Bernardo Strobel Guimarães (PR)
Dentre os atos iniciais da Administração Temer, está a exoneração do diretor presidente da Empresa Brasileira de Comunicação - EBC. Nada obstante seja comum a prática de exonerar os quadros diretivos das estatais quando se tem alguma mudança administrativa, a questão da EBC tomou contornos interessantes. Isso porque a lei que autorizou a criação dessa sociedade de economia mista (Lei 11.652/2008), assinalou que seu corpo de dirigentes exerce mandato como será detalhado abaixo. Com base nisso, o diretor presidente exonerado impetrou mandado de segurança contra o seu desligamento da empresa (MS 34.205/DF, Rel. Min. Dias Toffoli). Examinado o tema sob o prisma liminar, foi concedida ordem determinando a permanência do atual diretor presidente, especialmente com base no fato de que ele é titular de mandato, o que aproximaria o regime dessa empresa das regras relativas às Agências Reguladoras.
Para além dos contornos políticos associados à discussão, fato é que a existência de mandatos em empresas estatais é tema que não foi objeto de reflexão por parte de nossa doutrina (tal como se deu com as Agências). Em regra, o tema das estatais é ainda tratado com base na rationale do DL 200/67, que assume ainda nos dias de hoje centralidade nos debates acerca da Administração Indireta. Assim, diante do inusitado da situação, cumpre examinar o tema ainda que de modo pontual.
Como ponto de partida, precisa-se analisar o marco normativo que autorizou a criação da EBC. Nesse sentido, a Lei 11.652 autorizou a União a criar, vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, uma empresa estatal organizada sobre a forma de Sociedade Anônima. A referida empresa foi submetida a regras específicas acerca de diversos pontos como, por exemplo, no que se refere à sua administração. Aqui, o modelo empregado se afastou do ordinariamente utilizado pelas sociedades anônimas.
De acordo com o art. 12 da Lei, a EBC será administrada por um Conselho de Administração e por uma Diretoria Executiva. Conforme o art. 13, o Conselho de Administração, nomeado exclusivamente pelo Presidente da República, tem cinco membros cujas indicações são previamente estipuladas na Lei.
Já a Diretoria Executiva será ocupada por um diretor-presidente e um diretor-geral, nomeados pelo Presidente da República e por até seis diretores, eleitos e destituíveis, pelo conselho de administração (de acordo com o art. 19, caput). Segundo o art. 19, § 2o, o Diretor-Presidente é titular de mandato de 4 anos. Já o § 3º prevê que os membros da Diretoria Executiva podem ser afastados caso recebam dois votos de desconfiança do Conselho Curador, no período de 12 meses e com intervalo mínimo de 30 dias.
Além dessas figuras, são previstos ainda um Conselho Fiscal com 3 membros e um Conselho Curador, integrado por 22 membros (cf. arts. 14 e 15 a 18, respectivamente). Por fim, prevê-se ainda uma ouvidoria. Segundo a Lei, os membros do Conselho Curador são titulares de mandato, de dois ou quatro anos a depender de sua origem. Por outro lado, o art. 15, § 9o indica as hipóteses de perda de mandato, tornando clara a estabilidade no exercício da referida função.
Como se nota, malgrado seja a EBC constituída como uma sociedade anônima, fato é que o legislador outorgou a ela regras próprias no que se refere à Administração, que nada lembram as regras da Lei das S/A. Mais do que isso, para o Conselho Curador e para o Diretor presidente, estipulou-se mandato a prazo fixo, assim como indicaram-se as condições para a destituição dessas atribuições. A questão que se põe, portanto, é saber se tais prescrições vedariam a exoneração imediata por parte do Presidente da República.
