Rafael Arruda (GO)
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A inviolabilidade à liberdade, estampada no caput do art. 5º da Constituição Federal, ali não está por acaso. A previsão é decorrência direta do Estado democrático de direito inaugurado em 1988 e de seu repertório garantista de direitos fundamentais individuais e coletivos. Como desdobramento de uma liberdade genérica constitutiva da dignidade humana, a mesma Constituição assentou textualmente ser livre a manifestação do pensamento (art. 5º, IV), a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX) e o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte (art. 5º, XIV). É claro o preceito: os cidadãos são titulares de direitos de liberdade em relação ao Estado e mesmo em face de outros particulares.
Ao menos desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 1948, a liberdade de palavra, como direito inalienável do ser humano, sempre se apresentou como o salutar e necessário contraponto à barbárie, tirania e opressão. O art. 19 da Declaração foi categórico, sem meias palavras: “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. Depois disso, todas as demais constituições dos países democráticos, umas mais cedo, outras mais tarde, passaram a consagrar em seus textos uma decantada liberdade de manifestação do pensamento.
E é assim que, desde 1988, a garantia da liberdade de expressão, conquanto tardia, como influxo dos anos de ditadura militar, vem sendo aperfeiçoada pelas instituições e pela sociedade brasileira. O fato é que a garantia não nasceu pronta; ao revés, necessita ser constantemente melhorada, revisitada, engrandecida e reinterpretada em seu sentido construtivo e de salvaguarda, com atenção especial aos novos tempos e às novas tecnologias: desde o rádio, a TV, os livros e jornais impressos, muita inovação teve lugar, vindo a desembocar na miríade de novos aparatos advindos e desenvolvidos com e pela internet. Das redes sociais ao streaming, novas formas comunicacionais estão hoje ao alcance de todos. A internet, esta grande praça pública virtual, incrível, encantadora e inédita, é o local onde todos falam e comunicam tudo a quem quer que seja. Nunca foi tão fácil exercitar o direito à autodeterminação e expressar aquilo que se sente e se pensa. Falar e palavrear estão hoje nas palmas das mãos.
Mas e a democracia, onde fica?
Ora, em Estado democrático, os opostos convivem em desacordos razoáveis. Via de regra, a maioria dita os destinos do Estado, sem, no entanto, aniquilar as minorias. Ora se perde, ora se ganha, e assim a vida segue nas democracias civilizadas. Maiorias e minorias têm direito a voz e voto, pelo que deve valer a força do argumento para a estrutura do dissenso. Apesar disso, nem tudo está permitido. Os discursos de ódio, intolerância e de rompimento institucional não devem ser admitidos, em nome de um contrato social mínimo para a garantia da vivência coletiva. E a razão é simples: se discursos de ódio, intolerância e discriminação têm potência para abalar as bases de uma sociedade democrática, relativamente a eles não pode haver contemporização. A ninguém é dado o direito absoluto de poder dizer tudo e em todo lugar.
É possível discordar, ser contra o tempo inteiro, desferir comentários severos e terríveis a agentes públicos e autoridades. Justa ou injusta, a crítica ao funcionamento das instituições do Estado é sempre um direito fundamental para viabilizar o desacordo, porque é dele que se alimenta a democracia e é para garantir a divergência que ela – a democracia – existe. Democracia tem “casca grossa” e está preparada para o embate, desde que o ataque não seja incompatível com a manutenção dos seus alicerces. Trocando em miúdos: a democracia aceita a pancada, é verdade; não, porém, os golpes baixos.
E o que seriam os golpes baixos, em liberdade de expressão, contra as bases de um Estado democrático de direito? Para além das já mencionadas discriminação, intolerância e manifestações de ódio e ataques às instituições, também a desinformação e as fake news denotam comportamentos inaceitáveis, porque, no limite, há rematada desconsideração à condição humana dos interlocutores em Estado de direito.
É dizer, quando a possibilidade de dano suplanta qualquer vantagem ou ganho, é chegado o momento de endurecer, e o Estado de direito prevalecer: não dá para aceitar tudo, e padrões mínimos de civilidade, respeito ao próximo e apreço pela existência do coletivo devem se sobressair em detrimento de um mal exercitado – abusivo e afoito – direito de liberdade de expressão, que também tem o seu preço: aquele que todos nós aceitamos pagar para viver em sociedade, como seres pensantes e responsáveis e não como sujeitos inconsequentes. Com o golpe baixo, o juiz para o jogo e exclui o jogador. Porque, afinal, o espetáculo da democracia tem de continuar!
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