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A Resolução CFC nº 1.445/13 sobre prevenção à lavagem de dinheiro e o dever de sigilo profissional

ANO 2016 NUM 248
Alberto Higa (SP)
Doutorando em Direito do Estado - USP. Mestre em Direito do Estado e Especialista em Direito Tributário – PUC/SP. Especialista em Direito Empresarial e Bacharel em Direito – MACKENZIE/SP. Ex-Assessor de Subprocuradora-Geral da República (PGR/DF – MPF) Procurador do Município de Jundiaí/SP. Membro Fundador Associado do IBEDAFT. Membro do Conselho Editorial da Editora Thoth.


02/09/2016 | 4417 pessoas já leram esta coluna. | 3 usuário(s) ON-line nesta página

1. Síntese da Resolução CFC nº 1.445/13

Desde o 1º dia do ano de 2014 passou a produzir efeitos a Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.445/13, publicada no Diário Oficial da União em 30/07/2013, que disciplina os procedimentos a serem observados pelos profissionais e Organizações Contábeis, quando no exercício de suas funções, para prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, nos termos da Lei federal nº 9.613/98, com a redação dada pela Lei federal nº 12.683/12.

Consoante explicitado no próprio ato normativo sob comento, este tem por escopo regulamentar o disposto nos arts. 9º, 10 e 11 da nova Lei de Lavagem de Dinheiro, alcançando, para tanto, os profissionais e Organizações Contábeis que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, nas seguintes operações:

I – de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais, ou participações societárias de qualquer natureza;

II – de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;

III – de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;

IV – de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;

V – financeiras, societárias ou imobiliárias; e

VI – de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.

Entre as obrigações impostas aos contabilistas, podem ser destacadas, em síntese:

a) a elaboração e a implementação de política de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo compatível com seu volume de operações e, no caso das pessoas jurídicas, com seu porte, a qual deve abranger, no mínimo, os procedimentos e controles arrolados no art. 2º da Resolução CFC nº 1.445/13;

b) a manutenção de cadastro de clientes e demais envolvidos nas operações que realizarem, inclusive representantes e procuradores, em relação aos quais devem constar, no mínimo: a identificação do cliente; o registro do propósito e da natureza da relação de negócio; a data do cadastro e suas atualizações; a identificação do beneficiário final do serviços que prestarem; as correspondências impressas e eletrônicas que suportem a formalização e a prestação do serviço; a data, o valor e a forma de pagamento da operação; e o registro fundamentado da decisão de proceder ou não às comunicações ao COAF

c) o dever de comunicar ao COAF as operações e propostas de operações consideradas suspeitas, nas situações listadas nos incisos I ao XIII, do art. 9º, da referida Resolução CFC nº 1.445/13;

d) o dever de comunicar ao COAF as operações e propostas de operações nas situações listadas a abaixo, independentemente de análise ou de qualquer outra consideração:

I – prestação de serviço realizada pelo profissional ou Organização Contábil, envolvendo o recebimento, em espécie, de valor igual ou superior a R$30.000,00 (trinta mil reais) ou equivalente em outra moeda;

II – prestação de serviço realizada pelo profissional ou Organização Contábil, envolvendo o recebimento, de valor igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por meio de cheque emitido ao portador, inclusive a compra ou venda de bens móveis ou imóveis que integrem o ativo das pessoas jurídicas de que trata o art. 1° da Resolução;

III – constituição de empresa e/ou aumento de capital social com integralização em moeda corrente, em espécie, acima de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e

IV – aquisição de ativos e pagamentos a terceiros, em espécie, acima de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

De acordo com o art. 13 da Resolução, as comunicações devem ser efetuadas no sítio eletrônico do COAF, consoante as instruções ali definidas, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar do momento em que o responsável pelas comunicações ao Coaf concluir que a operação ou a proposta de operação deva ser comunicada, abstendo-se de dar ciência aos clientes de tal ato.

Os profissionais e Organizações Contábeis deverão ainda atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas.

Não havendo ocorrência durante o ano civil, os profissionais ou as Organizações Contábeis deverão apresentar declaração nesses termos ao CFC por meio do sítio do Coaf até o dia 31 de janeiro do ano seguinte. Ademais, deverão conservar os cadastros dos clientes e envolvidos na operação e registros da operação, bem como as correspondências por, no mínimo, 5 (cinco) anos, contados da data de entrega do serviço contratado.

