. Que dia triste para se exercer o cargo de professor de Direito Constitucional.
Na sessão do dia 17/02/16, ao julgar o Habeas Corpus 126292, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por 7 votos a 4, que é possível iniciar a execução da sentença penal condenatória após a confirmação da condenação em segundo grau, sem que isso ofenda o princípio da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII da Constituição da República com a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A decisão causou furor na comunidade jurídica, repercutindo na mídia e nas redes sociais com acaloradas manifestações, seja para enaltecer a decisão, seja para criticá-la.
Analisemos, inicialmente, a fragilidade dos argumentos utilizados em favor da possibilidade de execução da pena após a condenação em segunda instância, antes do trânsito em julgado da decisão – alguns deles utilizados pelos Ministros do STF, outros por juristas favoráveis à posição manifestada pela Corte.
1. DIFERENÇA ENTRE “SER CONSIDERADO CULPADO” E “SER PRESO”: No art. 5º, LVII, a Constituição estabelece que antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória “ninguém será considerado culpado”, o que não significaria que “ninguém poderá ser preso”. Tal previsão não impediria, portanto, a execução da sentença penal antes do exaurimento de todas as instâncias.
Esse argumento apela para a literalidade do enunciado normativo, tentando fazer parecer que ser preso (execução da sentença) e ser considerado culpado (carga declaratória) seriam coisas necessariamente distintas e desvinculadas. Ora, em termos semânticos o conteúdo das expressões pode até ser diverso, pois realmente é possível ser considerado culpado e ainda não ter sido preso. O contrário, porém, não acontece: para ser preso, é preciso que, antes, o acusado tenha sido considerado culpado. Em termos jurídicos, a prisão como execução da pena (desprovida de natureza cautelar) exige obrigatoriamente que o acusado tenha sido considerado culpado, porque a aplicação da sanção penal requer a prévia ocorrência de crime, e o crime só se configura quando estiverem presentes três elementos: (i) antijuridicidade; (ii) tipicidade; (iii) culpabilidade. A declaração de culpabilidade é condição necessária para a execução da pena. Logo, um acusado pode ser declarado culpado antes de ter sofrido a pena, mas não pode sofrer a pena antes de ser declarado culpado.
Portanto, para que seja executada a pena de prisão, é preciso ter crime; para que haja crime, é preciso que tenha sido declarada a culpa; e para a Constituição da República, só se pode considerar o acusado culpado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ou seja, essa tentativa de diferenciar “ninguém será considerado culpado” de “ninguém poderá ser preso” é falaciosa, porque ignora o fato de que, para o Direito, ser preso no sentido de “cumprir pena” pressupõe necessariamente que o condenado já seja considerado culpado. A tentativa de distinção, por consequência, não procede.
E não é só. Ainda que a Constituição não preveja expressamente que o acusado “não poderá ser preso”, a lei assim estabelece. Veja-se o art. 283 do Código de Processo Penal: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Se o Supremo Tribunal Federal pretendia declarar a inconstitucionalidade desse dispositivo, teria de fazê-lo expressamente, indicando o dispositivo da Constituição utilizado como parâmetro para invalidar essa previsão legal. Não o fez – e nem haveria como fazê-lo, já que o enunciado se encontra em plena consonância com o art. 5º, LVII do texto constitucional.
2. MARGEM DE INTERPRETAÇÃO DO CONCEITO DE “TRÂNSITO EM JULGADO” E SUA RELATIVIZAÇÃO: Após a decisão de segunda instância, não podem mais ser revistas questões relativas a fatos e provas, de modo que nesse momento já se operaria o trânsito em julgado da situação fática, eis que a compreensão do Poder Judiciário quanto aos fatos já teria se tornado imutável e insuscetível de alteração por via de recurso.
Com esse argumento o STF relativiza o significado do conceito de “trânsito em julgado da sentença”, tradicionalmente concebido como a condição de imutabilidade da decisão judicial, obtida após o decurso de todos os prazos para interposição de recursos em face do julgado. Cinde o conceito para afirmar existir uma diferença entre “trânsito em julgado da situação fática” e “trânsito em julgado da situação jurídica”. A distinção, com todo o respeito a quem pensa diferente, é: (i) infundada; (ii) irrelevante; (iii) inaceitável.
