Carlos Ari Sundfeld (SP)
Dilma exerceu uma competência política que a Constituição deu aos presidentes: nomeou Lula como ministro. Os partidos de oposição, querendo enfraquecer politicamente o governo, foram ao Supremo Tribunal Federal. Disseram que o ato é contra o direito. Será?
O STF, gato escaldado, sabe jogar água fria no calor dos políticos, que gostam de buscar na justiça o que perdem na política. Dilma ganhou a eleição e é livre para usar critérios políticos na escolha de ministros. Ela escolheu Lula. Nenhum impedimento formal pesa contra ele, que não foi condenado pela justiça e pode assumir cargos públicos. O STF vai impedir isso só por que a oposição não gostou?
Neste caso, o direito parece estar com Dilma. Nomear ministros é a mais alta das competências discricionárias, um verdadeiro ato político. Juízes não podem tomar para si o poder de decidir o bom ou mau em matéria política. O STF reconhece isso. Mesmo assim, estranhamente, é mais fácil Dilma ganhar sozinha na Sena do que ganhar com Lula no STF.
Lula está sendo investigado no maior caso de corrupção político-empresarial já levado à justiça no Brasil. A inocência se presume. Talvez Lula, um político importante, esteja sendo injustiçado e perseguido, como dizem seus apoiadores. Mas a polícia, o ministério público e o juiz da investigação já tinham tornado públicas avaliações preliminares: Lula é suspeito de, como presidente da república e líder do partido no poder, ter sido mandante e beneficiário de grande esquema criminoso. E mesmo assim Dilma entregou a ele a chefia da Casa Civil, que faz a coordenação de toda a administração federal e pode influir sobre a polícia, a receita federal e as escolhas de magistrados.
Essa situação estranha deve levar o STF a fixar uma orientação nova: é ilegal nomear pessoa investigada ou processada por crimes muito graves contra a administração pública quando, tanto pela natureza e importância do cargo, como pelas circunstâncias da investigação ou do processo, haja risco razoável de constrangimento ao funcionamento regular do sistema de justiça.
Quando a investigação apertou, com a busca e apreensão e o depoimento forçado, Lula, Dilma e outros ministros passaram a usar atos públicos para criticar, com veemência e paixão, a polícia, o ministério público e o juiz. A posse de Lula foi o clímax: no palácio presidencial gritos ecoavam, falando em um golpe armado pelo sistema de justiça. Talvez tenham razão no mérito, é cedo para descartar a hipótese. Mesmo assim, o STF verá nessas atitudes não simples emoções passageiras, mas uma mistura de desafio e insulto ao sistema de justiça. A Lava Jato não é um caso qualquer, a Casa Civil não é um lugar qualquer, Lula não é um investigado qualquer, sua posse não foi uma posse qualquer. Não é certo que Lula viesse a fazer algo errado, mas o tribunal verá, em sua peculiar nomeação e posse, ao menos um risco razoável ao funcionamento do sistema de justiça.
E há os outros elementos. Lula foi nomeado pouco depois da operação da polícia federal e um dia após ser remetida a Curitiba uma denúncia de promotores de São Paulo, com pedido de prisão. Tudo estranho: o ato foi publicado em poucas horas em diário oficial extraordinário; um termo de posse ficou assinado sem data, em mãos de Dilma. Estariam ela e Lula desafiando a justiça? Talvez não, mas as circunstâncias sugeriram que sim. E não ajuda muito o fato de Lula falar demais e de ter opiniões fortes sobre as pessoas e as instituições. O tribunal pode ter receio de que Lula passe das palavras ásperas à ação ousada e, justamente agora, ponha em risco o sistema de justiça.
Na decisão do caso Lula, pesará muito a jurisprudência que o STF construiu sobre a proibição do nepotismo como limite implícito à nomeação para cargos de confiança. É simples entender por quê. O STF viu, no simples parentesco, um risco sério de desvio de finalidade no exercício da competência discricionária de nomear, e por isso proibiu rigidamente a escolha de parentes. Os riscos neste novo caso parecem mais sérios. O STF não vai aceitar corrê-los.
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