Rafael Véras (RJ)
Em 15 de agosto de 2012, o governo federal lançou a primeira fase do Programa de Investimentos em Logística (PIL). O referido programa tinha por desiderato contribuir para o desenvolvimento de um sistema de transportes moderno e eficiente, por meio de parcerias estratégicas com o setor privado, promovendo sinergia entre os modais rodoviário, ferroviário, hidroviário, portuário e aeroportuário.
Nada obstante, os resultados pretendidos pelo governo não foram atingidos, assertiva que se confirma pelos seguintes fatos: (i) dos noves trechos de rodovias que seriam delegadas, apenas seis obtiveram sucesso na sua transferência para o setor privado – lembre-se, por exemplo, da licitação deserta para a concessão da BR-262/MG/ES; (ii) no setor portuário, o Programa de Arrendamentos Portuários – PAR ficou suspenso por 2 anos, em razão de diversas determinações exaradas pelo TCU, por meio do Acórdão nº 3.661/2013, relacionadas, em sua maioria, às imperfeições das modelagens tarifárias destes contratos; (iii) no setor de ferrovias, previu-se a delegação de 11 mil quilômetros de linhas férreas para o setor privado, sendo que, até o presente momento, não foi levada a efeito nenhuma delegação, sobretudo em razão da insegurança jurídica que permeou a tentativa de mudança do modelo vertical para o horizontal (open acess).
A provável mudança no cenário político brasileiro, decorrente do julgamento do procedimento de impeachment, traz o seguinte questionamento: como reduzir os gargalos da infraestrutura brasileira? Eis o tema do presente ensaio. Não se tem a pretensão de diagnosticar erros capitais do governo anterior, nem, tampouco, de oferecer soluções milagrosas, mas, tão somente, de trazer reflexões a propósito deste tema.
Pois bem. A primeira mudança que deveria ser experimentada passa pela reformulação do modelo de contratação pública brasileira. O “mantra” de que a Lei nº 8.666/1993 (LGL) seria uma norma geral para todas as espécies de contratações públicas (ou seja, de que serviria para disciplinar da compra de material de limpeza à celebração de complexas modelagens concessórias), traz inegáveis prejuízos para os projetos de infraestrutura, na medida em que: (i) desconsidera a lógica dos contratos de longo prazo, notadamente no que diz respeito ao seu equilíbrio econômico-financeiro, às suas formas de remuneração, às suas formas de financiamento, à sua função de contratualizar políticas públicas, à sua incompletude deliberada; e (ii) confere aos órgãos de controle a prerrogativa de forcejar a aplicação deste normativo (a LGL) aos contratos de concessão, contrariando os avanços trazidos por essa espécie de contrato.
É dizer, boa parte da malversada interpretação destes ajustes pressupõe a existência de um embate entre a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 8.987/1995. Em termos coloquiais, aquela, seria “boa”; enquanto esta “má”. Esse conflito, na verdade, inexiste. O que se deve buscar é a convivência pacífica entre os dois estatutos, de sorte a que um não subverta a lógica do outro.
Nesse quadrante, sugere-se que o Poder Público, ao modelar os novos contratos de concessão: (i) não transfira aos concessionários riscos que eles não podem gerenciar, uma vez que, quando ele não tiver condições de assumi-lo, o “precificará”, por ocasião da apresentação de sua proposta econômica na licitação, resultando, na ponta, em tarifas mais caras para os usuários; (ii) inclua cláusulas compromissórias para resolver as controvérsias advindas desses contratos, que tenham por objeto, por exemplo, aspectos atinentes ao seu equilíbrio econômico financeiro, ao valor indenizatório pelos bens reversíveis não amortizados e patrimoniais decorrentes dos institutos da encampação e da rescisão desses ajustes; (iii) observe a Taxa Interna de Retorno – TIR do projeto, prevista no fluxo de caixa da concessionaria, para fins de revisão tarifária, pois que isso tenderá a reduzir a contestatibilidade destes procedimentos; (iv) realize estudos técnicos que retratem a adequada TIR do projeto, evitando licitações desertas; (v) celebre termos de cooperação com os órgãos de controle (Ministério Público, entidades ambientais, Tribunais de Contas), visando a reduzir a assimetria de informações entre eles, assimetria esta que vem atrasando o cronograma dos projetos de infraestrutura.
Outro viés que carece de reformulação diz com a necessidade de atribuir estabilidade aos contratos de longo prazo, os quais predicam um arcabouço institucional que os coloque infensos às influências políticas de ocasião. Para esse fim, como já se teve a oportunidade de asseverar em diversas oportunidades, ter-se-á de fortalecer as agências reguladoras. Fortalecimento esse que passa pela retomada de suas autonomias técnicas, administrativas, orçamentárias e institucionais, características intrínsecas a tais entidades, que foram tão suprimidas nos últimos anos. O espaço deixado pelo esvaziamento dessas entidades – como não existe vácuo de poder – vem sendo ocupado pelo Tribunal de Contas da União. Nesse sentido, cite-se, por exemplo, as inúmeras determinações exaradas por essa corte de contas para que a ANTT e a ANTAQ fizessem, respectivamente, alterações nos editais de licitação da chamada “Rodovia do Frango” e dos arrendamentos portuários. Malgrado os nobres propósitos dessa atuação, ela não se mostra adequada, seja porque tal tribunal não tem a atribuição de equilibrar subsistemas jurídico-econômicos, seja porque sua competência deve se limitar, em sede de controle externo, à análise da economicidade que envolve os projetos de infraestrutura.
Mas nenhuma dessas alterações jurídico-institucionais será bastante para retomar os investimentos privados no desenvolvimento da infraestrutura brasileira se não houver uma mudança da cultura da Administração Pública. Essa cultura de sobranceira supremacia, de tratamento verticalizado, terá de dar lugar ao estabelecimento de relações consensuais, negociadas com o setor privado. Nessa perspectiva, o Poder Público terá de entender que, malgrado isso não seja popular, a delegação de utilidades públicas tem um custo, custo este que está sendo trespassado ao particular. A lógica é a seguinte: se o financiamento orçamentário desses serviços não é mais uma possibilidade, será por meio da celebração de “contratos de investimentos”, financiados pelos usuários, que se desenvolverá a infraestrutura do país, sobretudo por meio de concessões – já que as PPPs predicam o dispêndio de recursos públicos para fazer frente à parcela da remuneração do parceiro privado. Daí a necessidade da celebração de contratos de concessão permeados pela convergência entre os interesses do Poder Público e da iniciativa privada, o que não é antípoda à moralidade.
Essa mudança cultural passa, também, pela tomada de consciência de que punir nem sempre é a melhor forma de atendimento do interesse público. Punir é apenas uma das formas de atendê-lo, mas não é a única, nem, muito menos, a melhor. Mais que isso, esse poder estatal não pode servir para alimentar necessidades arrecadatórias, subversivas às pautas regulatórias setoriais de longo prazo. Nessa perspectiva, a eficiência das próximas concessões passará pela substituição das penalidades aplicadas aos concessionários pela realização de investimentos na própria concessão, por meio da celebração de acordos substitutivos, providência que se apresenta mais consentânea com as políticas públicas veiculadas por meio desses projetos.
A alternância de poder é um momento de reflexão. De repensar o que deu errado e de planejar o porvir; do contrário, teremos um novo governo, mas com os velhos problemas.