(i) Infundada, pois não encontra apoio em nenhum fundamento jurídico ou normativo. Não há no ordenamento brasileiro uma previsão normativa sequer que autorize uma diferenciação como essa. Todos os dispositivos legais que se referem a decisão “transitada em julgado” ou “passada em julgado” fazem alusão à sua irrecorribilidade. Ou seja: para o Direito brasileiro, transitar em julgado significa não mais sujeitar-se a recurso.
(ii) Irrelevante, pois o fato de não ser possível rediscutir questões fáticas ou probatórias não afasta a possibilidade de reverter a decisão de segunda instância e evitar que um inocente sofra uma restrição indevida ao seu direito fundamental de liberdade. A grande questão que está por trás desse debate – de admitir ou não a execução da pena enquanto ainda há recurso pendente de julgamento – consiste na mutabilidade da sentença condenatória e na proteção da liberdade do inocente. É a existência do risco de se aplicar pena privativa de liberdade a uma pessoa inocente que justifica a proibição desse tipo de medida apressada. Num processo, não são só as questões fáticas que importam para fins de condenação. As questões jurídicas ostentam idêntica relevância. Suponha-se que a sentença condenatória de segundo grau, confirmando a decisão da primeira instância, constate que do ponto de vista dos fatos o acusado realmente praticou a conduta. Contudo, no caso deveria ter sido aplicado o princípio da insignificância – matéria jurídica passível de invocação em recurso especial. Qual é a relevância, nesse caso, do argumento de que a decisão de segunda instância é imutável em relação à situação fática? Nenhuma, pois a revisão da decisão pela via do recurso especial se daria com base em fundamentos jurídicos.
(iii) Inaceitável, pois se for possível relativizar o conceito de “trânsito em julgado”, o Poder Judiciário teria de fazê-lo não só para restringir direitos fundamentais do cidadão, mas também para protegê-los. Hoje, se um jurisdicionado interpõe um recurso com 1 segundo de atraso (à meia-noite e um segundo do dia subsequente ao último dia do prazo), o seu direito de recorrer é prontamente negado porque após o decurso do prazo a decisão transitou em julgado. Tchau, acabou, não tem choro nem vela. O magistrado que receber a peça dirá com bastante tranquilidade: “com o transcurso do prazo in albis, a decisão transitou em julgado, razão pela qual não conheço do recurso porque intempestivo”. Típico exemplo de norma com caráter de regra, no sentido de Ronald Dworkin: aplicável segundo a lógica do tudo-ou-nada. No caso, a norma que fixa o prazo para recurso é válida e se aplica com tudo. Não há espaço para ponderação, diria Robert Alexy. Pois bem. Se o Supremo Tribunal Federal passa a relativizar o conceito de “trânsito em julgado da decisão”, que deixa de significar uma situação de caráter definitivo que põe fim ao processo, deverá utilizar o conceito relativo não apenas para prejudicar o jurisdicionado, mas também para favorecê-lo. Se o jurisdicionado perder prazo para recurso, poderá pedir que o Poder Judiciário pondere a norma que impõe o não conhecimento do recurso interposto após o “trânsito em julgado” (conceito que passa a ser relativo e ponderável) com outros direitos fundamentais que estejam envolvidos em sua situação concreta. É óbvio que isso não deve ser admitido, pois a segurança do sistema – seja para o Estado, seja para o cidadão – exige que existam normas de cunho definitivo e imponderável (que alguns autores convencionaram chamar de regra), como vinham sendo até então aquelas que fixavam os efeitos do “trânsito em julgado”. E é evidente que jamais o STF irá aceitar uma tal solução. Logo, é inaceitável que se relativize esse conceito para restringir a esfera jurídica dos cidadãos, já que certamente isso não será feito (frise-se: nem deve ser feito!) para proteger os direitos dos jurisdicionados que perderem prazo para interposição de recursos.
