César de Faria Jr (BA)
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Em seu pedido de homologação da colaboração premiada dos líderes do grupo JBS ao Supremo Tribunal Federal, assim se justificou a Procuradoria Geral da República:
“Em razão do ineditismo de muitos dos temas trazidos pelos colaboradores, da atualidade das ilicitudes reportadas e da grande utilidade dos elementos de corroboração trazidos tanto para investigações em curso como para novas frentes relevantes de apuração, a premiação pactuada entre as partes signatárias dos acordos foi o não oferecimento de denúncia em face dos colaboradores.” (Grifou-se).
Afinal, requereu a PGR a homologação ao STF, com fundamento no art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/2013.
O STF, por sua vez, através da decisão monocrática do Relator, Min. Edson Fachin, homologou o referido Acordo, considerando que:
“Como decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal ‘a homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador” (HC 127.483/PR, Pleno, rel. Min. Dias Toffoli, j. 26.8.2015).
“Considerando as cláusulas dos acordos trazidos à homologação, vistas quanto à regularidade e legalidade, não depreendo contrariedade com o texto Constitucional e com as leis processuais penais.
Os colaboradores, ouvidos em audiência designada com base no precitado art. 4º, § 7º, da Lei 12.850/2013, reafirmaram a voluntariedade dos acordos na presença de advogado, como demonstram os termos e o conteúdo das mídias digitais juntadas aos autos.
3. Com essas considerações, não cabendo ao Poder Judiciário, neste momento, a emissão de qualquer juízo quanto ao conteúdo das cláusulas acordadas, homologo os Acordos de Colaboração premiada (...), para que produzam seus jurídicos e legais efeitos perante qualquer juízo ou tribunal nacional, nos termos da Lei 12.850/2013”.
Com a devida vênia, mesmo sem fazer “qualquer juízo de valor a respeito das declarações dos colaboradores”, haveria de se verificar, ainda que em um “juízo de delibação”, a presença dos pressupostos legais do acordo homologado para se deixar de oferecer denúncia.
Tivesse havido uma análise, ainda que superficial, da posição dos colaboradores, facilmente seria constatada a completa impossibilidade legal do oferecimento da questionada “imunidade especial” aos irmãos Batista, líderes da organização criminosa em que se transformou seu grupo empresarial, ao longo da última década, com expansão e lucros exponenciais, obtidos por eles com a declarada corrupção de 1890 autoridades e políticos de diversos partidos.
O citado art. 4º da Lei 12.850/2013, no seu § 4º, estabelece como um dos pressupostos para o Ministério Público deixar de oferecer denúncia, não ser o colaborador líder da organização criminosa, in verbis:
§ 4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:
I – não for líder de organização criminosa;
II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.
Diz, ainda, o § 1º, do mesmo art. 4º, que, “em qualquer caso”, a concessão do benefício, deve levar em conta não apenas a relevância ou eficácia da colaboração, mas igualmente “a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato”, na letra da lei:
§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Sobre a polêmica disponibilidade da ação penal pelo Ministério Público, válidas as lições dos Professores Doutores Cezar Roberto Bitencourt e Paulo César Busato, o primeiro Procurador de Justiça aposentado e o segundo atual Procurador de Justiça do Estado do Paraná:
“Aqui, importa destacar outra previsão absolutamente incongruente da Lei n. 12.850/2013. Está expressamente previsto (art. 4º, § 4º) que é possível ao Ministério Público deixar de oferecer denúncia contra o colaborador se ele não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva colaboração.
A primeira questão – deixar de oferecer denúncia – representa claríssima afronta à indisponibilidade da ação penal pelo Ministério Público. Conquanto tenha sido já mitigada pela Lei n. 9099/95, nos casos de transação penal. O certo é que naquela os chamados crimes de menor potencial ofensivo são menos relevantes e existe até uma certa administrativização do Direito Penal, convertendo-o em Direito de mera ordenação social.
Além disso, e ainda mais grave, as benesses concedidas pela lei, consistentes em redução de pena, substituição por privativa de direitos ou perdão judicial, são todas medidas aplicáveis ao tempo da sentença, não sendo possível aplicá-las sem processo. E, sem denúncia, não há processo. Ademais, os resultados ou conseqüências da delação somente poderão ser apreciados e valorados na sentença, antes é impossível que se obtenha essa conclusão.
Sendo assim, a previsão legal do art. 4º, § 4º, é assombrosamente impertinente. Isso ainda sem contar o absurdo dos seus requisitos. Por exemplo: como saber se o colaborador é ou não líder da organização antes de instruir o feito? Realmente, o § 4º do art. 4º é inaplicável porque é, simplesmente, imprestável. Mas essa inaplicabilidade da previsão contida nesse dispositivo legal deve, necessariamente, ser colocada ao delator e seu defensor sob pena de incorrer em acordo fraudulento, isto é, prometer algo impossível de ser concedido para obter a delação. A clareza, seriedade e honestidade são imprescindíveis nessa “negociação”, para preservar um mínimo de ética, se é que se pode usar essa expressa nesse malfadado instituto.” (In “COMENTÁRIOS À LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 134).
Por conseguinte, por mais relevante que seja a colaboração, o que não se discute aqui (“os fins não justificam os meios”), data maxima venia, não poderia o Ministério Público, neste caso, pactuar o não oferecimento da denúncia, causando perplexidade à nação, que assiste estarrecida a impunidade dos bilionários criminosos, levando-se à nociva conclusão que o crime compensa.
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