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Desastre de Mariana: reflexos e reflexões ambientais

ANO 2015 NUM 35
Georges Humbert (BA)
Advogado. Pós-doutor em democracia e direitos humanos pela faculdade de direito de Coimbra / Portugal. Doutor e mestre em direito do estado pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário Jorge Amado e associado ao Brasil Jurídico. É professor orientador no Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Cnpq/Ministério da Educação


06/12/2015 | 9356 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

O país está afetado pelo grave desastre ambiental causado pelo rompimento de uma barragem da Samarco no Município de Mariana, em Minas Gerais. A lama de resíduos tóxico, com alto grau de concentração de elementos químicos cancerígenos, contaminou e pode matar o Rio Doce, já avançou por diversas áreas de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, alcançando o mar.

Diversas são as manifestações técnicas, políticas e jurídicas sobre as duvidosas causas e consequências desta tragédia. A Presidente da República, por exemplo, de logo se arvorou em anunciar a imposição de uma multa milionária à empresa. Noticia-se, ainda, a ocultação de documentos e estudos fundamentais, além de falhas na concessão das licenças, fiscalização da operação das barragens e credibilidade das auditorias. Há, ainda, informações segundo as quais os danos causados podem ser irreversíveis ou de difícil reparação, mas já há a certeza que serão necessárias décadas para se tentar superar esse grave sinistro ambiental.

De tudo que vem sendo noticiado, entendemos que reflexos e reflexões precisam nortear, de logo e com resultados propositivos, as ações do Poder Público, das instituições e dos cidadãos.

Em um primeiro plano, ao ensejo dos reflexos não podemos nos furtar a noção de que, a despeito da relevância do aspecto natural e ecossistemas, no caso não se pode olvidar que o impacto ambiental se estendeu às variáveis humanas (para alguns artificiais) e culturais – essa, diga-se é uma questão comum aos danos ao meio ambiente, mas nem sempre adequadamente tratada. Com efeito, além dos prejuízos à fauna, flora, aos recursos hídricos e outros bens ambientais de igual estirpe, a necessidade de reconstrução e relocação das pessoas atingidas à moradia, escola, saneamento e acesso a outros equipamentos e serviços públicos essenciais à sadia e digna qualidade de vida, não podem ficar em segundo plano. Como não pode também ser desprezado o elo cultural destas pessoas com os locais atingidos, mantendo-se suas tradições, história, costumes e vocações. Isto não é uma questão lateral ou subsidiária, mas sim uma obrigação constitucional como parte integrante do próprio conteúdo jurídico da expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225) e do princípio normativo da sustentabilidade, na sua equação de soma entre social, econômico e ecológico (arts. 6°, 170, 225 e outros).

Demais disso, lançamos as seguintes reflexões: o problema ambiental, no Brasil e no mundo, não é derivado das leis ou dos instrumentos, mas da má aplicação destes. E nem se resolve via poder de polícia, disciplinar ou sancionador (multas, prisão, embargos, licenciamento).

Ora, a partir do princípio jurídico da preservação e proteção ambiental (art. 225), impõe-se a todos sob a jurisdição brasileira agir sempre baseado nas regras de prevenção e da precaução, sendo esta uma qualificação do dever de eficiência (art. 37) que deve nortear a administração pública. Assim, não podemos admitir ações que não sejam planejadas, açodadas, aleatórias, ou posteriores aos danos ambientais. Com estes pressupostos, deve-se entender por prevenção a norma de direito ambiental que atrai para ordem jurídica da tutela do meio ambiente o valor que importa a todos, especialmente ao Poder Público, o dever agir de modo prévio, com controle, fiscalização, exigência de estudos, medidas mitigadoras de impacto, compensação, ao se decidir o exercício de atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de degradação do meio ambiente.

Ocorre que, por estes pressupostos e para evitar ou minimizar riscos e impactos ambientais, devemos, sobretudo, dispor onde podem e devem ser realizadas determinadas atividades e empreendimentos, mediante ato normativo, do legislativo e, quando necessário, ato regulamentar do executivo, em caráter geral e abstrato, em detrimento do casuísmo e improviso que é a nossa realidade aqui vivenciada. Para impedir ou diminuir as chances de ocorrências trágicas como a de Mariana, já é de rigor possuir leis nacional, regional (estaduais) e local (municipais), indicando as áreas em que atividades e projetos de risco (como mineração, nucleares, de energia, portos, aeroportos, polos químicos e petroquímicos, entre outras), conforme repartição de competências constitucionais (art. 23, 24 e 30).

Ilustramos com exemplos relacionados ao caso concreto. Em vez de determinar a contenção dos danos via a determinação à Samarco de execução imediata de barreiras e resgate de fauna, flora e de outros elementos integrantes do bioma atingido, a postura da União, via Presidente da República e Ibama, foi lavrar uma multa estrondosa, que em nada colabora para preservar e proteger o meio ambiente. Em vez de se verificar se os sistemas de controle e monitoramento falharam e abrir um processo administrativo para apurar se houve culpa de agentes públicos ou falta de infraestrutura de fiscalização. Em vez de se falar na necessidade de planos nacionais de ordenação e zoneamento de atividades potencialmente causadoras de significativo impacto ambiental, já se quer tornar mais burocrático, ineficiente e ainda mais moroso o licenciamento e as avaliações de impacto ambiental.

Assim, não há que se falar em danos e reparação exclusivas aos ecossistemas, que não insiram em mesmo grau o aspecto ambiental humano (ou artificial) e cultural. Ademais, e em remate, parece-nos que, por mais uma vez, as medidas repressivas e/ou isoladas, ganham protagonismo, em detrimento do dever de programação, planejamento e antecipação de diretrizes em matéria da nossa gestão ambiental, em flagrante ofensa ao princípio jurídico da preservação e proteção ambiental, associado ao da eficiência, o que, além de não resolver essa relevante questão e permitir a melhor tutela ambiental, pode ensejar responsabilidade do agente público, inclusive por ato (comissivo ou omissivo) de improbidade administrativa.



Por Georges Humbert (BA)

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