Quanto à suposta “margem de interpretação” do conceito de trânsito em julgado, convenhamos que o sistema vigente não comporta grandes possibilidades hermenêuticas a esse respeito. Podemos discordar quanto ao conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, ora invocando-o para proibir o aborto com base na dignidade do feto, ora invocando-o para admiti-lo em nome da autonomia e integridade psíquica da mulher; quanto ao conteúdo do princípio da publicidade administrativa, ora invocando-o para divulgar nominalmente os vencimentos dos servidores públicos, ora defendendo que seu alcance não pode ser tão amplo a ponto de ofender o direito à intimidade; ou em relação a tantos outros termos jurídicos indeterminados. Agora, quanto ao significado de “trânsito em julgado”, parafraseando Arnaldo Cezar Coelho, “a regra é clara”: significa irrecorribilidade da decisão. Se há recurso pendente de julgamento, não transitou em julgado – e não há duplo twist carpado hermenêutico capaz de convencer do contrário.
3. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, POIS AGUARDAR TODOS OS RECURSOS CONDUZIRIA À IMPUNIDADE: A norma do art. 5º, LVII, da Constituição que estabelece a presunção de inocência é um princípio, sujeito à ponderação com outras normas constitucionais, e deve ceder parcialmente no que diz respeito à pendência de recursos interpostos em face da decisão de segunda instância porque, do contrário, levaria à impunidade, haja vista a enorme quantidade de recursos existentes no sistema processual brasileiro.
Em primeiro lugar, é preciso desfazer o mito de que tudo aquilo que chamamos de “princípio” no Direito brasileiro é o mesmo que Robert Alexy chamaria de princípio e portanto estaria sujeito à ponderação. A doutrina do Direito Penal no Brasil tem a tradição de chamar de princípios normas que reputa importantes. Princípio da legalidade penal, princípio da presunção de inocência, princípio da irretroatividade da lei penal. O critério utilizado por essa parte da doutrina para classificar tais normas de princípios é o grau de fundamentalidade (ou importância) da norma dentro do sistema: se é fundamental, é um princípio. Não utilizam esses autores o critério do caráter definitivo ou relativo da norma, empregado por Alexy (se a norma é relativa e sujeita-se à ponderação, é princípio; se é definitiva e imponderável, é regra). Assim, é preciso deixar claro que não podemos ponderar tudo aquilo que no Direito brasileiro a doutrina chama de “princípio”, pois do contrário poderíamos ponderar o princípio da legalidade penal (admitindo a existência de crime sem lei) e o princípio da irretroatividade da lei penal (aceitando que a lei penal menos benéfica retroaja para prejudicar o acusado). Se adotássemos aqui a definição de Alexy, essas normas seriam regras (e não princípios) e não se sujeitariam à ponderação. O mesmo ocorre com a norma que prevê a presunção de inocência: ela fixa uma regra – imponderável – de que enquanto não houver sentença penal condenatória irrecorrível, ninguém poderá ser considerado culpado e sofrer execução da pena. Note-se que em relação à prisão cautelar, não se trata de aplicar a pena a alguém considerado culpado, uma vez que quando se prende cautelarmente não se está declarando culpado o acusado, pois tal medida se destina a outras finalidades descritas no Código de Processo Penal (como garantir a instrução do processo, por exemplo).
Em segundo lugar, ainda que se tratasse de uma norma-princípio sujeita à ponderação, o argumento da impunidade não é um argumento jurídico. É no máximo uma preocupação de política criminal, que justifica a mudança do sistema pela via da alteração das leis existentes, mas jamais o afastamento ou restrição de normas definidoras de direitos fundamentais. Mesmo se adotada a técnica da ponderação, ela pressupõe um processo racional, formado por etapas lógicas – não se trata, pois, de escolher o que se acha melhor. No processo de ponderação entre normas constitucionais, incumbe ao intérprete um forte ônus argumentativo para fazer uma norma definidora de direito fundamental ceder passo em favor de uma norma constitucional de caráter sancionatório, haja vista que a proteção de tais direitos pela ordem constitucional se dá justamente para conter o ímpeto punitivo e o autoritarismo do Estado. Um argumento fático como a “impunidade” não pode se sobrepor aos valores de maior hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro.
Em terceiro lugar, ainda que o argumento da impunidade gozasse de hierarquia constitucional e fosse passível de ponderação com a presunção de inocência (o que já vimos que não é), ele é em grande parte falacioso, pois como já disse o Professor Pedro Serrano ao analisar as estatísticas a respeito do tema, o Brasil é “o quarto país do mundo que mais aprisiona. Dependendo dos critérios de cálculo, passamos a ser o terceiro da lista, superando a Rússia e ficando atrás apenas dos EUA e da China”. Em termos absolutos, o Brasil ainda é um país que prende muito.