Cabe anotar, por fim, que os profissionais e Organizações Contábeis, bem com os seus administradores que deixarem de cumprir as obrigações da Resolução CFC nº 1.445/13, sujeitar-se-ão às sanções previstas no Art. 27 do Decreto-Lei n.º 9295/1946 e no Art. 12 da Lei n.º 9.613/1998.

2. A questão do sigilo profissional

Com o advento da nova Lei de Lavagem de Dinheiro e da Resolução COAF nº 24, de 16/01/2013, instaurou-se controvérsia jurídica acerca da constitucionalidade do mencionado diploma legal, haja vista o dever de sigilo profissional imposto a determinadas classes de profissionais liberais, a exemplo do médico, do advogado e do contabilista.

A citada Resolução COAF nº 24/13 já explicitava em sua ementa que esta alcançava apenas as “pessoas físicas ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão próprio regulador.

A D. Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, em consulta formulada pelo Exmo. Presidente do Conselho Federal da OAB nos autos do Processo nº 49.000.2012.006678-6/CNECO, firmou entendimento no sentido da não sujeição dos advogados à norma que impunha o dever de comunicação ao COAF das operações de seus clientes, conforme r. parecer da lavra da eminente Conselheira Federal Dra. Daniela Teixeira.

De fato, além do fundamento acima delineado, a saber, a submissão dos advogados à regulação de órgão próprio regulador, fundamentou a não sujeição desses profissionais aos mecanismos de controle previstos na Lei nº 9.613/98, também por força do sigilo profissional que informa a relação advogado – cliente, albergado pelo art. 133 da Constituição Federal e pela Lei nº 8.906/94.

No mesmo passo, importante anotar que a Confederação Nacional das Profissões Liberais - CNPL, invocando, de igual modo, o dever de sigilo profissional, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.841, em trâmite no E. Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Exmo. Sr. Ministro Celso de Mello.

Para tanto, cita não apenas a norma que impõe o dever de sigilo profissional aos advogados (Estatuto da Advocacia), mas também aos contabilistas (Resolução CFC nº 803/96), dentre outras classes de profissionais liberais. Fundamenta o pleito ainda no disposto no art. 197, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.

A propósito, cumpre anotar que a questão relativa à abrangência do sigilo profissional face ao dever de determinados profissionais liberais de prestarem informações ao Poder Público não é nova. Confira-se, pois, os precedentes do E. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça:

"CONTABILISTA. SIGILO PROFISSIONAL. INADMISSIBILIDADE DE PRETENDIDA OBRIGAÇÃO TRIBUTARIA ACESSÓRIA, DE O CONTABILISTA INFORMAR AO FISCO OS ATRASOS DE SEUS CLIENTES NO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO. IRRELEVÂNCIA DO FATO DE HAVEREM OS INTERESSADOS DESOBRIGADO O PROFISSIONAL. ILEGITIMIDADE DA AUTUAÇÃO E DA IMPOSIÇÃO DE PENALIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO." (STF, 1ª Turma, RE 86.420/RS, rel. Min. Xavier de Albuquerque, RTJ vol 86-02, p. 639)

"IMPOSTO DE RENDA. 1. É lícito ao Fisco investigar a veracidade de declaração do imposto de renda, devendo o contribuinte colaborar com suas informações e documentos. (CTN., arts. 113, pars., 147, 149, 197, etc.). 2. Todavia, a investigação não poderá penetrar em fatos sujeitos ao sigilo profissional (CTN. art 197, parágrafo único)." (STF, 1ª Turma, RE 68.783/GB, rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 20.02.1970)

"PROCESSUAL PENAL. TESTEMUNHA. ESCUSA. ART. 207 DO CPP. CONTADOR. REALIZAÇÃO DE AUDITORIA. QUESTÕES INTERNAS DA EMPRESA. DEVER DE SIGILO.

I - É possível a um contador prestar esclarecimentos sobre o método de realização de uma auditoria específica e o porquê das conclusões a que chegou, sem que adentre a questões interna corporis da empresa auditada.

II - Relevância do depoimento do experto, porquanto os fatos por ele relatados, em razão da feitura da auditoria, é que levaram à instauração da persecutio criminis contra o recorrido, diante da suposta prática de estelionato contra a empresa.

