Georges Humbert (BA)
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O país vive um momento de risco para a proteção ambiental, exatamente em um momento em que o desmatamento ilegal alcança seus maiores níveis e que desastres ambientais estão a ocorrer.
Primeiro porque, em 2015 a Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional no Senado aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015 que integra a chamada Agenda Brasil — um pacote com 27 propostas com o objetivo de estancar a crise política e estimular o crescimento da economia, entre estas a que acelera a liberação de licenças ambientais para grandes empreendimentos de infraestrutura.
Agora, o que já se apresentava como um possível esvaziamento do licenciamento ambiental, caminha a passos largos para se tornar na sua total inutilização. Isto porque, no dia 27 do último mês, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2012 recebeu aval da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, prevendo que a mera apresentação do Estudo de Impacto Ambiental – EIA, é suficiente para autorizar as obras de significativo impacto, que não poderá mais ser suspensa ou cancelada, o que, na prática, fulmina com o licenciamento ambiental.
Pela citada PEC, seria acrescido um §º 7 aoº art. 225 da Constituição, com a seguinte redação: “7º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.”
Na justificativa da famigerada PEC, consta que, uma vez iniciada a obra após a concessão da licença ambiental, ela “não poderá ser suspensa ou cancelada senão em face de fatos novos”. Contudo, enquanto a justificativa trata da licença ambiental, o texto do novo dispositivo que se sugere passar a integrar a Constituição versa sobre o estudo prévio de impacto ambiental, os quais são atos jurídicos distintos, ambos parte do processo administrativo de licenciamento ambiental.
Com efeito, a licença ambiental é um ato administrativo decisório no qual, após o devido processo legal, o órgão competente atesta a viabilidade ou não da localização, instalação ou operação um empreendimento público ou privado, a partir de tudo que consta de licenciamento, o que inclui, entre outros, estudos e pareceres técnicos, jurídicos, audiências públicas e o mencionado EIA, elaborado pelo empreendedor interessado.
Trata-se, desta forma, de apenas uma das peças - a primeira delas, diga-se - que instruem os autos do processo e um dos elementos que, após o contraditório e amplo debate, servem a formação do convencimento, do motivo e à fundamentação da decisão administrativa final pelo deferimento ou não da licença, pelo que, enquanto parte inicial e unilateral de um todo não pode substituí-lo e nem produzir qualquer efeito senão o de servir de base para a tomada de decisão.
Noutras palavras: ao contrário do que ressoa da redação proposta para o novo dispositivo que se pretende inserir no art. 225 da Constituição por emenda, o EIA não pode e nem tem condições técnicas e jurídicas de autorizar início de obra e, muito menos, de impedir seja esta paralisada ou suspensa.
Neste passo, não é demasiado reafirmar que a própria Constituição é blindada contra alterações normativas com conteúdo desta ordem. É que o seu art. 225, firma o meio ambiente ecologicamente equilibrado como elemento essencial à sadia qualidade de vida. Assim, a norma constitucional determina a integração do interesse jurídico ambiental ao próprio direito à vida e à conteúdo mínimo do princípio da dignidade da pessoa humana. Por isto, enquanto pressuposto e parte do direito à vida e condição qualificadora para um mínimo de dignidade de um ser humano, o meio ambiente foi erigido à condição de direito individual fundamental e princípio fundamental da república.
Como consequência imediata destas premissas, o regime jurídico da tutela ambiental se encontra no ápice da estrutura normativa pátria e as normas constitucionais desta natureza são cláusula pétreas o que, por sua vez, resulta na impossibilidade da redução dos direitos e deveres já consagrados constitucionalmente nesta matéria e vedação ao retrocesso quanto as formas e métodos de controle e proteção do meio ambiente insertos na Carta Magnas, podendo, inclusive, ser suscitado o controle prévio de constitucionalidade, via Mandado de Segurança, de qualquer PEC que possa vir a atingir o núcleo basilar destas normas.
Por estas razões, ao praticamente extinguir a utilidade e adequação do processo de licenciamento e transformar um dos seus atos, a mera apresentação do EIA, em alvará permissivo geral, irrestrito, incondicionado e automático para execução de obras, em detrimento da preservação e proteção ambiental, a PEC 65/2012 ofende cláusula pétrea e deve ser fulminada antes mesmo de vir ao mundo jurídico.
Finalmente, importante registrar também que, ao contrário do que aparenta viabilizar, tal medida em nada iria contribuir para o melhor resultado dos empreendimentos, pois o licenciamento, como todo e seguindo todas as suas etapas até a licença, além de garantia de regularidade ambiental da obra, empreendimento e atividade é medida que se impõe à sua sustentabilidade e segurança jurídica. Esta é a única forma capaz de se identificar, com maior grau de certeza, a correção social, ecológica e mesmo a sua viabilidade econômica.
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