4. SE O STF PODE SER ATIVISTA RECONHECENDO UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA CONTRA O ENUNCIADO DA CONSTITUIÇÃO, TAMBÉM PODERIA CONTRARIAR O TEXTO CONSTITUCIONAL NO CASO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. Seria incoerente admitir o ativismo judicial do STF contrário ao texto constitucional em alguns casos, como no reconhecimento da união estável homoafetiva em que o art. 226, §3º se refere a “união estável entre o homem e a mulher”, e rechaçar em outros como o da presunção de inocência, de maneira self-service.
De todos os argumentos, esse certamente é o mais frágil. O Poder Judiciário, em democracias constitucionais que admitem o controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos, exerce uma função contramajoritária. Aos magistrados, ainda que não eleitos pelo povo, compete tutelar os direitos albergados na Constituição contra a vontade de maiorias parlamentares que venham a desrespeitá-los. Se maiorias no Parlamento aprovam leis atentatórias contra esses direitos; se se omitem em aprovar as leis necessárias para implementá-los; se editam emendas constitucionais contrárias às cláusulas pétreas, cabe ao Poder Judiciário resguardar essas posições jurídicas constitucionais titularizadas por minorias que não conseguiram eleger representantes suficientes no Poder Legislativo a ponto de ver seus direitos serem respeitados. Ou seja: o Poder Judiciário – aí incluído o STF – pode ir além do que está expressamente escrito no texto da Constituição com o intuito de proteger direitos fundamentais dos cidadãos. Ele tem legitimidade para isso, pois faz parte das suas atribuições. Porém, jamais poderá fazê-lo para ofender direitos fundamentais ou restringir a esfera jurídica do cidadão, notadamente quando a liberdade de ir e vir está em jogo.
No caso específico da união estável, a Constituição prevê expressamente que a reconhece como família quando celebrada entre o homem e a mulher. Não veda, por outro lado, o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Quando o STF, com base em direitos fundamentais (e não em argumentos fáticos falaciosos como a “impunidade”) como a igualdade, a liberdade indvidual, a autonomia privada, e em um princípio constitucional como a dignidade da pessoa humana, afirma que é possível também reconhecer como família a união estável entre pessoas do mesmo sexo, ele: (i) não está indo contra o texto, já que o enunciado não diz ser proibido esse reconhecimento, mas apenas aponta, exemplificativamente, uma espécie de união estável (entre homem e mulher); (ii) não está restringindo direito fundamental de ninguém, mas sim aplicando direitos fundamentais já existentes e expressos na Constituição e com isso ampliando a proteção jurídica de uma minoria que não foi contemplada expressamente pelas maiorias parlamentares, que até agora insistem em omitir-se quanto à tutela desse direito.
Situação muito diversa é ir contra a literalidade do texto constitucional definidor de um direito fundamental para reduzir a esfera de proteção jurídica da liberdade do cidadão contra o poder punitivo do Estado. São, portanto, formas distintas de ativismo judicial: uma para proteger direitos e a outra para restringir direitos. A primeira encontra apoio na função contramajoritária do Poder Judiciário – se as maiorias parlamentares, por ação ou omissão, vulnerarem direitos fundamentais, incumbe aos juízes tutelar as minorias afetadas. A segunda encontra vedação no princípio democrático e no princípio da legalidade – é preciso ter legitimidade democrática para, por meio da criação de leis, restringir a esfera jurídica do cidadão.
Não há qualquer contradição em aceitar a primeira forma de ativismo judicial e rechaçar a segunda. Seria o mesmo que reputar contraditório o poder de reforma à Constituição: as emendas constitucionais podem alterar a Constituição no campo dos direitos fundamentais? Sim, podem para ampliar a sua proteção, mas não para eliminá-los da ordem constitucional. Há alguma incoerência nisso? Nenhuma. O mesmo se diga quanto à atuação do STF: pode ser ativista para protegê-los, mas não para eliminá-los da Constituição.
5. JÁ ERA ESSE O POSICIONAMENTO DO STF ATÉ 2009: O Supremo Tribunal Federal já adotava essa tese até o ano de 2009, de modo que não haveria problema em voltar ao entendimento anterior.