III - Hipótese em que o acórdão recorrido resguardou o sigilo profissional em relação às questões internas da empresa, contudo, afastou a sua aplicação no tocante aos termos da perícia realizada. Conclusões que levam, na verdade, a uma concessão parcial da segurança, e não à sua denegação. Recurso parcialmente provido." (STJ, 5ª Turma, RMS 17.783/SP, rel. Min. Felix Fischer, DJ 31.05.2004, p. 331)

Recentemente, destaca-se, por todos, a ementa de julgado do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, abaixo transcrita:

TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR INFORMAÇÕES AO FISCO. ESCRITÓRIOS DE CONTABILIDADE. SIGILO PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.

1. A prestação de informações, assim como a apreensão de documentos e equipamentos, constituem instrumentos indispensáveis à atividade fiscalizatória do Estado, nos termos do art. 197 do CTN e dos arts. 34 a 36 da Lei nº 9.430. O poder de investigação do Poder Público é dirigido a coibir atividades violadoras à ordem jurídica, e a garantia de privacidade e o sigilo não se estendem às atividades ilícitas. Todavia, a própria lei ressalva o sigilo profissional, eximindo aqueles que estejam legalmente obrigados a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão de prestar informações quanto aos respectivos fatos. A violação do segredo profissional está inclusive capitulada como crime (art. 154 do CP), pois o profissional ostenta a condição de depositário de informações confidenciais resultantes de sua relação com o cliente (art. 229, I, do CC, art. 406, II, do CPC, e art. 207 do CPP). Com efeito, a possibilidade de quebra do sigilo deve estar prevista em lei específica.

2. A relação profissional estabelecida entre cliente e contador está assentada na confiança gerada por expectativas legítimas e recíprocas. Com efeito, impor ao profissional a obrigação de identificar o cliente que se encontra em situação irregular perante o Fisco e comunicar o fato à autoridade administrativa implica dele exigir que quebre essa confiança para denunciar fato por ele conhecido em razão do exercício profissional (art. 2º, II, da Resolução CFC n. 290/70, editada com base no art. 10 do Decreto-lei 1.040/69). "O interesse público do sigilo profissional decorre do fato de se constituir em um elemento essencial à existência e à dignidade de certas categorias, e à necessidade de se tutelar a confiança nelas depositada, sem o que seria inviável o desempenho de suas funções, bem como por se revelar em uma exigência da vida e da paz social." (STJ, 4ª Turma, RMS 9.612/SP, rel. Min César Asfor, DJ 09.11.1998, p. 103).

3. E ainda que se entenda não ter, a exigência, imbricações com o segredo profissional, a conduta da autoridade fiscal carece de respaldo legal, ante a inexistência de lei que designe o contador como pessoa obrigada a prestar informações obtidas no desempenho de sua profissão (art. 5º, II, da CF). (TRF 4ª Região, Remessa Ex Officio nº 200104010363924, Relatora Desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, 1ª Turma, DJ 16/08/2006)

Não obstante, como se vê dos autos da citada ADI nº 4841, a matéria é permeada de dificuldades que deverão ser oportunamente enfrentadas. Veja-se, por exemplo, que a D. Procuradoria Geral da República protocolizou manifestação nos autos da ADI mencionada, oportunidade na qual, após discorrer sobre o sistema internacional antilavagem de dinheiro, assentou entendimento pelo indeferimento da liminar, ponderando que o direito ao sigilo, como qualquer outro direito fundamental, não é absoluto e deve conviver com outros interesses constitucionalmente protegidos.

Diante desse quadro fático e de direito, não se pode ter como encerrada a questão relativa à legitimidade da norma que estabelece os mecanismos de controle para obstar a lavagem de dinheiro e sua colisão ou não com o direito ao sigilo profissional, competindo ao E. Supremo Tribunal Federal a ponderação dos caros valores envolvidos.

Considerando a presunção de constitucionalidade das leis, bem como a ausência de decisão judicial que afaste as imposições advindas da nova Lei de Lavagem de Dinheiro e da Resolução CFC nº 1445/2013, cumpre aos contabilistas ficarem atentos quanto à observância dos mencionados diplomas normativos, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento de ação individual, diante do caso concreto, a fim de se acautelar quanto a possíveis penalidades, desde que entendam violadora de seus direitos.



Por Alberto Higa (SP)

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