César de Faria Jr (BA)
Se existe uma conseqüência indiscutível decorrente do princípio constitucional da presunção de inocência, é a de que, na dúvida, deve-se sempre absolver o acusado. Trata-se do secular brocardo in dubio pro reu.
Sendo assim, o que se pode dizer de uma legislação que, ao manter o número 07 de jurados, possibilita que a condenação, no Tribunal do Júri, continue a se dar pela diferença de apenas um voto (4x3), em um veredicto pronunciado pelo sistema da íntima convicção de juízes leigos, de forma sigilosa e sem apresentar fundamentação?
Essa é uma das críticas que fazemos ao PL 8045/2010, que irá instituir o novo Código de Processo Penal, em tramitação na Câmara dos Deputados, sugerindo o aumento do número de jurados para 08.
Senão, vejamos.
PL 8045/2010:
Seção IX
Da composição do Tribunal do Júri e da Formação do Conselho de Sentença
Art. 360. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente, e por 25 (vinte e cinco) jurados, que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.
SUGESTÃO: Alterar o número de jurados para 08.
“O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 8 (oito) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.”
JUSTIFICATIVA:
O número proposto de 8 jurados estava na redação original do Projeto de Lei do Senado nº 156/2009 (PLS, Art. 349), mas, lamentavelmente, retornou para 7, na redação final em 2010.
Como se sabe, o Júri, entre nós, foi criado em 18 de julho de 1822 por Decreto do Príncipe Regente, pouco antes da proclamação da independência do Brasil, com competência para julgar os crimes de imprensa: 24 jurados, podiam ser recusados 16, ficavam até 8.
O Júri foi previsto na Constituição de 1824 (Imperial), no Capítulo do Poder Judiciário, art. 151:
“O Poder Judicial independente, e será composto de Juízes, e Jurados, os quais terão lugar assim no Cível, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Códigos determinarem.”
No Código de Processo Criminal de 1832 (Império) foi mantido o número par de jurados em 12.
A Constituição republicana de 1891 manteve o mesmo número de jurados, quando assegurou no Capítulo de Declaração de Direitos, Art. 72, § 31, que:
“É mantida a instituição do júri.” – 12 jurados.
A questão do número par de jurados permaneceu inalterada também na Constituição de 1934:
Capítulo de Poder Judiciário, Art. 72:
“É mantida a instituição do júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”.
A Constituição “POLACA” de 1937 foi a única, até hoje, que não fez nenhuma menção ao Júri, foi totalmente omissa.
E, como a independência do Júri sempre incomodou os ditadores (v.g. Napoleão, Mussolini), no ano seguinte, Getúlio Vargas, através do Decreto-lei 167 de 1938, visando facilitar a condenação de seus adversários, reduz o número de jurados para 7, institui a incomunicabilidade entre os jurados e abole a soberania dos seus veredictos.
Portanto, é fato histórico eloquente que a redução do número de jurados para 07, a permitir a condenação por 4X3, o que representa verdadeira “dúvida aritmética”, foi introduzido no auge da Ditadura Vargas.
O Código de Processo Penal de 1941 (Decreto-Lei Nº 3.689, 03/10/1941), de inspiração fascista, manteve o mesmo número ímpar:
CPP, redação original, Art. 433:
“O Tribunal do Júri compõe-se de um juiz de direito, que é o seu presidente, e de vinte e um jurados que se sortearão dentre os alistados, sete dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento”.
Com o processo de redemocratização do País, a Constituição de 1946, não obstante tenha restabelecido a soberania do Júri e, pela primeira vez, falado em plenitude de defesa, manteve o número ímpar de jurados:
Título de direitos e garantias individuais, art. 141 §22:
“É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”
Ressalte-se, por oportuno, que o número ímpar de jurados, por si só, não é antidemocrático, desde quando se exija uma maioria qualificada para condenação. Nesta senda, poder-se-ia manter o número 7 de jurados, desde que se exigisse para condenação, pelo menos, 5x2.
As outras Constituições até a atual não trataram do número dos jurados:
Constituição de 1967:
Art. 150, §18:
“São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”
EC Nº 1 à Constituição de 1969:
“É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.”
Constituição de 1988:
Título de direitos e garantias fundamentais,Art. 5º,inciso XXXVIII:
“é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;”
E mesmo com as mudanças introduzidas pela Lei 11.689/2008, no Capítulo do procedimento do Júri, ainda se manteve o número 7 de jurados:
CPP, Art. 447:
“O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.”
No direito comparado, em vários países, a condenação pelo Júri somente é possível à unanimidade ou por maioria qualificada de 2/3.
INGLATERRA:12 jurados, decisão condenatória 10x2.
EUA: Júri Federal, 12 jurados, decisão unânime para todos os casos criminais. Na maioria dos Estados também.
FRANÇA: ESCABINATO: 3 magistrados e 9 jurados, condenação por 8 votos (2/3).
ITÁLIA: ASSESSORADO:Com 02 juízes togados e 06 cidadãos, decisão por maioria.
ESPANHA: Tribunal del Jurado. 09 jurados e 01 magistrado (aplicar pena). Condenação por sete votos. (Consulte “Tribunal do Júri” de Paulo Rangel, 4ª edição, Cap. 2, “O Júri na História”, São Paulo: Atlas, 2012).
É certo que, em PORTUGAL, o número é de 7 e as decisões são por maioria de votos, mas lá o júri tornou-se facultativo e, dos 7 jurados, 3 são magistrados.
Já no Brasil, o Júri, conquanto previsto como direito e garantia fundamental na atual Constituição, continua sendo obrigatório para os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, no qual os jurados julgam pelo sistema da “íntima convicção”, de acordo com a consciência de cada um, ficam incomunicáveis e proferem seus votos de forma sigilosa, de modo que não precisam e nem podem fundamentar suas decisões, não sendo razoável manter-se o número ímpar de jurados e se permitir condenação por diferença de apenas 01 voto.
As decisões continuariam sendo tomadas por maioria de votos e, em caso de empate (4x4), a dúvida seria resolvida em favor da liberdade individual, como ocorre em outros colegiados, havendo necessidade de acrescentar tal hipótese ao art. 402 do PL 8045/2010:
Art. 402. As decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos e, em caso de empate, resolver-se-á em favor do réu.
Se o Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, como proclama o art. 1º da Constituição da República, não pode continuar a admitir condenação na dúvida, como, desgraçadamente, ainda ocorre no Tribunal do Júri, pois a dúvida é a certeza dos loucos e os loucos não julgam, nem podem ser julgados.