Pode uma Corte Suprema mudar a sua jurisprudência, superando seus próprios precedentes? Seguramente que sim, desde que haja alterações fáticas e jurídicas que justifiquem a superação do entendimento anterior e desde que isso não implique um retrocesso na tutela dos direitos fundamentais. Fala-se muito (mais na doutrina do que na jurisprudência) em vedação de retrocesso social, concebida como a proibição jurídica de revogação, pelo legislador, de normas legais ampliativas de direitos fundamentais sociais protegidos abstratamente pela Constituição e concretizados pelo Poder Legislativo. A cláusula do Estado Social de Direito serviria como uma barreira restritiva à liberdade de conformação do legislador, impedindo que ele eliminasse posições jurídicas favoráveis ao titular do direito social regulamentado pela lei sem uma substituição equivalente ou sem uma justificativa da proporcionalidade e razoabilidade da revogação de cunho restritivo. Há, porém, autores como Ingo Wolfgang Sarlet que sustentam a aplicação da vedação de retrocesso não apenas aos direitos sociais, mas a todos os direitos fundamentais, inclusive os de liberdade – no que se poderia incluir o direito à presunção de inocência.
Aliás, em sede doutrinária os Ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia Antunes Rocha – que votaram a favor da execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, adotando o novo posicionamento restritivo de direitos fundamentais – também sustentam essa tese. É do primeiro a seguinte passagem: “o que a vedação do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente. Isto é: a invalidade, por inconstitucionalidade, ocorre quando se revoga uma norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um vazio em seu lugar”. Ora, se nem ao Poder Legislativo é autorizado reduzir a proteção do direito fundamental, o que dizer em relação ao Poder Judiciário que possui legitimação democrática ainda menor? Por sua vez, a Ministra Cármen Lúcia assevera que “prevalece, hoje, no direito constitucional, o princípio do não-retrocesso, segundo o qual as conquistas relativas aos direitos fundamentais não podem ser destruídas, anuladas ou combalidas”.
O mais interessante é que mesmo em sede jurisprudencial o próprio Supremo Tribunal Federal já adotou expressamente a teoria da vedação de retrocesso em outras situações. Isso significa que não se trata de um “simples retorno” à posição anteriormente consolidada pela Corte. Cuida-se de uma involução – vale dizer, um verdadeiro retrocesso – na tutela dos direitos fundamentais.
6. NOS DEMAIS PAÍSES DO MUNDO, A PENA PODE SER EXECUTADA DEPOIS DE OBSERVADO O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. Quando analisados outros ordenamentos jurídicos, percebe-se que o comum é aceitar-se a execução da pena após o duplo grau de jurisdição e antes do julgamento de recursos por tribunais superiores.
Novamente o argumento é de fragilidade tamanha que sequer merece consideração. Em primeiro lugar, porque as comparações são muito importantes para determinadas finalidades, mas não para outras. É evidente que o Direito Comparado é relevante para o Poder Legislativo no momento de criação de novas soluções para o sistema jurídico vigente, ou então para debater política criminal e discutir quais medidas podem ser mais úteis ou eficazes. Entretanto, a relevância despenca se o tema em discussão for a interpretação do próprio sistema constitucional brasileiro. Como interpretar a Constituição da República Federativa do Brasil com base na ordem constitucional dos Estados Unidos da América do Norte? As previsões constitucionais brasileiras devem ser interpretadas em conformidade com o sistema pátrio, bem como com os tratados internacionais de direitos humanos incorporados pelo Direito pátrio. Agora, os sistemas constitucionais de outros países jamais podem ser utilizados como argumentos para interpretar restritivamente um enunciado normativo brasileiro que tutela um direito fundamental. Se os textos constitucionais de Portugal ou da Itália utilizam terminologias distintas do dispositivo brasileiro para tratar da presunção de inocência, o azar é deles! No Brasil, deve ser aplicada a norma brasileira, exatamente da forma como está prevista. Podemos discordar do conteúdo da Constituição, considerando-o ruim ou inadequado a determinados fins; não, porém, ignorá-lo ou negar-lhe vigência com base em uma concepção pessoal do que seria melhor para o sistema penal.