E, conforme noticiou-se acima, de acordo com a apreciação liminar do Min. Dias Toffoli, a resposta é negativa: a atribuição de mandato é dotada por si só de sentido, exigindo que se respeite o prazo nele assinalado. Nessa hipótese, o afastamento do diretor-presidente só poderia se dar de acordo com as previsões contempladas na própria lei que autorizou a criação da EBC, que não contemplaram a decisão discricionária do Presidente. Assim, essa possibilidade não se poria, sendo nítido, segundo afirmou a decisão, o intuito de o legislador dotar de maior autonomia a referida empresa. Por outro lado, a decisão afirma ainda que, nada obstante a regra seja que nas entidades empresariais controladas pelo Estado os administradores são demissíveis ad nutum, seria possível dar contornos de direito público às empresas estatais nos casos em que elas desempenhem atividades públicas. Nessa linha, analisando a missão institucional da empresa, aludiu-se que as atividades prestadas configurariam "verdadeiro serviço público essencial", o que legitimaria a previsão de independência dos quadros diretivos da empresa.
Como se sabe, desde a previsão de autarquias em regime especial (as famigeradas Agências Reguladoras) se discute acerca da possibilidade de se criarem mandatos fixos, que excluiriam a possibilidade de o Chefe do Executivo por ato de vontade seu. Segundo os que criticam a possibilidade, isso implicaria uma redução da capacidade diretiva do Chefe do Executivo, que tem por missão constitucional dirigir a Administração Direta e Indireta (art. 84, II). Com o devido respeito, essa crítica se funda mais na descrição doutrinária do modelo da Constituição do que no que nela está previsto. Com efeito, se levarmos a sério a ideia de que a Administração Indireta se estrutura por lei, fato é que há a possibilidade de se criarem diversos modos de relação entre a Administração Direta e Indireta, não havendo um modelo geral como faz crer o culto do DL 200. Aqui, a liberdade de conformação do legislador é substancial, desde que respeitado os standards inequívocos da Constituição.
Nessa linha, dotar figuras da Administração Indireta de mandato fixo não ofende preceito constitucional de qualquer ordem, pois a Constituição em momento algum indicou como prerrogativa do Chefe do Executivo demitir os quadros diretivos das entidades que integram a Administração Indireta. A complexidade das atribuições administrativas se reflete em suas estruturas, competindo a cada lei calibrar as exigências concretas de cada caso. O modelo da Constituição - focado em lei específica - conduz a essa nota de complexidade. Assim, do ponto de vista da Constituição, nada embaraça que entes da Administração Indireta tenham sua autonomia reforçada, desde que essa decisão tenha lastro inequívoco em lei.
Vista a possibilidade de se prever maiores grados de independência em favor de figuras da Administração Indireta, cumpre indagar se o fato de se estar diante de figura de natureza empresária alteraria essa circunstância. Ao que nos parece, a resposta novamente é negativa. Isso porque, nada obstante as empresas estatais que explorem atividades econômicas submeterem-se ao regime de direito privado, nada embaraça que as leis que autorizem sua criação tragam normas específicas no que se refere a como a posição de controladora será exercida. Tais normas encontram-se no âmbito dos limites conferidos pelo Legislativo para que a Administração se dedique à exploração de atividade de interesse público em regime empresarial. E, na precisa medida em que elas não afetam prima facie interesses privados, pois dizem respeito à relação entre o Estado e sua ingerência sobre a sociedade por si constituída, não se poderia invocar a sujeição das estatais ao regime privado como óbice para a previsão em lei de mandatos para os administradores nomeados pela Administração nas estatais.
Aliás, destaque-se que a própria Constituição, ao aludir às empresas estais, menciona no art. 173, § 1o, V, de modo expresso, a figura do mandato para os diretores de estatais. Nessa linha, a lei a ser editada para disciplinar as estatais prevê (e lá se vai uma mora de quase trinta anos) que se disciplinem "os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores". Logo, a previsão de mandatos para os dirigentes de estatais parece ser perfeitamente constitucional, não havendo qualquer limitação para que apenas no caso de autarquias possa se utilizar essa técnica de reforço da autonomia.
Aliás, na justa medida em que a Constituição prevê uma maior autonomia das figuras empresariais em relação às pessoas sujeitas integralmente ao regime público, a adoção de mandato no âmbito das estatais se mostra consentânea com esse objetivo. Mais ainda, na precisa medida em que a própria Constituição prevê a figura do mandato no art. 173, § 1o, V, a questão verdadeira é saber se o modelo dos mandatos não seria obrigatório em todas as estatais, reforçando a independência de seus gestores e preservando-as das vicissitudes do jogo político.