Em segundo lugar, o simples fato de outros sistemas – seja em um, dois ou em todos os outros países – adotarem uma solução diferente não faz deles melhores do que o nosso. Não é porque nos Estados Unidos da América do Norte ainda há unidades federativas que aceitam a pena de morte que isso fará com que a aceitemos no Brasil. Se nossa Constituição proíbe e disciplina o tema de maneira diversa, mais protetiva ao ser humano (seja ele acusado de um crime ou não), é a norma brasileira que deverá ser aplicada. Há institutos que só existem no Direito brasileiro – e não existem de forma similar em nenhum outro país – e nem por isso são ruins. Tome-se como exemplo o mandado de injunção, que não encontra similar idêntico em outros ordenamentos e tem se prestado a uma tutela reforçada dos direitos fundamentais.
Em terceiro lugar, as comparações devem sempre ser feitas com muito cuidado, devendo-se atentar para a proximidade e semelhanças entre a realidade social e econômica do país utilizado como paradigma e a situação brasileira, pois não faz o menor sentido comparar medidas processuais vigentes em países nos quais o Poder Judiciário funciona de forma muito mais célere e eficiente do que no Brasil. A comparação, muitas vezes, é distorcida, forçada e inaplicável.
Observados os argumentos favoráveis à decisão do Supremo Tribunal Federal (e os motivos que atestam a sua improcedência), vejamos então alguns dos principais fundamentos para rechaçar a possibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória:
1. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA COMO CLÁUSULA PÉTREA: Se nem o poder de reforma da Constituição está autorizado a eliminar direitos e garantias fundamentais, admitir que o STF possa restringir o núcleo essencial de direitos fundamentais contrariando a literalidade do texto constitucional é um contrassenso.
A Constituição brasileira prevê, no art. 60, §4º, IV, que não serão aprovadas emendas tendentes a abolir os direitos e garantias individuais. A previsão de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” encontra-se protegida entre essas cláusulas pétreas. O constituinte impôs essa proibição em um momento de lucidez, de amplo debate democrático, que contou com a participação dos mais diversos segmentos da sociedade, para evitar que súbitos emocionais experimentados por maiorias eventuais no Parlamento viessem a degradar a essência da Constituição. Se o poder reformador decidisse eliminar essas normas, teria de invocar o poder constituinte e criar uma nova ordem constitucional, pois a anterior não poderia sobreviver se lhe fossem retiradas essas disposições fundamentais. Eliminar uma cláusula pétrea é como retirar o coração do sistema constitucional, ferindo-o de morte.
Pois bem. O poder reformador ostenta uma prerrogativa muito maior do que a do STF, pois lhe é autorizado modificar a Constituição quase que inteira – com exceção das cláusulas pétreas. Se nem mesmo esse poder de reforma está autorizado a eliminar direitos fundamentais, seria um flagrante contrassenso aceitar que o Supremo Tribunal Federal pudesse fazê-lo. Ao admitir a tese da execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a Corte atingiu o núcleo essencial do direito fundamental à presunção de inocência, uma vez que só se pode aplicar pena quando houve crime; e só pode haver crime quando há antijuridicidade, tipicidade e culpabilidade; e só há culpabilidade quando alguém é considerado culpado. E segundo o art. 5º, LVII da Constituição, só se pode considerar alguém culpado após o trânsito em julgado da sentença penal. Assim, o principal objetivo desse dispositivo constitucional – seu núcleo essencial, portanto – é exatamente este: impedir que alguém seja considerado culpado (e, por consequência, tenha a sua liberdade restringida) antes de esgotados todos os recursos cabíveis.
2. RISCOS DA RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO PODER JUDICIÁRIO: TORTURA E PENA DE MORTE: A relativização do texto expresso da Constituição em matéria de direitos fundamentais para restringir a esfera jurídica do cidadão gera uma grave ameaça ao Estado Democrático, pois pode levar à admissibilidade da tortura e da pena de morte.
Há um forte risco para a democracia em aceitar que o Supremo Tribunal Federal possa, pela via interpretativa, adotar solução mais restritiva à esfera jurídica do cidadão do que aquela que o constituinte, mediante disposição constitucional expressa, estabeleceu para fins de proteção de direitos fundamentais. Se o poder constituinte, ao definir um direito fundamental, fixou uma proibição (no caso em tela, a de considerar alguém culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória), não pode vir o STF e relativizá-la com base no clamor popular pelo fim da impunidade. Se o sistema processual brasileiro é ineficiente, ele deve ser modificado pela via legislativa. As garantias inscritas no texto constitucional não estão na esfera de disponibilidade do legislador, muito menos do Poder Judiciário, descabendo a este último afastá-las em nome da moralidade ou da eficiência na aplicação das sanções penais.
Tome-se como exemplo os direitos fundamentais previstos no art. 5º, incisos III (“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”) e XLVII, “a” (“não haverá penas: (...) de morte (...)”). Certamente que se o Estado pudesse lançar mão da tortura obteria muito mais confissões (tanto de acusados culpados, quanto de inocentes) e aplicaria muito mais penas. Se pudesse aplicar a pena de morte, muitos diriam que o sistema punitivo seria mais eficiente (sob o ponto de vista da vingança), ainda que isso custasse a vida de inocentes. No entanto, o sistema constitucional brasileiro claramente não as admite.
Se o Supremo Tribunal Federal encampa hoje o argumento da impunidade para contrariar o texto constitucional que protege a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença, o que o impede amanhã de relativizar as proibições de tortura e de pena de morte? Poderá vir a dizer que a tortura estaria proibida salvo se fosse para obter a confissão do acusado. Seria uma exceção à regra, escondida nas dobras do tecido constitucional. Diria então o STF que a pena de morte estaria proibida salvo se fosse aplicada de forma célere e indolor em casos de crimes hediondos – jamais de maneira indiscriminada é claro, mas sim como uma pequena exceção à regra. Veja-se o risco ao qual essa decisão nos submete: a relativização de direitos fundamentais expressamente assegurados no texto constitucional gera um gravíssimo perigo ao Estado Democrático de Direito, pois em nome da eficiência do sistema penal as garantias mais basilares podem vir a sucumbir.
3. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: De acordo com os princípios de interpretação constitucional, mormente o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, em caso de interpretação dúbia é preciso adotar aquela que atribua maior eficácia à norma constitucional, em especial àquelas definidoras de direitos fundamentais.
Os cursos e manuais de Direito Constitucional tradicionalmente arrolam em um capítulo dedicado à hermenêutica constitucional os métodos e princípios de interpretação da Constituição. Ainda que alguns digam que tudo isso está ultrapassado, eles continuam a aparecem nos livros e nas aulas iniciais de Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Para quê? Talvez realmente para nada, pois na prática, em geral, são ignorados solenemente. Contudo, por mais que os autores controvertam a respeito dessa temática, talvez em um ponto haja concordância: nos princípios da força normativa e da máxima efetividade das normas constitucionais.
As disposições constitucionais não são lembretes, recados para o legislador. São normas jurídicas, dotadas de imperatividade. Elas vinculam os Poderes Públicos, aí incluído o Poder Judiciário. Quando a Constituição fala que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” ela está impondo uma proibição que deve ser levada a sério pelo Supremo Tribunal Federal, pois se encontra carregada de força cogente. Eis, aí, o significado do princípio da força normativa da Constituição, que vincula a jurisdição e impede a Corte Suprema de fazer vistas grossas ao que está explicitamente assegurado no texto constitucional.
“Mas há uma dubiedade nessa disposição”, dirão alguns, defendendo a tese refutada anteriormente acerca da existência de uma “margem de interpretação” no art. 5º, LVII da Constituição. Tudo bem, vamos supor que realmente haja mais de uma interpretação aceitável desse enunciado. A primeira delas é a de que não pode haver execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão – mais protetiva ao ser humano e à sua liberdade. A segunda é de que pode haver execução da pena se confirmada a decisão condenatória pelo tribunal, já que em relação às questões fáticas a sentença já transitou em julgado – mais ofensiva à esfera jurídica do cidadão e à sua liberdade. Se essa previsão normativa está alojada no capítulo destinado à tutela dos direitos e garantias fundamentais, qual é a interpretação que confere maior eficácia à Constituição? E o princípio pro homine, tão afirmado em sede das Cortes Internacionais de Direitos Humanos (como é caso da Corte Interamericana), que impõe a adoção da interpretação mais benéfica ao ser humano? Certamente que o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, aliado aos princípios pro homine e da força normativa da Constituição apontam, todos eles, para o dever de acolher a primeira interpretação. Do contrário, todas as lições relativas à hermenêutica constitucional se tornariam afirmações lítero-poético-recreativas.
4. DIREITO À INDENIZAÇÃO NOS CASOS DE REFORMA DA DECISÃO CONDENATÓRIA: Considerando os percentuais de mudança das decisões de segunda instância pelos tribunais superiores, a aceitação da execução da pena nessa fase do processo irá gerar uma série de novas demandas judiciais de indenização contra o Estado, propostas por inocentes que terão cumprido penas que não lhes eram devidas.
Considerando o significativo índice de habeas corpus e recursos em habeas corpus que logram êxito nos tribunais superiores em face de decisões de segunda instância que confirmam sentenças penais condenatórias, um grande número de pessoas inocentes acabará cumprindo penas indevidas pelo fato de não se aguardar o trânsito em julgado da decisão. De acordo com pesquisa realizada pela FGV Direito Rio em 2014, foram concedidos pelo STF 8,27% dos Habeas Corpus e Recursos em Habeas Corpus entre os anos de 2008 a 2012, ao passo que no Superior Tribunal de Justiça foram concedidos 27,86%.
Se quisermos adotar a lógica da eficiência para discutir o tema – já que a tônica é essa, uma vez que a decisão do STF parece aceitar a punição de alguns inocentes em nome da redução da impunidade de alguns culpados com vistas à eficiência do sistema punitivo – imagine-se o vasto número de ações de responsabilidade civil do Estado ajuizadas por inocentes que vierem a sofrer a pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado das decisões penais que os condenaram em segunda instância. Nunca é demais lembrar que o direito à indenização nesses casos também está explicitamente assegurado na Constituição entre os direitos fundamentais, no art. 5º, LXXV: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.
5. O USO DA REALIDADE FÁTICA PARA INTERPRETAR A CONSTITUIÇÃO CONDUZIRIA A SOLUÇÃO DIVERSA (SITUAÇÃO CAÓTICA DAS PRISOES): Se a realidade fática pode ser utilizada como argumento para interpretar o art. 5º, LVII da Constituição, a melhor interpretação seria a que veda a execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão, haja vista a situação caótica do sistema prisional brasileiro.
No ano anterior à decisão que ora se discute, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, na ADPF 347, a absoluta falência do sistema penitenciário brasileiro, marcado por péssimas condições nos estabelecimentos prisionais, superlotações, insalubridade e graves violações aos direitos fundamentais dos presos, a caracterizar um verdadeiro “estado de coisas inconstitucional”. Na demanda, observa-se que a Corte admite que a situação carcerária no país se encontra a ponto de explodir, haja vista as péssimas condições em que se encontram as penitenciárias.
Se os argumentos fáticos passaram a valer mais do que os fundamentos jurídicos – como parece ser a tônica da decisão acerca da presunção de inocência, enraizada na alegação de excesso de recursos e impunidade no país – então a realidade fática das prisões brasileiras deveria ser levada em conta no momento de interpretação do art. 5º, LVII da Constituição Federal: a melhor interpretação para o dispositivo deveria ser aquela que menos prejudicasse a situação atual do cárcere no país e que menos contribuísse para o agravamento da sua crise.
É evidente que não estou aqui sustentando que argumentos fáticos como esse devem guiar a hermenêutica constitucional da forma proposta. O argumento, aqui, apenas presta-se a evidenciar que se o Supremo Tribunal Federal realmente considera que a realidade fática deve influenciar a leitura dos comandos constitucionais, é no mínimo contraditório que a Corte tenha ignorado essa importantíssima constatação registrada no curso da ADPF 347, de modo que se os fatos são relevantes para interpretar a Constituição, a situação caótica das prisões – que será agravada com a decisão do STF no HC 126292 – deveria ter sido considerada.
Para concluir: se estamos vivendo atualmente no Brasil um período de exceção à moralidade, diante de tantos casos de corrupção e de impunidade, isso não justifica que ingressemos então em um período de exceção aos direitos e garantias fundamentais. A sanha condenatória de alguns não pode achincalhar com os direitos fundamentais dos outros. E é ao Supremo Tribunal Federal que incumbe proteger esses direitos albergados na ordem constitucional, ainda que contra a vontade da maioria. O STF deve ser o guardião da Constituição, não o seu coveiro.